Cidadania e Reino de Deus
Toda a pregação de Jesus revela a paixão pelo Reino de Deus. Suas parábolas estabelecem comparações com elementos da natureza, os animais e a vida das pessoas, com acontecimentos alegres ou tristes, sempre apontando para a realidade do Reino. E este Reino assume tamanha prioridade a ponto do Senhor afirmar: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,33). No decorrer de sua vida pública, o Senhor comunicou os valores do Reino de Paz e Justiça, Reino de Vida e Verdade, Reino de Amor e Graça, Reino que sofre violência, que não é deste mundo, que já começou e não terá fim!
Entretanto, foi diante de Pôncio Pilatos que o Senhor afirmou, categoricamente, a natureza de seu Reino: “Pilatos entrou, de volta, no palácio, chamou Jesus e perguntou-lhe: ‘Tu és o Rei dos Judeus?’. Jesus respondeu: ‘Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isso de mim?’. Pilatos respondeu: ‘Acaso sou eu judeu? Teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?’. Jesus respondeu: ‘O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas, o meu reino não é daqui’. Pilatos disse: ‘Então, tu és rei?’. Jesus respondeu: ‘Tu dizes que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz’ (Jo 18, 33-37)”.
Muito tempo antes, a realeza de Jesus tinha dado trabalho a Herodes e seus cortesãos quando de seu nascimento em Belém! Agora, quando está para ser conduzido à morte, ele se proclama rei, deixando embasbacados todos os circunstantes, pois é de espinhos a sua coroa, seu cetro é uma cana e seu trono é a cruz! Até hoje a humanidade procura o sentido e os valores do Reino de Jesus!
Nós cristãos somos cidadãos do Reino de Deus e desejamos anunciá-lo e contribuir para o seu crescimento com nossas palavras, nossos sentimentos e ações, tudo iluminado pela fé em Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso Rei. No entanto, somos também cidadãos do mundo, estamos num país que tem suas leis e costumes, somos chamados a contribuir com nossos impostos e nossa participação.
Há um texto dos primeiros séculos da vida da Igreja, a “Carta a Diogneto”, no qual se testemunha o modo como somos chamados a viver: “Os cristãos não se distinguem dos outros homens nem por sua terra, nem por sua língua, nem por seus costumes. Sua doutrina não foi inventada por eles, nem se deve ao talento e à especulação de homens curiosos; eles não professam, como outros, nenhum ensinamento humano. Pelo contrário: mesmo vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes de cada lugar quanto à roupa, ao alimento e a todo o resto, eles testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como se fossem forasteiros; participam de tudo como cristãos, e suportam tudo como estrangeiros.
Toda pátria estrangeira é sua pátria, e cada pátria é para eles estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Compartilham a mesa, mas não o leito; vivem na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm a sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas, com a sua vida, superam todas as leis; amam a todos e são perseguidos por todos; são desconhecidos e, ainda assim, condenados; são assassinados, e, deste modo, recebem a vida; são pobres, mas enriquecem a muitos; carecem de tudo, mas têm abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo, recebem a glória; são amaldiçoados, mas, depois, proclamados justos; são injuriados e, no entanto, bendizem; são maltratados e, apesar disso, prestam tributo; fazem o bem e são punidos como malfeitores; são condenados, mas se alegram como se recebessem a vida”.
Justamente nestes dias que antecedem as eleições. Vale a pena ressaltar alguns critérios dos cidadãos do Reino na cidadania da terra. Há valores irrenunciáveis, com os quais encontramos parâmetros para decidir o nosso voto. O valor inalienável da vida desde a concepção até a morte natural é o primeiro, com o qual saberemos distinguir em quem votar. O currículo do candidato deve ser conhecido e iluminar as decisões: seu passado e suas ações, o que efetivamente fez e pode fazer, o seu sentido de bem comum, sua prática de vida familiar, seu exercício profissional, o gosto pelo trabalho, o uso do dinheiro, inclusive no financiamento das campanhas.
Para tocar naquilo que nos cabe, como Igreja, o que os candidatos pensam a respeito da liberdade religiosa? Pode acontecer que o argumento de uma sociedade “laica” seja confundido com uma sociedade “ateia”, inclusive com a negação do pleno exercício da fé que as pessoas professam. Mas é também complicado e inadequado quando grupos de qualquer religião venham a pretender o poder pelo poder!
As eleições são para cargos executivos e legislativos, no âmbito Federal e Estadual. Estejamos atentos, pois uma pessoa que pretende uma função legislativa não tem a força nem os meios para resolver todos os problemas sociais, cabendo-lhe antes a elaboração de leis e a fiscalização do poder executivo. Assistir à propaganda eleitoral durante este período pode levar uma pessoa desavisada a imaginar que um verdadeiro paraíso terrestre se avizinha, dada a proporção das promessas que são feitas, e nós as sabemos tantas vezes irrealizáveis! Cidadãos do Reino, sejamos cidadãos dos reinos da terra com consciência e discernimento!