alma mater

Edith universitária: alegrias e decepções

Em 3 de março de 1911, Edith é informada de que havia passado nos exames finais, obtendo uma nota que a dispensava de fazer os exames orais. O ambiente no Gymnasium era de festividades e despedidas. Edith compõe versos para uma peça de teatro, sempre com muita inteligência, ironia e humor. Na revista da escola, onde os alunos do último ano são convidados a publicar um pequeno epigrama, Edith escreve, para espanto de seu colegas:

Igualdade da mulher e do homem,
assim clama a sufragista;
certamente, um desses dias,
cós a veremos como ministra. (EA, p. 217)1.

O temível diretor da escola, por sua vez, escreve um pequeno aforismo sobre a aluna Edith: “Batei na pedra (Stein, em alemão), e tesouros jorrarão” (EA, p. 217).

Em 27 de abril, depois de ter passado algumas semanas com seus parentes em Berlin, Edith se encontra nos corredores da importante Universidade da Breslávia, que, desde 1909, já acolhia em torno de 50.000 estudantes. No ambiente universitário, ela se sente completamente realizada, referindo-se àquela instituição como “Alma mater” – “mãe generosa” –, expressão com que os romanos designavam a pátria (EA, p. 255). Ela dizia que lá se sentia em casa.

Edith universitária: alegrias e decepções

Universidade da Breslávia.

Edith lutava por uma valorização do feminino

Edith não apenas se inscreve no máximo de cursos disponíveis em sua área de escolha, podendo montar a própria grade horária com as disciplinas humanísticas que mais lhe agradavam– germanística e literatura, história, psicologia e filosofia –, como também participa de diversos grupos de caráter reformista, entre eles o Grupo pedagógico, a Associação Universitária Feminina e a Associação prussiana pelo direito do voto das mulheres. Ela também participa ativamente de uma associação de educação popular, que oferece gratuitamente formação para trabalhadores e trabalhadoras, para ensinar ortografia e inglês para iniciantes. Como soube que algumas das estudantes operárias sofriam assédio por parte dos “professores”, pediu para ensinar principalmente moças, com o intuito de poupá-las de tal constrangimento.

Edith era uma pessoa que lutava por aquilo que acreditava, procurando sempre vincular suas ideias e crenças a uma prática concreta. Ela queria ajudar a pensar uma formação mais completa e integral para as mulheres, inclusive ajudando a todas para que tivessem mais condições e liberdade na escolha para poder cursar uma universidade. Todas essas preocupações já faziam parte do que pode ser considerado o “caráter feminista” de Edith, que tem pouca semelhança com o que hoje conhecemos como feminismo – chamado por ela, em suas conferências de 1928 a 1933, de “feminismo radical”.

Já em seus primeiros anos universitários, Edith intuía, pela experiência vivenciada em sua própria casa, da relação de sua mãe com seus filhos e filhas, que havia uma mesma “estrutura geral”, comum aos homens e mulheres, que deveria ser respeitada e valorizada. Ela também percebia que não se podia afirmar uma igualdade total entre eles, pois os homens tendiam a se desenvolver de um certo jeito, e as mulheres de outro. Isso era visto por ela como algo muito positivo, pois era o que tornava a relação entre homens e mulheres mais rica e frutífera. Mas para que essa riqueza pudesse produzir frutos, era importante buscar uma igualdade de condições entre os sexos: era preciso que homens e mulheres usufruíssem dos mesmos direitos sociais e políticos, das mesmas condições formativas, para que ambos pudessem se desenvolver e afirmar a própria singularidade do modo mais pleno possível.

Para aquela nova geração que ingressava nos estudos universitários, especialmente as mulheres, era preciso pensar de que modo a educação poderia promover essa igualdade de condições de desenvolvimento entre homens e mulheres. Esse assunto ainda é muito atual em nossa sociedade contemporânea, e Edith pode nos ajudar a refletir sobre esse tema sem cair nas polarizações comuns: “homens e mulheres são totalmente iguais em tudo” X  “homens e mulheres são totalmente diferentes”.

Edith universitária: alegrias e decepções

Edith Stein

Montando a própria grade curricular

Pelo fato de ter escolhido um curso de “ciências humanísticas” – ciências essas que estavam sendo criadas e desenvolvidas naquela época –, Edith tinha a liberdade de escolher as disciplinas que faria. Isso não aconteceu com a sua irmã Erna, que entrou para o curso de Medicina, onde a grade curricular já era previamente estabelecida.

Apesar da liberdade universitária a que desfrutava lhe agradar muito, a própria Edith assume em seus estudos universitários que para ela foi uma “faca de dois gumes” (EA, p.228). Era difícil, naquela idade e ainda sem saber o que faria como especialização, decidir quais disciplinas cursar. A única obrigação que ela teria no final do curso era a de prestar o “exame de estado”, para poder se tornar docente no Ensino Superior. Esse não era o sonho de Edith, mas ela ainda não sabia bem qual era o sonho, apenas que gostava muito de estudar e tinha um grande interesse pelo conhecimento da natureza humana. Aceitou fazer esse curso, pois intuiu que aí conseguiria discernir qual área do conhecimento aprofundaria para atingir o seu objetivo. Enquanto isso, seguia pensando que faria o exame para agradar a “sua família”. Era mais fácil para eles aceitarem essa escolha do que a de um estudo sistemático da Filosofia, por exemplo, que aparentemente não tinha nenhuma utilidade prática.

