Breve anamnese do desenvolvimento tecnológico
O ser humano, desde a criação, é caracterizado por sua capacidade de desenvolvimento tecnológico, já por mandato de Deus, que convidou o ser humano a reinar sobre os demais seres (Gn 1,26) e também, de algum modo, a agir com alguma autoridade sobre tudo o que for criado (Gn 1,28).
Essa ideia, certamente, levou o ser humano a entender que, para levar a cabo este mandato de Deus, precisava desenvolver técnicas que os ajudasse a controlar de algum modo o mundo natural. A começar pela edificação das armas, como o arco e flexa, para defesa e caça. Ou como a confecção de cestos e vasos de argila para transporte e armazenamento de alimentos, água entre outros.

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No mundo helênico, esta ideia de que o homem deveria “dominar” sobre o cosmos, de algum modo era explicada partindo da visão mítica de explicação do mundo. O Mito de Prometeu, um semideus que rouba o fogo sagrado dos deuses e entrega aos homens, pode ser compreendido como o ponto de partida para entender esta realidade do desenvolvimento da técnica.
Com o passar dos séculos, a técnica foi sendo aperfeiçoada nas diversas culturas, e com a maior capacidade de troca de conhecimento entre os povos, advinda das grandes explorações e das descobertas de materiais e a engenhosidade humana levou os homens a um grande salto na forma de lidar com as forças da natureza. Passamos, portanto, de uma sociedade coletora de alimentos, para produtora. De nômades, para sedentários que produziam seu próprio alimento.
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Revolução Industrial e advento da mentalidade cientificista
Nos últimos 300 anos a humanidade, por fim, deu um grande salto na mentalidade cientifica e técnica. A revolução copernicana e o advento da ciência iluminista e materialista, transformou radicalmente a visão de mundo dos homens. Isto levou, inclusive, à mudança na visão de mundo e de Deus. E com isso a mudança na visão do que é de fato o ser humano. Principalmente com a visão tecnicista cartesiana.
Com a revolução industrial e a fabricação em larga escala de um mesmo produto, seguindo padrões rigorosos e precisos para que tivessem sempre o mesmo formato, como iguais não importava se era o primeiro a sair da fábrica ou o último, levou a uma visão idealizada e romântica (num sentido ilusório da ideia) do mundo e da técnica.
Isto levou muitos artesões a ficarem sem trabalho. Como, por exemplo, os sapateiros, costureiras e alfaiates, ferreiros etc. Ou mesmo não fosse mais compreendido como produtores de produtos com algum valor. Ideia que parece estar sendo superada aos poucos nos nossos tempos.
Talvez, porque a ideia de justiça, de algum modo, parece que vem impressa no produto. Porque, por exemplo, quando se compra um produto industrializado, produzido em massa, parece que qualquer pessoa ao comprar um idêntico, não comprou nem mais nem menos do produto, mas a mesma coisa, pelo mesmo valor.
Essa concepção ganhou o imaginário das pessoas ao redor do mundo. Bem como a ideia de que tudo pudesse sem mensurado e analisado, também repetido, mesmo que fosse necessária alguma pouca adaptação.
Esta mentalidade de que a ciência poderia então encontrar caminhos para que um produto pudesse ser desenvolvido e conservado em qualquer lugar, levou também o homem a pensar que já estava dominando as forças da natureza. Novamente com suas capacidades, reorganiza a criação para submetê-la ou manipulá-la.
Novas tecnologias
Essa capacidade de manipular a forças da natureza, com cada vez mais o desejo de dominá-la, levou o homem a, inclusive, desejar retirar a necessidade do transcendente, ou seja, retirou a presença de Deus de sua vida (novamente o desejo do pecado original de “ser como Deus”) e colocou em seu lugar o cientista, ou seja, o próprio homem. E, no lugar da Igreja, o laboratório de ciência, dando a este máxima razão e fidelidade.
