Nossa Senhora

A espiritualidade mariana de João Paulo II

Falar da espiritualidade mariana de São João Paulo II torna-se ainda mais significativo. Estamos falando da devoção a Virgem Maria, que levou Karol Wojtyla a tamanha santidade, que os fiéis o queriam proclamado santo logo depois da sua morte: “santo súbito”.

Ainda seminarista, um grande tratado de espiritualidade mariana o ajudou a tirar as dúvidas que tinha em relação a sua devoção a Nossa Senhora, principalmente no que diz respeito à centralidade de Jesus Cristo na vida e na espiritualidade cristã. A espiritualidade mariana do grande São João Paulo II o levou a uma vida inteiramente dedicada a Deus, e isso se deu nos mais de 25 anos de seu pontificado. Com São João Paulo II, esse santo dos nossos dias, podemos aprender a espiritualidade que o fez um dos Papas mais extraordinários de todos os tempos e o elevou à glória dos altares.

São João Paulo II disse na Carta às Famílias Monfortinas que o Tratado é um “texto clássico da espiritualidade mariana”1, que teve singular importância em seu pensamento e em sua vida. Segundo o Pontífice, o Tratado é uma “obra de eficiência extraordinária para a difusão da ‘verdadeira devoção’ a Virgem Santíssima”2.

Créditos: Arquivo CN/cancaonova.com

Testemunho de São João Paulo II a respeito do Tratado

João Paulo II experimentou e testemunhou essa eficácia do Tratado: “Eu próprio, nos anos da minha juventude, tirei grandes benefícios da leitura desse livro, no qual ‘encontrei a resposta às minhas perplexidades’ devidas ao receio que o culto a Maria, ‘dilatando-se excessivamente, acabasse por comprometer a supremacia do culto devido a Cristo’3. Sob a orientação sábia de São Luís Maria compreendi que, quando se vive o mistério de Maria em Cristo, esse risco não subsiste. O pensamento mariológico do Santo, de fato, ‘está radicado no Mistério trinitário e na verdade da Encarnação do Verbo de Deus’”4.

A perfeição, ensina São Luís Maria, consiste em ser conformes, unidos e consagrados a Jesus Cristo. Por isso, a mais perfeita de todas as devoções é, sem dúvida, a que nos conforma, une e consagra mais perfeitamente a Ele. Por conseguinte, foi Maria a criatura que mais se conformou ao seu Filho. Por isso, “entre todas as devoções, a que consagra e conforma mais uma alma a nosso Senhor é a devoção a Maria, Sua Mãe santa, e que, quanto mais uma alma estiver consagrada a Maria, tanto mais estará consagrada a Jesus Cristo”5.

Dirigindo-se a Jesus Cristo, São Luís Maria exprime como é maravilhosa a união entre o Filho de Deus e a Sua Mãe Santíssima: “Ela é de tal forma transformada em Ti pela graça, que não vive mais, não existe mais: és unicamente Tu, meu Jesus, que vives e reinas n’Ela. Ah! se conhecêssemos a glória e o amor que Tu recebes nesta maravilhosa criatura. (…) De fato, Ela ama-Te mais ardentemente e glorifica-Te mais perfeitamente do que todas as outras criaturas juntas”6.

Somos filhos de Deus Pai e filhos da Virgem Maria

Em Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, somos realmente filhos do Pai e, ao mesmo tempo, filhos da Virgem Maria e da Igreja. Com a Encarnação do Verbo eterno de Deus, de certa forma é toda a humanidade que renasce. À Mãe de Jesus podem ser aplicadas de maneira mais verdadeira, que São Paulo as aplica a si mesmo estas palavras: “Meus filhos, por quem sinto outra vez dores de parto, até que Cristo se forme entre vós”7.

Nossa Senhora dá à luz, todos os dias, os filhos de Deus, enquanto não estiver formado neles Jesus Cristo, Seu Filho, na plenitude da sua idade8. Essa doutrina encontra a sua expressão mais bela na oração: “Oh! Espírito Santo, concede-me uma grande devoção e uma grande inclinação para Maria, um apoio sólido sobre o seu seio materno e um recurso assíduo a Sua Misericórdia, para que, n’Ela, Tu possas formar Jesus dentro de mim”9.

