Reflita sobre o silêncio do primeiro Advento
O Advento é a espera de Alguém que sabemos que virá e a quem amamos. Aí estão as três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade, ou, na nossa linguagem diária, a confiança, o abandono e o amor.
O primeiro Advento foi vivido plenamente e no mais profundo silêncio por uma menina, uma jovem aparentemente “comum” para a sua época, que devia ter mais ou menos 14 anos.
Ela vivia em Nazaré, uma pequena aldeia do Norte da Palestina, com uma fonte no centro do povoado rodeado de um campo relativamente fértil, no vale do Esdrelon.
Naquele tempo, quando as meninas completavam doze anos de idade, eram consideradas aptas para serem dadas em casamento pelos pais, que exerciam o poder de escolher-lhes o futuro marido, na maioria das vezes, sem consultá-las a respeito.
Aceito o casamento pelas duas famílias, marcava-se a festa dos “esponsais”, com o pagamento do dote ao pai da futura esposa e selava-se o solene compromisso do casamento, geralmente realizado ao fim de um ano. Tais “esponsais” não podem ser comparados ao noivado dos nossos tempos, pois eram um compromisso definitivo, selado com a honra das famílias e a vida da “noiva”, já que o “noivo” se tornava dono da futura esposa, senhor e proprietário dela e de sua vida.
Transcorrido mais ou menos um ano, a “noiva” era “conduzida”, solenemente, pela família à casa do “noivo” ou a casa onde iriam morar daquele dia em diante.
Caso a “noiva” aparecesse grávida ou fosse constatada “violada” (na linguagem da época, “harufah”), o esposo e senhor poderia lhe dar imediatamente um libelo de divórcio e a família a entregaria para ser apedrejada até a morte, na praça do povoado, sem a menor piedade, “lavando assim a honra” dos envolvidos no ultraje.
Este é o pano de fundo, o cenário da cultura hebraica da época do primeiro Advento, do episódio definitivo da história da nossa salvação.
Vamos refletir juntos
Quando recebeu a visita do Anjo, Maria já era a esposa-prometida de José, com todas as implicações que vimos antes: não era simplesmente noiva, como se diz hoje: já era propriedade dele. E o que faz Maria? Vai falar com seus pais e pedir-Ihes conselhos? Tenta explicar tudo a José? Mas, quem acreditaria nela e no inusitado milagre?
Não: Maria se cala e se abandona nas mãos de seu único Senhor, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó.
Agora, dá para se perceber melhor a extensão da fé heroica de Maria? Abandonando-se a cada dia, Maria mergulha, cada vez mais, fundo no Mistério de Deus e na sua Paz. No Mistério de Deus a se realizar n’Ela: o Filho de Deus gerando-se em seu corpo virginal, pela virtude do Espírito Santo, que a “cobriu com sua sombra” é o mesmo Verbo Eterno, que assume sua carne imaculada e dela se forma, dia a dia, um ser humano perfeito.
Maria corre o risco de vida em silêncio, mas se lança confiante no Senhor “que n’Ela faz maravilhas” e se abisma no Mistério que traz em si. A fé confiante do pobre, atrai o Senhor e, Ele, vela por sua filha, que se tornou a real esposa do Espírito, para ser a Mãe do Filho Unigênito. Novamente o Anjo é enviado à terra, agora para libertar o homem justo -José- da dúvida e do sofrimento em que se encontrava, também, em silêncio, sem nada falar.
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Esclarecido e livre, José organiza, então, a “condução” da esposa prometida ao novo lar e a recebe em casa. Aos olhos de todos os habitantes do lugar, Maria passa a ser a senhora em sua casa e José assume a paternidade social do bebê que vai nascer.
Maria está definitivamente salva e protegida e, Seu Filhinho, também. Desde este dia, José se torna o pai da Igreja, pois, salvou a cabeça do Corpo Místico, que é o Cristo Jesus e sua bendita Mãe.
Todos nós ouvimos esses trechos do Evangelho, ano após ano, mas a distância no tempo são mais de 2000 anos! Na época, com toda a carga de emoção que eles tiveram, faz com que seja difícil meditar nestes acontecimentos.
Podemos passar ligeiramente sobre o heroísmo de Maria, a fé inquebrantável e o confiante abandono com que ela se atirou nos braços do Pai e do cuidado preveniente com que Ele cuidou do Seu projeto salvífico e da confiança e da magnanimidade de José, o colaborador essencial da Salvação.
Reflita diante do presépio
Tendemos a ver o presépio com um olhar açucarado, esquecendo-nos de que, Maria e José creram que Aquele Menino era o Filho de Deus, apesar de todas as aparências e circunstâncias em contrário.
Eles creram em Belém, creram durante a fuga insólita para o Egito, que o Egito pagão e de língua desconhecida, seria o refúgio para o Rei de Abraão, Isaac e Jacó!
Maria e José creram durante os 30 anos da vida “oculta”, aparentemente monótona e obscura em Nazaré, onde nada viram que pudesse servir de apoio à crença para os olhos humanos, de que Aquele rapaz era mesmo o Filho de Deus. Trata-se de fé heroica sem o menor apoio e consolação.
Maria, no Evangelho, fala poucas palavras, mas fala muito pelo exemplo e pela atitude. Não é possível pensarmos no Advento, sem percorrermos, com o coração, o caminho Daquele que veio, que vem e que virá um dia, cheio de glória, no final dos tempos e que virá para cada um de nós, em particular, para chamar-nos à sua Presença.
Neste dia, seremos julgados no Amor e pelo Amor Misericordioso.
A fé não nos será mais necessária, a esperança desaparecerá e, se desde agora passarmos o Advento implorando com o coração, seremos, neste dia, consumidos na fornalha do eterno Amor, que é a Luz e a Vida para sempre. Amém!
Eduardo Rocha Quintella
Fraternidade S.J. Da Cruz – O.C.D.S – Belo Horizonte M.G.