Recomeçar

E quando a última palavra de Deus é a eternidade?

Sem medo de errar, posso afirmar, sem dúvidas, que 2022 foi o ano mais difícil da minha vida. Nunca havia enfrentado tantas provações, tantas dores e tantas lutas. Eu sou o Gabriel, mas você também pode me conhecer como o “irmão do Samuel”. Meu irmão é meu exemplo de santidade, de fé e confiança em Deus, mesmo quando tudo parece sem rumo.

No final de 2021, “Samu” começou a sentir desconfortos na barriga e não conseguia se alimentar direito. Após ir ao médico e ter uma piora, ele foi internado na Santa Casa de Cruzeiro, então, entre diagnósticos errados e demoras, fizeram um exame de ultrassom no qual constaram uma grande massa. Fizeram outros exames e afirmaram ser um tumor. Com a notícia, minha mãe olhou nos olhos dele e disse: “Confie, porque a última palavra é de Deus”. Samuel foi transferido para Taubaté para exames mais específicos.

Em Taubaté, em meio aos pacientes de Covid e sem leito disponível, fizeram a tomografia e identificaram, além do grande tumor na região do duodeno, tumores na medula, coluna, ossos e baço. Quando finalmente conseguimos um quarto, minha mãe falou para ele, olhando a vegetação pela janela: “Olha, Samuel, estamos no Céu”, ele virou e falou: “Claro que não, mãe! O Céu é muito mais bonito!”. Após uma semana de pioras e emagrecendo muito, conseguimos uma transferência para o hospital especializado em câncer infantil, em São José dos Campos.

E quando a última palavra de Deus é a eternidade

Créditos: Arquivo pessoal

A resposta de Deus

Enfim, não dá para contar tudo neste texto, mas foram, ao total, sete transferências para a UTI, seis meses direto sem ir para casa, confusão mental, Covid dentro da UTI, hemorragias, muitas dores e nenhuma reclamação. Em todos os sete meses, meu irmão deu testemunho de confiança e fé em Deus. Ele movimentou inúmeras pessoas a orarem por ele, seu testemunho no hospital tocou os profissionais. Em junho, ele retornou para casa, como qualidade de vida dada pelos médicos. E, como um milagre, ele ficou bem; se alimentou por quase 20 dias e, no dia 25 de julho, após seu aniversário de 17 anos (03/07), ele retornou para a Casa do Pai.

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A batalha do luto

A eternidade do meu irmão veio como um soco no estômago repetidas vezes. Lembro-me de estar fazendo o roteiro de uma entrevista da Maria Renata (missionária da Canção Nova) em que ela partilhava sobre a sua experiência de luto, e eu achava tão essencial aquelas palavras, mas falava que não viveria aquilo com o meu irmão. Na hora em que, junto com os meus pais, recebi a notícia do médico, desmaiei. Mas, depois, sob a luz do Espírito Santo, nos acalmamos e fomos nos despedir. Como ele estava sereno, com a face de quem encontrou o Cristo e não teve medo da morte.

Naquele momento, a única coisa que conseguimos fazer foi louvar a Deus e agradecer por termos o privilégio de termos vivido 17 anos com ele. Não houve velório, pois ele testou positivo novamente para Covid, mesmo sem nenhum sintoma. Porém, ele reuniu uma multidão na porta do hospital e no cortejo, testemunhando uma vida doada a Deus, um reencontro à Casa do Pai, e que a vida é breve para não amarmos o Nosso Senhor.

As primeiras semanas após a perda são bem movimentadas, somos gratos porque estivemos sempre amparados de amigos e familiares que deram suporte à dor que ainda estamos sentindo. Com o passar das semanas e com o retorno à rotina, o vazio começa a aumentar. A falta de um toque, do carinho e da voz são como flechas que, silenciosamente, atravessam o nosso coração, no entanto, também me faz querer poder fazer mais pelos meus pais, aliviar a dor que sei que nunca mais vai passar.

Recomece até atingir a eternidade

Porém, ao mesmo tempo, vivenciamos a graça de Deus que nos alcança, porque não deixamos de ver, em nenhum momento, seu amor que nos acompanha. Confesso que a aceitação é uma palavra bem forte para o que vivemos, mas aprendemos a respeitar a vontade de Deus e acolhê-la. Além disso, vivemos, hoje, com a certeza de que precisamos nos esforçar e lutar para que seja possível encontrá-lo um dia no Céu. Sei que de lá, por sinais claros, ele intercede por nós, meu amado irmão Samuel Tobias.

A cada acordar, é um novo recomeço, uma nova decisão de lutar por mim, por ele e pela minha família. Pode ser que recomeçar não seja a palavra mais adequada, porém, posso utilizá-la como sendo todo dia o recomeçar da minha decisão de seguir caminhando até a morada celeste. E, um dia, espero ser digno de adentrá-la.

Gabriel Jorge (irmão do Samuel Tobias) – Colaborador da Criação Multimídia – Sistema Canção Nova de Comunicação