Os santos nos auxiliam na conquista da humildade
Como temos visto desde a semana passada, a humildade, virtude ligada à temperança, é como que a “mãe” das demais virtudes. Conseguimos atrair as demais por meio dela, logicamente, ligados a uma vida de oração e aprofundamento nos mistérios de Deus por meio dos bons estudos.
Para uma tentativa de explicar, ainda de modo mais detalhado, sobre tão grande dom, segue o exemplo de grandes autores.
Os doze graus de São Bento – 480a.c
São Bento encara essa virtude como uma disposição habitual da alma, que regula o conjunto das relações do monge com Deus, (perfeitamente aplicável à vida secular). Compreende a humildade, a obediência, a paciência e a modéstia. Sete se referem aos atos internos, e cinco aos externos.
Atos internos:
1) O temor de Deus: primeiro o temor dos castigos; depois, temor reverencial que nos leva à adoração.
2) A obediência ou submissão da nossa vontade à de Deus. Essa obediência é, sem dúvida, um ato de humildade, visto ser a expressão da nossa dependência para com Deus.
3) A obediência aos superiores por amor de Deus. É necessário mais espírito de fé, para ver a Deus nos superiores, e mais perfeita abnegação, porque essa obediência se aplica ao maior número de coisas.
4) A obediência paciente, ainda nas coisas mais dificultosas, suportando as injúrias sem queixar-se, sobretudo quando a humilhação vem dos superiores.
5) A confissão das faltas secretas, incluindo os pensamentos, ao superior, fora da confissão sacramental. É este ato de humildade um freio poderoso para não despencar no abismo. (Tratando-se da vida secular, a confissão sacramental ajuda sobremaneira!)
6) A aceitação cordial de todas as privações, considerando-se inferior ao seu ofício.
7) Julgar-se sinceramente, do fundo do coração, o último de todos os homens. É raro este grau; os santos chegam lá, refletindo que, se os outros tivesses tido tantas graças como eles, seriam melhores que si.
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Os atos internos se manifestam por atos externos:
8) A fuga da singularidade: não fazer nada extraordinário, mas se contentar com o que é autorizado pela regra comum. Querer singularizar-se é, efetivamente, sinal de orgulho ou vaidade (tão elogiado pelas empresas hoje em dia).
9) O silêncio: saber calar enquanto não nos interrogam ou enquanto não há uma boa razão de dar o parecer, e ceder aos outros ocasião de falar.
10) A moderação do rir: a gargalhada estridente ou zombaria, ou a disposição habitual a rir pronta e ruidosamente, que mostra pouco respeito da presença de Deus e pouca humildade.
11) A reserva nas palavras: quando se fala, fazê-lo suave e humildemente, sem gritos, com a gravidade e sobriedade do homem sisudo.
12) A modéstia no porte: andar, assentar-se, estar de pé, olhar modestamente, sem afetação, a cabeça ligeiramente inclinada, o pensamento em Deus e na própria indignidade de levantar os olhos para o céu.
Depois de haver explicado os diferentes graus de humildade, acrescenta São Bento que eles levam ao amor de Deus, ao amor perfeito que exclui o temor.
Os três graus de Santo Inácio – 1491a.c
1) “Abater-me e humilhar quanto em mim caiba, para obedecer em tudo à lei de Deus, Nosso Senhor: de sorte que, nem que me fizessem senhor de todas as coisas criadas neste mundo, nem que me ameaçassem de me tirar a vida temporal, eu não ponha sequer em deliberação a possibilidade de transgredir um mandamento de Deus ou dos homens, que me obrigue sob pena de pecado mortal”. Este grau é essencial a todo cristão que quer conservar o estado de graça.
