Reflexão

Como é feita a conversão e a espera ativa das terceiras moradas?

A conversão sincera do cristão até o encontro definitivo com Deus

Como tratamos, no segundo artigo desta série, o percurso espiritual do cristão, que vai da conversão sincera até a plena união com Deus, ainda nesta vida, está dividida em duas grandes etapas: a via ascética e a via mística. Embora, em última instância, seja Deus quem inicia, opera e termina a santificação da alma (Sl 137,8), na via ascética é o ser humano quem precisa, a custa de muito esforço, ordenar seu existir para conseguir ser dócil à vontade de Deus. Na via mística, Deus se utiliza desta docilidade básica para aumentar, cada vez mais, a presença santificadora do Espírito Santo, com a colaboração do cristão que não quer voltar à vida de independência que levava.

O final das terceiras moradas, das quais tratamos agora, é este último suspiro da via ascética. São os detalhes finais a serem tratados para que Deus tenha pleno acesso, por intermédio dos dons do Espírito Santo e das virtudes infusas, a uma maior presença santificadora na alma. Assim, na via iluminativa (segundas e terceiras moradas), temos de priorizar o Cristo como verdadeiro mestre, largar tudo para segui-Lo e, neste período de seguimento, abandonar também nossos desejos mais profundos, nosso modo de pensar e agir, sendo discípulos fiéis do mestre. Para os apóstolos, isso tudo se realizou em três anos e meio, e quanta mudança observamos nos evangelhos!

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Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

O que nos falta, então? A parábola das dez virgens (Mt 25, 1-13) nos ajudará a entender plenamente.

As virgens prudentes e as virgens tolas

Todo o percurso vivido, nas primeiras moradas (ou via purgativa), visa nos separar, definitivamente, dos maus hábitos que reinam em nós. Esses hábitos ou paixões controlam a vida, os pensamentos e deixam o cristão vulnerável a cometer pecados mortais, acabando com sua vida espiritual. Para serem eliminadas plenamente, as paixões precisam ser substituídas por virtudes. Começa-se com as duas principais: paciência e temperança; logo depois, adquire-se a virtude da justiça e, por último, a virtude da prudência. Como já existe a série Virtudes Morais e Cardeais, convido-o a conhecê-las a fundo, ou seja, vivê-las, e não nos deteremos nelas aqui.

Purificadas e controladas as paixões, faz parte da via iluminativa um crescimento das virtudes infusas, principalmente as teologais da fé, esperança e caridade já examinadas num artigo anterior também. As virtudes teologais, juntamente com a purificação ativa dos sentidos proposta por São João da Cruz como a primeira noite espiritual, a noite dos sentidos, irá promover a segunda purificação: a purificação do coração. Isso corresponde ao ensinamento de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, que nos lembra que “não se deve matar as forças da natureza em nós, mas as purificar”.

O monge João Cassiano, nas suas Conferências com os Padres do Deserto, relata que o abade Isaac comparava a alma a uma pena levíssima (Conferência IX). Ela quer voar para Deus na oração, mas todos os apegos que temos no coração, por mínimos que sejam, a fazem sujar, molhar e pesar, impedindo-a de ser levada pelo vento do Espírito. Quando estão completas, essas duas purificações que são, principalmente, um esforço humano de ascensão até Deus (via ascética), podemos dizer que a alma está pronta para Deus: fez-se virgem novamente e pode dar-se inteiramente ao Espírito Santo.

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As dez virgens da parábola são, portanto, dez almas que conseguiram caminhar por meio das moradas da via ascética, e estão prontas para acompanhar o noivo para o casamento da via mística, que se inicia a partir das quartas moradas. Essa nova estrada só pode ser tomada se o próprio noivo vier nos buscar e, a partir daí, toda iniciativa será d’Ele e deve-se estar pronto para corresponder a essa iniciativa.

Como vemos na parábola, estão adiantadas, mas ainda estão longes da perfeição. Como os discípulos no horto das oliveiras, não conseguem vigiar e orar nem por uma hora (Mt 26,40), ainda não chegaram naquele ponto da vida espiritual onde pode-se dizer “eu durmo, mas meu coração vigia” (Ct 5,2).

Como já alertamos em alguns dos artigos anteriores, um dos principais riscos da vida espiritual é achar que Deus não está agindo, simplesmente porque não estamos vendo como Ele está agindo naquele momento. E Ele age sempre (Jo 5,17). A parábola se passa, portanto, à noite. A noite simboliza esse agir de Deus em nós, que é imperceptível aos sentidos. De fato, ao acabar-se com o tumulto das paixões, ao renunciar ao mundo conhecido de nossos pensamentos, lembranças e vontades, o que nos resta? Vazio e escuridão, ou seja, a noite.

Não é, no entanto, uma noite estéril, mas habitada pela presença de Deus, que se pode mais intuir do que sentir. Por isso, o profeta Elias compreendeu que a presença de Deus não estava na tempestade, nos ruídos nem no terremoto, mas, do meio da escuridão da caverna, percebeu Deus na brisa que passa (1Rs 19,12). Por isso, também o grau de oração dessas moradas é a oração de simplicidade como vimos no artigo anterior. A alma está pronta para Deus, não quer e não consegue mais se misturar com as coisas do mundo, ama e espera. Enquanto espera, ama.

Assim, a luz da lâmpada é a fé, e seu óleo é a virtude da caridade ou amor que a abastece para brilhar. Aqueles que tiveram acesso às terceiras moradas precisam levar sua vida de oração ao máximo, com constância e perseverança, buscando o amor a Deus para manter a luz da fé brilhando. Explica-se aqui a falha de metade das virgens, e por que elas são chamadas de tolas: embora tenham chegado até aqui, purificando-se das paixões e dos sentidos, descuidaram-se da oração, da adoração e do contato constante com Deus. O óleo da caridade que carregam não basta para um período mais longo de espera pelo noivo que virá. E, também aqui, não se sabe a hora que Ele virá e deve-se permanecer vigilante (Lc 12, 35-38).

Ensinamento de São João da Cruz

Como nos ensina São João da Cruz, o que nos conduz pela noite escura, a qual podemos chamar de vida mística, é a fé. Essa fé só pode se manter acesa enquanto se ama a Deus com todas as suas forças, todo seu entendimento e todas as suas capacidades. Não é à toa que, logo após essa parábola das virgens, no Evangelho de Mateus, vem a parábola dos talentos. É mais um lembrete de que Deus nos dá as virtudes teologais, mas precisamos as desenvolver cada vez mais, e não simplesmente as enterrar no fundo do nosso ser. Se elas não crescem, o amor não mantém a fé e a esperança ativas, o óleo da oração se esvazia e a luz que atrai o esposo acaba.

Cabe aqui a recomendação: “não durmamos, pois, como os demais. Mas vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5,6). Está próximo o dia em que o noivo virá. E o cristão deve consumir-se de zelo pelo senhor, Deus dos exércitos (1Rs 19,14).

No próximo artigo, traremos um infográfico com os principais tópicos a serem vividos na via iluminativa que estudamos nestes últimos capítulos da série Caminho Espiritual e as Moradas. Encerramos, assim, o período ascético da vida espiritual e estaremos prontos para entender, da melhor forma possível, a vida mística. Não se intimide, Deus nos quer plenamente santos para viver em Sua presença e investe constantemente em nós para isso. Correspondamos, mantendo o amor vivo que ilumina todo o nosso interior.