Para o homem ser humilde, ele precisa ser verdadeiro e justo
Estamos na reta final. Há várias semanas, estamos tratando sobre a crise do homem moderno, suas consequências morais e espirituais, como lidar com isso e crescer no caminho espiritual.
Estamos vendo, agora, as virtudes cardeais. Falamos sobre justiça, prudência, fortaleza e todas as virtudes a elas anexa. Já caminhamos discursando sobre a temperança. Agora, vamos a mais uma virtude anexa a ela: a humildade.
Essa virtude poderia, sob certos aspectos, considerar-se anexa à justiça, pois que nos inclina a tratar-nos como merecedores, mas está bem ligada à temperança, porque modera o sentimento que temos da nossa própria excelência.
Pode-se definir a humildade como uma virtude sobrenatural, pois nos é dada por Deus, que, pelo conhecimento que nos dá de nós mesmos, inclina-nos a nos estimarmos em nosso justo valor e a buscar o abatimento e o desprezo.
A humildade tem duplo fundamento: a verdade e a justiça. A verdade para nos conhecermos a nós mesmos; a justiça que nos inclina a tratar-nos com conformidade com esse conhecimento. Vê-se, nesse caso, que nela também está o uso da razão. Não se trata de ficar esperando Deus no-la dar, mas, na oração e meditação, julgar corretamente a nós mesmos.
Para isso, diz São Tomás, precisamos entender que tudo o que há de bom em nós vem d’Ele, e tudo o que é mal vem de nós. Temos o nosso ser natural e nossos privilégios espirituais que são bons, no entanto, ao admirar uma obra de arte, antes reconhecemos o seu autor e não a tela em que está a obra. É a Ele e não a nós mesmos que se deve dirigir a nossa admiração.
Para tentar deixar ainda mais claro: Deus nos criou e nos mantém na existência. Como obra da criação, as coisas boas que fazemos provém d’Ele, pois nada fazemos sem que não tenha se passado pela Sua consideração ao nos criar e o Seu conselho em nossos corações. No entanto, as coisas ruins provêm de nossa natureza decaída pelo pecado original, coisa que não foi Ele quem fez, mas nossos primeiros pais ao caírem, e hoje, o nosso consentimento.
A nossa qualidade de pecadores nos condena à humilhação. Carregamos, constantemente, a concupiscência que nos leva ao pecado. Se, desde o início da nossa posse da razão, tenhamos cometido somente um pecado grave, já somos dignos da pena eterna, e não há nada que a possa pagar. Mesmo os pecados veniais, o menor deles, já ofende Deus. Preferimos a nossa vontade à Sua. Uma vida inteira passada na penitência e humilhação não bastaria para expiá-la.
Devemos, pois, por justiça, amar as humilhações, aceitar todas as afrontas. Se nos dizem que somos avaros, desonestos, orgulhosos, devemos convir nisso, porque conservamos em nós a tendência a todos esses defeitos. Em qualquer perseguição, enfermidade, desprezo e outra aflição, é mister nos colocarmos do partido de Deus contra nós mesmos, e dizer que tudo isso merecemos e ainda mais.
Devemos amar o esquecimento e o abatimento; pecadores, merecemos todos os desprezos e humilhações.
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O que mais é a humildade? Como é exatamente uma pessoa humilde?
Só se pode considerar uma pessoa como sendo verdadeiramente humilde se ela manifesta três atributos:
Uma reverência espontânea para com aquilo que é, por natureza ou por referência superior ao homem, como o são Deus, as coisas sagradas ou mesmo a lei moral natural.
Um respeito incondicional por qualquer ser humano. Um desejo profundo e constante de aprender, principalmente as coisas mais elevadas. Se faltar uma só dessas considerações, a pessoa não é humilde. As três são necessárias. Nesse caso, portanto, é preciso a nossa busca pelas três.
O exato oposto é o orgulho, pois a pessoa que não tem reverência por aquilo que é por natureza ou pelo menos pelo Criador que pensou e ordenou todas as coisas (a criação em si, o modo como as coisas subsistem, como a geração da vida natural, as próprias leis que regem a natureza etc), reverência ao sagrado e à lei natural, essa pessoa, automaticamente, está se considerando um Deus ou detentora de atributos divinos. Seu desrespeito se traduz numa disposição, ainda que velada, de ser igual a Deus ou de ser capaz de criar a ordem assim como Ele.
Aquele que desrespeita outro ser humano, independente de quem seja, o melhor ou pior deles, consideram-se superior, como Deus ou detentora de atributos divinos, por se colocar acima do outro em dignidade sendo da mesma espécie.
Também aquele que não faz conta de aprender sobre o sentido da vida e das coisas mais elevadas, como as que se tem na teologia, considera o seu mísero conhecimento como sendo a chave mestra capaz de julgar todas as coisas. Ou, pelo menos, detentor de tudo que se precisa saber como principal e indispensável sobre a vida. Esse já pensa ser Deus, por deter todo o conhecimento necessário.
O orgulho é, portanto, em todos os casos, a imaginação de a pessoa ser o próprio Deus ou, pelo menos, portadora de atributos divinos.
Conteúdo baseado no livro COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA – Autor Adolf Tanquerey