2) O segundo grau de humildade é mais perfeito que o primeiro. “Consiste em me encontrar numa inteira indiferença de vontade e afeto entre as riquezas e a pobreza, as honras e o desprezo, o desejo de longa vida ou vida curta, contanto que daí provenha para Deus glória igual e igual utilidade para a salvação da minha alma. Além disso, ainda quando se tratasse de ganhar o mundo inteiro, ou de salvar a minha própria vida, não vacilaria em rejeitar qualquer pensamento de cometer para esse fim um só pecado venial”. É disposição já muito perfeita, a que não chegam senão muitos poucos.
3) “O terceiro grau de humildade é perfeitíssimo. Encerra os dois primeiros e, além disso, supondo que o louvor e glória da Majestade divina sejam iguais, quer que, para eu imitar mais perfeitamente a Jesus Cristo Nosso Senhor, e me tornar, de fato, mais semelhante a Ele, prefira abraçar a pobreza com Jesus Cristo pobre, antes que as riquezas; os opróbrios com Jesus Cristo deles saturado, antes que as honras; o desejo de ser tido por homem inútil e insensato, por amor de Jesus Cristo, que primeiro foi tido como tal; antes que passar por homem sábio e prudente aos olhos do mundo”. É o grau dos perfeitos, é o amor da cruz e da humilhação, em união com Jesus Cristo e por seu amor; quem chega lá, está a caminho da santidade.
Os três graus de humildade, segundo M. Olier (1608-1657)
Sacerdote, fundador da Sociedade de S. Sulpício – França – incentivado por São Francisco de Sales.
1) O primeiro é comprazer-se no conhecimento de si mesmo, da sua vileza e baixeza, dos seus defeitos e pecados. O mero conhecimento das próprias misérias não é humildade; há pessoas que notam os próprios defeitos, mas se entristecem com isso, e buscam em si alguma perfeição que as ponha a coberto da confusão que experimentam; é um efeito de soberba. Mas quando a alma se compraz no conhecimento das próprias misérias, quando ama a seu pouco valor e seu alto grau de baixeza, então é verdadeiramente humilde.
2) O segundo grau é gostar de ser conhecido por ‘sem valor’, por objeto, por nada e pecado, e de passar por tal no conceito de todos. É que, efetivamente, se, conhecendo e amando a nossa miséria, quiséssemos ser estimados dos homens, seríamos hipócritas, desejando parecer melhor do que somos. Ora, querer alta estima é ser um ladrão, porque é desejar nos apropriarmos do que pertence a Deus. A alma humilde, pelo contrário, não se inquieta do que possam dela pensar; sofre quando a louvam, e prefeririam mil afrontas a um só louvor, visto aquelas se fundarem na verdade e este na mentira. (Lembre de nossa explicação dada semana passada sobre os dons virem de Deus e as misérias de nós).
3) O terceiro grau é querer ser não somente conhecido, senão tratado por alguém que não tem valor, objeto e desprezível; é receber com alegria todos os desprezos e humilhações possíveis; numa só palavra, é desejar ser tratado como merece. E assim, quando Deus nos envia aridezes, desamparos e repulsas interiores, devemos tomar partido de Deus contra nós, e confessar que Ele tem razão de rejeitar com desdém as nossas obras e pessoas. Do mesmo modo, se somos maltratados pelos nossos superiores, iguais e até mesmo inferiores, devemos-nos alegrar disso como da coisa mais justa, mais vantajosa para nós e mais conforme ao desejo de Jesus Cristo.
Preste atenção que não estamos trazendo esses escritos no intuito de ensinar a você a autopiedade ou a autocondenação. Muito menos significa que não sejamos amados até o sacrifício de Cristo por nós, nem que não tenhamos a dignidade de filhos de Deus. Nossa intenção é a de que tenhamos a maior clareza possível do que somos diante de Deus, conscientes de nossa condição decaída e pecadora, de criaturas e não de criadores, para evitar nossos excessos de presunção e orgulho. Assim, estaremos em nosso lugar quando Deus vier viver em nós. Não atrapalharemos a Sua ação. Por isso esse texto está ligado ao da semana passada.
Conteúdo baseado no livro COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA – Autor Adolf Tanquerey