Edith seguiu a orientação de uma amiga, comprou o programa do “Exame de Estado” e escolheu, entre as disciplinas que mais lhe agradavam, aquelas que seriam pedidas no exame. São elas: Língua Indo-europeia; Alemão Antigo e Gramática Moderna Alemã; História do Teatro Alemão; História da Prússia na época de Frederico, o Grande; História da Constituição Inglesa; Grego para Iniciantes; Introdução à Psicologia – o curso que mais lhe atraia – e um curso de Filosofia da Natureza (EA, p. 225).

A princípio, Edith pensava em especializar-se na área de Psicologia, que na época era uma ciência que estava surgindo e vinculava-se também à Filosofia. Não havia ainda a figura do psicólogo, como temos hoje, mas a Psicologia estava surgindo como uma ciência dedicada a um estudo mais profundo do ser humano. Edith seguiu por quatro semestres o curso de psicologia com o professor William Stern, filósofo, reafirmando o seu interesse não apenas pelo estudo da pessoa em geral, mas buscando um verdadeiro autoconhecimento.

Leia mais:
.:A vida de Edith Stein escrita por ela mesma
.:A primeira infância de Edith Stein
.:Início da juventude de Edith Stein e suas crises
.:Edith retorna à casa da mãe e aos estudos

Afastamento da família

Edith vivenciava, naquele momento de sua juventude, o desabrochar ainda mais forte do desejo do conhecimento da própria singularidade, ou ainda, do conhecimento do próprio “eu” em sua profundidade. Ela concentrava todas as suas forças vitais para os estudos, juntamente com a participação nos grupos universitários, sem se esquecer do convívio com as amigas e amigos, que lhe foi sempre muito importante. Estava imersa nos seus livros, com todas as suas energias, tornando-se alheia ao mundo de sua infância e à sua família.

Edith reflete, anos depois, em seus escritos autobiográficos, sobre o que estava acontecendo com ela: assim como todo jovem, que nessa etapa de vida já está com o seu corpo adulto formado, as atenções voltam-se para as dimensões: psíquica (desejos, impulsos, afetos, emoções) e espiritual (intelecto e vontade). Por isso, é a idade em que se quer ser o único protagonista das próprias ações, pretendendo ser capaz de dizer o que é bom ou mal para si, sem precisar recorrer ao conselho de outras pessoas, especialmente dos pais e parentes mais velhos. Isso faz com que Edith se afaste, emocionalmente, de sua família, chegando a utilizar sua casa apenas para comer e dormir.

Sua mãe parece entender e deixa que sua filha caçula passe por essa fase, respeitando a sua singularidade. Ele sempre havia incentivado suas filhas e seus filhos a desenvolver os próprios talentos, buscando se formar e trabalhar naquilo em que cada um percebia ter maior aptidão e que lhe proporcionasse uma maior satisfação. Afinal, era isso que ela mesma tinha feito quando, após a morte de seu marido, havia decidido tocar sozinha o comércio de madeiras da família, sabendo-se capaz de trabalhar nessa área, reconhecendo sua a própria aptidão para os negócios.

A senhora Auguste nunca esperou que todas as suas filhas se realizassem como esposas, mães e donas de casa, pois percebia as diferenças entre elas. Desde cedo, reconheceu a vivacidade e a inteligência da pequena Edith e o seu prazer em estudar, dando-lhe condições e permitindo-lhe desenvolver-se da melhor forma possível. Mas o preço que Edith pagou naquele período de seus estudos universitários foi o afastamento da própria família, que ela descreve dessa forma:

“Eu mesma quase não notava o quanto eu me distanciava dos meus e o
quanto eles sentiam isso dolorosamente. Eu vivia inteiramente
mergulhada em meus estudos e nas aspirações que eles tinham feito
nascer em mim. Era só ali, pensava eu, que estava o meu dever; eu não
tinha a consciência de que cometia uma injustiça. O fato de mobilizar
incessantemente todas as minhas energias suscitava o sentimento
embriagador de viver num plano superior, e eu acreditava ser uma
criatura dotada e privilegiada” (EA, p. 267).

Foi nesse afastamento da família que Edith viveu a sua segunda grande crise, experimentada agora na dimensão psíquica – das pulsões e dos afetos. Mas isso será visto em nosso próximo artigo.

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Referências:

1 Edith Stein. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. Trad. Maria do Carmo Wollny e Renato Kirchner. Rev. Juvenal Savian Filho. São Paulo: Paulus, 2018. – Coleção Obras de Edith Stein. Esse texto será referido aqui por: EA (Escritos Autobiográficos).