entenda

O pecado pode nos tentar através do olhar. E agora?

“Tanto assim que gememos pelo desejo ardente de revestir por cima da nossa morada terrestre a nossa habitação celeste” (II Cor 5,2). É citando a epístola aos coríntios que Agostinho começa a falar da tentação do olhar na sua obra ‘Confissões’. Embora desejoso por habitar nos átrios de Deus, ele era acometido das vontades da carne. Homem que era, traz em sua natureza a consequência da queda dos primeiros viventes, a concupiscência. Não diferente de Agostinho, acredito que você, em algum momento, seja tentado em alguma área. Contudo, vejamos o que o santo de Hipona nos ensina. Antes de tratar sobre a tentação do olhar, Agostinho relata a inclinação do ser humano ao pecado por ter a sua vontade dilacerada.

O inimigo dominava-me o querer e forjava uma cadeia que me mantinha preso. Da vontade pervertida nasce a paixão; servindo à paixão, adquire-se o hábito, e, não resistindo ao hábito, cria-se a necessidade […] Desse modo, tinha duas vontades, uma antiga, outra nova; uma carnal, outra espiritual, que se combatiam mutuamente; e essa rivalidade me dilacerava o espírito.[1]

O pecado pode nos tentar através do olhar

Foto Ilustrativa: by Getty Images / AzmanJaka

Agostinho tinha o desejo de habitar na casa de Deus, porém, acontecia dentro de dele essa luta que, em todas as horas, fazia questão de lembrá-lo de sua fraqueza. O olhar aprecia a beleza das formas, das cores, da luz. As luzes do mundo com sua atração e sua perigosa doçura[2] seduzia os cegos de Deus. Ele reconhecera que não deveria amar tais criaturas, mas somente o autor dessas belezas. Era a Deus que ele precisava amar. Tal como Agostinho, nós precisamos amar a Deus, colocar a primazia do nosso amor n’Ele. Somos tentados e até caímos em pecados porque estamos colocando outras coisas no lugar de Deus e assim nos perdendo d’Aquele que precisaria ser o foco do nosso amor.

O pecado desordenou a nossa vontade

O louvor se tornara para Agostinho o remédio no combate ao desejo do olhar. Ele sabe que o Criador o libertara de muitas ocasiões de pecado, mas por sua fraqueza, voltava a cair. Faz aqui a necessidade outra vez da graça do Senhor, “não pelo poder, não pela força, mas sim por meu espírito” (Zc 4,6). O sincero louvor pelo que seus olhos veem impede que sua mente imagine o que não deve. Não deixe a sua mente ser influenciada pelo que entra pelos seus olhos, mas louve e reconheça, na criação, a beleza do Deus Criador.

Agostinho lembra quantas coisas acrescenta-se à tentação do olhar, coisas que seduzem, desvirtuando assim a vontade reta. Lembra-se de roupas, das variadas artes, aqui peço licença para acrescentar alguns elementos próprios do nosso tempo, como filmes, danças, joias, reality shows, certas músicas e, por consequência, as danças, que prendem o nosso olhar e podem nos levar a pecar. Vale lembrar de uma arma tão eficaz contra esse pecado, chamada moderação. Até mesmo as coisas lícitas sem o crivo da moderação podem se tornar pecados. Meus caros, a moderação forma santos!

A verdade encontra-se quando Agostinho deixa claro que o homem, quando apegado e dedicando tempo e esforços à beleza exterior, afasta-se cada vez mais da beleza que está no seu interior. Perde-se no excesso que passa e não se depara com a eternidade que o acompanha sempre. “A beleza que, através da alma do artista, é transmitida às suas mãos, procede daquela beleza que está acima de nossas almas, e pela qual a minha alma suspira dia e noite”.[3]

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Vamos ordenar a nossa vontade?

É válido entender como o Doutor da graça põe em ordem a vontade que fora dilacerada pelas paixões. Agostinho foi exemplo de quem lutava até conseguir êxito, pondo sua natureza no seu devido lugar, assim, Deus fez dele um dos grandes homens e santos da história da Igreja. É o que ele chamou de doutrina da graça, entende-se desta forma:

“Pode-se concluir que não somente o ímpio se justifica pela graça, ou seja, de ímpio se torne justo, quando recebe o bem pelo mal, mas também, quando, já justificado pela fé, a graça deve acompanhá-lo e nela se apoie para não cair […] Portanto, quem, de modo conveniente, se serve da lei, chega ao conhecimento do mal e do bem e, não confiando na sua força, refugia-se na graça cujo auxílio lhe dá forças para se afastar do mal e fazer o bem.[4]

Por fim, podemos perceber que Agostinho tem a certeza de que não se realizará o projeto de Deus na vida do homem, se este não buscar a graça e o auxílio d’Aquele que é o autor do projeto de felicidade e criador de tudo o que existe. Quando você não alcançar a vitória sobre uma tentação e vier a cair, não desanime. Procure um sacerdote e tome o remédio que é o sacramento da confissão. A graça de que você tanto precisa será encontrada nos sacramentos da Igreja. Eles são fontes inesgotáveis da graça de Deus.

A liberdade está no fazer a escolha certa, da qual tornará o ser humano cada vez mais a imago Dei, ou seja, a imagem de Deus. Que o Senhor conceda a graça a todo aquele que pedir, a fim de ordenar a vontade destruída na figura humana, fazendo voltar à origem que outrora fora perdida. Assim como Agostinho, você deve pedir o auxílio da graça de Deus para pôr ordem as suas paixões. Deus concede graça e misericórdia a todo aquele que a pede. Seja ousado e peça com insistência.

O salmista faz um pedido, que as almas desejosas por santidade deveriam fazer ao acordar todos os dias, “evita que meus olhos vejam o que é inútil, dá-me vida com tua palavra” (Sl 119,37).

Que o Senhor nos guarde em santidade. Amém!

Referências:

[1] AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 1984, p. 210-211.
[2] Ibid., p. 306.
[3] Cf. AGOSTINHO, 1984, p. 307.
[4] AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 1984, p. 307
[5] AGOSTINHO. A Graça (II). São Paulo: Paulus, 1999, passim.

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