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A medida com a qual se mede os outros pode ser equivocada

Qual é o uso adequado da medida?

Com a medida que medirdes, sereis medidos – adverte Jesus, na sua maestria. O propósito do Mestre era (e continua sendo) o de qualificar Seus discípulos na condução da vida, de modo a prosseguirem na direção da verdade e da justiça até o patamar mais alto: o amor. Essa advertência inscreve rica possibilidade de acertos e consertos, frente aos sinais alarmantes da vida humana, descompassada, particularmente na contemporaneidade.

Definitivamente, não há possibilidade de acertar os rumos, enquanto os descompassos nos relacionamentos entre pessoas avançarem desmedidamente, fragilizando os vínculos que deveriam sustentar e manter os indivíduos e a coletividade na direção do bem que se quer mas não se consegue alcançar.

É perigoso e irracional a conduta de indivíduos que se colocam na condição de juízes dos outros, em relações interpessoais, sociais e políticas. Pessoas que definem os parâmetros de seus juízos, contaminados por polarizações, sentimentos adversos e interesses espúrios, produzindo resultados que desvirtuam a condição humana e impede atuações construtivas e altruístas.

A medida com a qual se mede os outros pode ser equivocada

Foto ilustrativa: Bruno Marques/cancaonova.com

Julgar o outro é bem mais fácil que olhar para si

Há uma variedade de configurações, no modo de se emitir juízos e do quanto se alimentam perversidades que acabam por, também, comprometer o próprio “juiz” na sua qualidade de vida e na sua condição. Assim, a medida com a qual se mede os outros pode ser equivocada. Nem sempre condiz com a realidade.

Há evidente falta de competência para medir-se e avaliar-se. Fácil é julgar o outro e emitir juízos com requintes de crueldade, pois, na verdade, aquele que julga busca se defender, encobrir as próprias fragilidades, atribuindo ao outro os próprios defeitos. Daí nasce um grau considerável de perversidade que alimenta sentimentos, posturas e
escolhas, com sérios comprometimentos, e não se consegue fazer valer a verdade, a justiça e a liberdade. Instala-se, assim, verdadeiro caos: mentiras tomam o lugar da verdade, liberdades são comprometidas e faltam as condições necessárias para o exercício da justiça.

A admirável maestria de Jesus indica aos discípulos uma qualificação que há de sustentar seus posicionamentos e escolhas – a indispensável autocrítica, tão pouco usada, em razão das conveniências e dos vícios que adoecem sentimentos e comprometem as escolhas. Sem essa autoavaliação as portas se escancaram para juízos temerários, estabelecendo o princípio de um jogo sórdido que visa exclusivamente vencer desonestamente as disputas.

Justiça

Por tudo isso, Jesus condena o juízo temerário com a indicação da autocrítica do remédio eficaz, indispensável para corrigir opiniões infundadas e caluniosas a respeito das outras pessoas. Do contrário, a insistência no uso desse recurso perverso, que tem se tornado sempre mais frequente, continuará distanciando a cidadania de um princípio inegociável: o bem, que só se constrói sobre os alicerces da verdade, e a justiça só pode ser alcançada quando se coloca no horizonte a meta do amor.

É fundamental reconhecer a necessidade de se recuperar a seriedade e o discernimento a respeito da gravidade que representa avaliar a moral do outro, para que não se lese dignidades. Jesus, neste ensinamento, “com a medida com que medirdes sereis medidos”, alerta para que a armadilha destinada aos outros não seja caminho do próprio fracasso e também do fracasso nas relações humanas, políticas e sociais. Quem julga severa e injustamente o outro, escancara as portas para ser assim tratado pela justiça, particularmente pela justiça divina.

O juízo de condenação do outro não é exclusivamente conduta abusiva, mas extremamente perigosa. Por isso mesmo, a sabedoria do uso adequado da medida se desdobra em um princípio desafiador: não fazer aos outros aquilo que não gostaria que lhe fizessem.

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Lucidez nas escolhas

À luz desse ensinamento, no horizonte quaresmal que convida ao inadiável diálogo, a contemporaneidade exige nova aprendizagem e práticas, quando se trata do ato de julgar. Lamentavelmente, juízos se fundam mais nos interesses e nas conveniências, em vista de metas a serem alcançadas a todo custo, comprometendo gravemente a
essencialidade das relações sociais.

Faltando lucidez nas escolhas, os atores sociais se tornam medíocres, construindo à sua imagem, os parâmetros do conjunto sociopolítico e cultural. Exemplar é a indicação de querer tirar o cisco do olho alheio quando ainda não se dá conta de tirar a trave do próprio olho. Sem esse processo corretivo e da sensibilidade recuperada por meio das dinâmicas de conversão, serão perpetuadas as perversidades, facilitadas pela rapidez e amplitude das redes sociais. O resultado nefasto será sempre o comprometimento da verdade, da justiça e das liberdades.

Em tempos de gravíssimo déficit de espiritualidade, torna-se ainda mais forte o convite à conversão, especialmente nesta Quaresma, a partir do desafio contido nas palavras do Mestre -“sereis medidos com a medida com que medirdes”.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br