O Senhor se deixa facilmente encontrar (Sb 6,12-13) quando voltamos nossa vida para a direção correta e caminhamos até Ele.
Podemos definir santidade como uma intimidade tão grande com Deus, que nos permite ouvir o som da Sua voz que sussurra. Não uma vez ou outra, mas sempre e constantemente. Isso é descrito de várias e belíssimas formas na Bíblia: “Deus passeava no jardim” (Gn 3,8). Ele nos arrasta para Ele e nos introduz em seus aposentos (Ct 1,3) e “seu som se espalha por toda terra, e até os confins do mundo ouve-se sua voz” (Sl 18,5).
Onde está Deus, para que possamos ser tão íntimos d’Ele?
Responde-nos Santo Agostinho: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! (…) Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”. Deus, portanto, nos habita efetivamente. Não se trata somente de linguagem poética, isso é Doutrina da Igreja confirmada por Santo Tomás de Aquino na sua Suma Teológica (ST I-Q8A3 e I-Q43A3). Lá, Santo Tomás diz que “Deus está na criatura racional como em seu templo”. Como caminhamos também com Santa Teresa de Jesus, usaremos a imagem de “castelo” em vez de “templo” para aproveitar bem as metáforas que ela utiliza.
Desse modo, ela compara a nossa alma com um grande castelo feito de um puríssimo cristal. Como todo grande castelo, ele possui muitos cômodos, aposentos ou moradas. Alguns desses aposentos ou moradas nem sabemos que existem em nós, porque não temos contato ou notícias desses lugares.
Conhecer nossa alma
Sinceramente, se pudermos nos gabar de não nos rendermos à cultura dominante, que duvida da existência de algo mais do que a carne no homem, ainda assim conhecemos tão pouco nossa alma, que fazemos pouco caso dela, e não empregamos nosso precioso tempo em descobri-la. Gastamos assim a nossa vida (Mc 8,36) e os nossos tesouros (Mt 6,19-20), perdendo tempo com tudo que passa e é perecível: nossos corpos, o exterior do nosso castelo. Ficamos na muralha em vez de descobrir suas riquezas interiores.
Mais do que descobrir os esplêndidos dons que nossas almas carregam, vale a pena entrar nesse castelo para descobrir Seu rei, Aquele que habita na morada mais interior de todas, a sétima, e que é o próprio Deus. Entrar no castelo e avançar em suas moradas rumo ao seu interior é o que chamamos de Caminho Espiritual. Se a santidade é ouvir cada vez melhor a voz de Deus, o caminho da santidade é o aquele que percorremos para ouvir essa voz cada vez mais de perto. Quanto mais próximo, mais clara ela será e mais facilmente nos deixaremos guiar por ela (ST II,II-Q8A5).
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Entrar e habitar o Castelo
Embora Deus chame cada um de nós de um modo especial para o caminho de santidade (Constituição Dogmática Lumen Gentium, 11), já vimos que os santos desenvolveram um caminho de perfeição que foi recolhido e sistematizado pela Teologia Ascético-Mística. Em outras palavras, Cristo nos une a Ele de tão variadas formas quanto a quantidade de seres humanos de toda a história. No entanto, não existe santidade sem união com Cristo. Isso é uma regra, baliza ou placa fixa no caminho, não pode existir um caminho “tão pessoal” que não passe por Cristo.
Semelhantemente, mesmo que toda alma seja única e irrepetível, como ensina o Papa Francisco, e que Deus atraia e convide cada um para um projeto próprio (Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, 13), só existe uma porta para se entrar neste castelo. Ela se chama conversão. Embora seja uma velha conhecida, muitos permanecem somente à porta e não continuam a escalada rumo ao projeto de santidade que Deus estabeleceu.
Que fique claro: sem uma renúncia ao pecado, sem uma verdadeira conversão de coração em direção a Deus, em direção ao amor d’Ele, não existe caminho de santidade. Permanecemos fora do castelo interior da alma. O batismo é o sacramento que nos abre portas que estavam trancadas hermeticamente; depois dele, caso tenhamos saído do castelo pelo pecado mortal, é o Sacramento da Penitência quem nos restitui esse acesso tão valioso.
Isso mesmo! Se a conversão completa, sincera e acompanhada de uma boa confissão nos dá entrada a esse caminho de autoconhecimento e santidade, o pecado mortal nos expele imediatamente para fora dele. Voltamos para o lado exterior, para os muros externos do castelo.
Como ter uma vida de santidade e conversão?
Está aí a primeira resposta para os que perguntam com angústia: por que minha vida espiritual não vai para frente? Por que não consigo avançar em santidade?
Por mais que rompamos energicamente com o pecado uma vez, não podemos retornar a ele pouco ou muito tempo depois. Na verdade, nunca! Por isso, ele é chamado de pecado mortal, porque mata nossa alma, nossa vida espiritual e a chance de, um dia, entrarmos no céu. Com o tempo, o pecado mata nosso corpo também, porque o pagamento do pecado sempre será a morte (Rm 6, 23). Assim, Adão e Eva não morreram fisicamente, de imediato, após comer o fruto da árvore proibida, mas morreram. Quanto à graça de Deus, perderam-na imediatamente (Gn 3,23).
Fazendo um paralelo, no caminho de santidade vale o conselho dado para Dorothy no clássico “O Mágico de Oz”: não saia da estrada dos tijolos amarelos! O mesmo conselho é repetido em Alladin: se você quer alcançar o verdadeiro tesouro, não sucumba às tentações de riquezas pelo caminho! Aqui, podemos dizer: permaneça no Castelo! Não deixe, de forma nenhuma, que qualquer tipo de tentação, vício ou comportamento o expulse dele. A vida espiritual é progressiva e não podemos passar 20, 30, 40 ou 60 anos entrando e saindo, começando sempre tudo do zero. Deus tem muito mais para você além da entrada.
O pecado
Veremos, com certeza, que, nas primeiras moradas, muita coisa precisa ser corrigida. Não estamos isentos de um tropeço (pecado) ou outro. Afinal, o que andou torto muito tempo não endireita facilmente. O pecado, no entanto, precisa ser raro, ser exceção, e é imperativo seguir o conselho de São João Maria Vianney: “Após um tombo, (deve-se) levantar-se imediatamente, não deixar o pecado nem um instante no coração.”
Começaremos, portanto, a explorar essas primeiras moradas que nos levam ao encontro de Deus nos próximos artigos dessa série Caminho Espiritual ou Moradas. Se chegou agora até aqui, releia do início para entender o fundamento disso tudo. Porém, fica o convite de que você não seja apenas um leitor, mas queira viver com plenitude esse caminho e encontrar-se com Aquele que é “o Tudo” no final. Não perca tempo, levante as situações, desejos e inclinações que o levam a pecar, abandonando esse lindo projeto de amor que Deus nos deu. Não vale a pena trocar toda filiação divina e a intimidade com Deus por um prato de lentilhas (Gn 25,34).
Não se engane, não existe “pecado particular”, “que não faz mal para ninguém”, “que ninguém sabe” ou qualquer outra mentira que justifique o injustificável. Para todo pecado, uma única solução: arrependimento e confissão. Permanecendo nessa dinâmica, entramos no castelo, e o próprio Senhor nos atrairá com eficácia ao Seu encontro na morada mais interior de todas.