Com o consentimento de poder total ao campo científico, o homem-cientista viu-se repleto de autoridade a ponto de, por suas próprias forças e ideias, agora manipular a criação como era seu desejo. Promovendo novas forma de tecnologia, com o pretexto de que tais ajudariam o ser humano em suas debilidades. Contudo, o que se observa hoje é que tais desenvolvimentos científicos, de algum modo, começam a cobrar seu preço.
Justamente porque percebe-se que a visão cientificista do mundo não responde aos anseios humanos por completo. Porque este, como disse anteriormente, ignora uma parte constitutiva do ser humano, que é aquela transcendente. As novas tecnologias, porém, também possuem pontos bons. Não podemos aqui ignorá-los. Como por exemplo: a melhora no âmbito do diagnóstico e dos tratamentos de saúde; melhoria no campo da comunicação; na capacidade de prever tempo certo para o plantio e para otimizar o espaço plantado, a colheita e o combate a pragas; o desenvolvimento na segurança de meios de transporte etc.
Mas essas novas tecnologias também possuem um alto preço, como a falta de interação física entre as pessoas, inclusive de uma mesma família, que habitam na mesma casa. Outra é a possibilidade de usar destes desenvolvimentos tecnológicos para fazer guerra. Ou atentados terroristas.
Mas uma que ultimamente provocou uma inquietude no mundo é o fato da Inteligência Artificial (IA), ponto este que poderemos aprofundar com alguns textos aqui em nossa página. Essa inquietude pode ser refletida sobre alguns pontos de vista, principalmente porque existe, naturalmente em nós, o medo do desconhecido. Mas como tratado na ficção científica, existe também o medo de que essas novas tecnologias possam nos superar. Ou seja, deixaríamos de “dominar” sobre os seres. Tecnologias estas que podemos citar no campo da IA e da robótica, por exemplo.
Conclusão
Poderíamos refletir sobre diversos resultados que o advento da tecnologia em nossos dias trouxe para a humanidade, mas se retirarmos aqueles que são negativos, que são usados para submeter os povos com autoritarismos, sob ameaça de uso de força armada. Se retirarmos diante de nós, os experimentos sociais e científico-laboratoriais, que tratam o ser humano como uma “coisa” e não como “alguém”, como se viu em realidades do passado. Penso que poderemos observar com bons olhos o advento e o desenvolvimento da técnica humana.
O homem, de algum modo, soube usar bem o “o fogo recebido dos deuses” ou, para nós cristãos, soube usar bem aquela autoridade recebida de Deus Pai Criador. Para levar a cabo o domínio da natureza, mesmo que essa possua suas contingências e, muitas vezes, mostrar mais força diante da debilidade humana.
Estamos diante do medo do desconhecido: o que poderia a inteligência artificial desenvolver de si própria? Pouco, segundo alguns pensadores, porque para haver inteligência seria necessário um corpo materialmente capaz desta, o que não parece para estes cientistas ser este o caso contido nos programas desenvolvidos de IA. Pois parece que são incapazes de desenvolver a si mesmos, ou mesmo realizar novas reflexões sem que estejam presentes, de algum modo, em seus bancos de dados.
De todo modo, o medo do desconhecido provoca nos homens a imaginação de cenários catastróficos. Esses podem vir ou não ser verdadeiros, com esta ou aquela intensidade. Como quando uma pessoa está no meio de uma floresta e percebe um arbusto se mexendo, e pensar ser um animal selvagem escondido. O homem pode pensar que está ali uma onça pintada, pronta a devorá-lo. Este é o medo da tecnologia futurista.
Pode ser o futuro apenas algo menor, capaz de também ajudar o homem a desenvolver-se. Não precisamos temer as novas tecnologias. Mas sim, os cientistas devem desenvolvê-las com responsabilidade, respeitando os recursos naturais e o bem dos povos. Excluindo todo interesse mal.
Mestrando em Teologia Moral, possui vínculo eclesiástico com a Diocese de Teixeira de Freitas, atuando na cidade de Caravelas no estado da Bahia.