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Escravidão por amor a Cristo

Na espiritualidade monfortina, o dinamismo da caridade é expresso especialmente pelo símbolo da escravidão do amor ou consagração total a Jesus, a exemplo e com a ajuda materna de Maria. “Trata-se da comunhão plena na kenosis (despojamento) de Cristo; comunhão vivida com Maria, intimamente presente nos mistérios da vida do Filho”10.

Segundo São Luís Maria, “não há nada entre os cristãos que faça pertencer de maneira mais absoluta a Jesus Cristo e à Sua Santa Mãe como a escravidão da vontade, segundo o exemplo do próprio Jesus Cristo, que assumiu as condição de escravo por amor, e da Santa Virgem, que se considerou serva e escrava do Senhor 12. O apóstolo honra-se do título de servus Christi. Várias vezes, na Sagrada Escritura, os cristãos são chamados servi Christi13.

Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio ao mundo em obediência ao Pai na Encarnação14. Humilhou-se fazendo-se obediente até a morte de cruz 15. Em comunhão com o Filho, “Maria correspondeu à vontade de Deus com o dom total de si, corpo e alma, para sempre, desde a Anunciação até a Cruz, e da cruz até a Assunção”16.

Entenda a consagração a Virgem Maria

Essa consagração ou escravidão de amor a Virgem Maria deve ser interpretada à luz do admirável intercâmbio entre Deus e a humanidade no mistério do Verbo encarnado. Esse é um verdadeiro intercâmbio de amor entre Deus e os homens, na reciprocidade da doação total de si. O espírito dessa devoção é uma resposta ao amor de Deus. Consiste em “tornar a alma interiormente dependente e escrava da Santíssima Virgem e de Jesus por meio dela”17.

Ao contrário do que podemos pensar, esse “vínculo de caridade”, essa “escravidão de amor” torna-nos plenamente livres, com a verdadeira liberdade dos filhos de Deus18. Trata-se de nos entregarmos totalmente a Jesus Cristo, respondendo ao Amor com que Ele nos amou por primeiro. Qualquer pessoa que viver esta consagração, esta escravidão de amor, pode dizer como São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”19. Assim como São João Paulo II, façamos do Tratado o nosso livro de cabeceira: “Li e reli muitas vezes, e com grande proveito espiritual, este precioso livrinho ascético de capa azul”20.

A Virgem Maria no plano de Salvação do Pai

Esse precioso clássico de espiritualidade mariana ajudou o Santo Padre a entender que “a Virgem pertence ao plano da salvação por vontade do Pai, como Mãe do Verbo encarnado, por Ela concebido por obra do Espírito Santo. Toda a intervenção de Maria na obra da regeneração dos fiéis não se põe em competição com Cristo, mas d’Ele deriva e está a seu serviço. A ação que Maria realiza no plano da salvação é sempre cristocêntrica. Faz diretamente referência a uma mediação que acontece em Cristo”21.

A partir do entendimento dessas verdades de fé pelo Tratado, João Paulo II abraçou a escravidão de amor a Santíssima Virgem Maria: “Compreendi, então, que não podia excluir da minha vida a Mãe do Senhor sem desatender a vontade de Deus-Trindade, que quis ‘iniciar e realizar’ os grandes mistérios da história da salvação com a colaboração responsável e fiel da humilde Serva de Nazaré”22. Como João Paulo II, este homem extraordinário, abracemos também a escravidão de amor a Virgem Maria, para que como ele sejamos fiéis a Jesus Cristo.

Referências

1PAPA JOÃO PAULO II, Carta às Famílias Monfortinas, 1.
2 Idem, Ibidem
3 PAPA JOÃO PAULO II, Dom e mistério, p 38.
4 Idem, Carta às Famílias Monfortinas, 1.
5 MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 120.
6 Idem, 63.
7 Gl 4,19.
8 Cf. MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 33.
9 MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. O Segredo de Maria, 67.
10 PAPA JOÃO PAULO II, Carta às Famílias Monfortinas, 6.
11 Cf. Fl 2, 7.
12 Cf. Lc 1, 38.
13 MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 72.
14 Cf. Hb 10, 7.
15 Cf. Fl 2, 7-8.
16 PAPA JOÃO PAULO II, Carta às Famílias Monfortinas, 6.
17 MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. O Segredo de Maria, 44.
18 MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 169.
19 Gl 2, 20.
20 PAPA JOÃO PAULO II, Discurso no VIII Colóquio Internacional de Mariologia, 1.
21 Idem, ibidem.
22 Idem, ibidem.