Tríduo Pascal

Quinta-feira Santa: fazei isto em memória de Mim!

A Missa “In Coena Domini” deve ser considerada como o prólogo dos Três Dias Santos. Como nos Evangelhos, as histórias da Última Ceia — instituição da Eucaristia nos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) e o Lava-pés, em João —, têm a função de ser profecia e anúncio da morte de Jesus na Cruz, de modo que a celebração da Quinta-feira Santa se torna uma chave interpretativa para os eventos de Paixão, Morte e Ressurreição que serão celebradas durante os três dias da Páscoa.

A liturgia da Palavra desta celebração é caracterizada pela proclamação da narração do “Lava-pés”, segundo o Evangelho de João (Jo 13,1-15), e a narração da instituição da Eucaristia que Paulo relata na Primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 11, 23-26). Ambos os textos têm a função de nos introduzir no Mistério Pascal, revelando o sentido mais verdadeiro dos fatos ambíguos e contraditórios que acompanham a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. A passagem da primeira Leitura (Ex 12:1-8, 11-14) cria uma ligação entre o início do Tríduo Pascal e a Páscoa judaica.

Dessa forma, os eventos da Morte e Ressurreição de Jesus recebem uma interpretação adicional e podem ser lidos em continuidade com a ação de Deus que, na história, se manifesta como salvação e libertação. O Lava-pés serve como uma introdução às narrações da Paixão de Jesus. O que Jesus quer dizer a seus discípulos, realizando este gesto surpreendente? Houve muitas propostas para interpretar o gesto de Jesus, mas, na realidade, o que Jesus realiza, sem excluir as outras nuances, é que o gesto de Lavar os pés pode ter, e de fato tem, um significado principalmente pascal e revela a lógica de sua vida e a que ele indica aos seus discípulos.

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Diálogo entre Jesus e Pedro

Encontramos esta leitura através do diálogo entre Jesus e Pedro. Quando Jesus, que está Lavando os pés dos discípulos, chega no momento de Lavar os pés de Pedro, o primeiro dos Doze, esse tem uma reação que nos surpreende. Ele afirma: “Você jamais me Lavará os pés” (Jo 13,8). Há um firme fechamento de Pedro em direção ao gesto incompreensível do Mestre. Jesus retruca: “Se eu não vos Lavar os pés, não tereis parte comigo” (Jo 13,8) Somente depois destas palavras de Jesus Pedro permite que seus pés sejam Lavados e diz: “Não só seus pés, mas também suas mãos e sua cabeça” (Jo 13,9). Neste ponto encontramos uma frase de Jesus decisiva para a compreensão do texto: “Aquele que toma banho, tem apenas seus pés para Lavar, é completamente puro. E vós sois puros, mas não todos” (Jo 13,10).

Pedro, como quando Jesus anunciou pela primeira vez Sua Paixão nos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), se esforça para compreender completamente, e compreender plenamente a lógica de Jesus. Em seu diálogo com o Mestre durante o ato de Lavar os pés, é revelado o sentido mais verdadeiro e profundo da vida de Jesus.

Somente após a Paixão

Revela-se o verdadeiro e mais profundo significado da vida de Jesus, que seus discípulos devem saber aceitar para poder ter “uma parte com ele”. Os discípulos, que haviam acompanhando o Mestre, visto suas obras e escutado seus ensinamentos, devem dar um passo final para compreender verdadeiramente quem Jesus é para eles e o significado de seu Ministério. O passo que eles precisam dar é aceitar Jesus até o fim, até o presente de sua vida nos acontecimentos da Paixão.

É por isso que Jesus diz a Pedro: “Agora, não entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás”. (Jo 13,7). De fato, só depois dos acontecimentos da Paixão é que os discípulos compreenderão verdadeiramente o significado do gesto de Lavar os pés que Jesus realiza para eles.

A Instituição da Eucaristia

O relato da instituição da Eucaristia é dado na versão de Paulo, na segunda leitura. Este relato nos ajuda a dar mais um passo, em continuidade com o que já dissemos em referência à passagem de João.

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O relato da Ceia na Primeira Carta aos Coríntios tem um tom particular em comparação com as versões sinóticas. Paulo passa a narrativa do jantar, que ele mesmo recebeu, como antídoto contra as divisões da comunidade em Corinto.

Nesta passagem, portanto, emerge muito claramente a relação entre a Eucaristia e a igreja/comunidade. Nós não temos, portanto, somente a crônica do que Jesus fez na Última Ceia com seus discípulos, mas também o sentido do repetição de seus gestos e palavras para os crentes em cada geração. Repetição dos gestos e das palavras de Jesus ao celebrar a Eucaristia, pois para seus discípulos significam anunciar sua morte e assim torná-la frutífera para a vida e comunhão para a vida da Igreja (1 Cor 11,26).

A repetição contida na Quinta-feira Santa

Os três textos que compõem a liturgia da Palavra na Quinta-feira Santa são todos caracterizados por um comando de “repetição”. Na passagem do Êxodo, Moisés afirma: “Este dia será um memorial para vocês… E vocês o celebrarão como um rito eterno” (Ex 12,26).

Na passagem paulina encontramos duas vezes o comando do Senhor: “Fazei isto em memória de mim!” (1 Cor 11, 24- 25). Finalmente, depois de Lavar os pés dos discípulos, Jesus diz: “Eu vos dei um exemplo, para que vós fazer como eu tenho feito” (Jo 13,15). Através da obediência ao mandamento de repetir, os crentes podem experimentar hoje em suas vidas aquela salvação e libertação de Deus que se manifestou na Páscoa. Para os discípulos esta imagem significa que para serem verdadeiros seguidores de Jesus terão de dar um último passo, o de se deixarem lavar seus pés, isto é, aceitar Jesus nos dias de sua paixão. O Lava-pés nos anuncia que, para ser verdadeiros discípulos de Jesus, nós também devemos aceitar que Ele lave nossos pés, isto é, aceitá-lo no momento em que ele dá sua vida por nós na morte da cruz.

Sacramento do Lava-pés

Concluo com uma sugestão e reflexão. No tempo em que eu estudava Teologia Sacramentária no Pontifício Ateneo Santo Anselmo, aqui, em Roma, eu tive uma matéria que se chamava “Sacramentaria Reformada”, isto é, Os Sacramentos nas Igrejas da Reforma (Evangelicas Historicas). Nosso professor era um Pastor Metodista, um Teólogo muito amigo de vários Papas, um homem santo e sábio. Ele até pregou o meu Retiro de entrada no Noviciado, no ano de 2012. Ainda é vivo e se chama Reverendo Paolo Ricca etambém participou como auditor convidado no Concilio Vaticano II.

O professor Dr. Paolo Ricca sempre gostava de dizer que nós católicos e ortodoxos somos muito felizes porque conservamos a “repetição” do Rito do Lava-pés, ao menos uma vez ao ano, na Quinta-feira Santa. Segundo ele, o professor, o “Lava-pés” é também um Sacramento e que poderíamos começar a celebrá-lo em nossas casas, uma vez por semana, após a leitura da Palavra de Deus, depois: a partilha, um momento de perdão e reconciliação em família e, logo após, um Lavaria os pés do outro. Isso transformaria muito o jeito de ser cristão. Que tal pensarmos nessa possibilidade?

Citações:
Primeira Leitura Êxodo 12,1-8.11-14
Segunda Leitura 1Corintios 11,23-26
Evangelho João 13,1-15

Dom Cristiano Sousa OSB Cam Mosteiro da Santa Cruz de Fonte Avellana Itália