Gostaria de iniciar este artigo sendo bem direto sobre a função do pai na educação dos filhos: pai não é auxiliar, pai não “ajuda”, pai não complementa a educação oferecida pela mãe. Pai é (ou deveria ser) protagonista na criação e na educação de seus filhos. E esse lugar precisa ser reconquistado pelos homens. Primeiramente, reconsiderando as suas prioridades e o seu papel na família; e em segundo lugar, entendendo a importância da presença masculina paterna na formação do caráter e no desenvolvimento cognitivo de seus filhos.
Pesquisas realizadas, nas últimas décadas, em países como Reino Unido e Estados Unidos, onde existem movimentos importantes de resgate do protagonismo paterno na educação dos filhos, mostram que crianças cuja presença do pai é ativa nas atividades intra e extraescolares apresentam desempenho intelectual e comportamental superior às crianças cujos pais estão ausentes. Pesquisas no campo social também mostram que crianças que têm o pai atuante em casa são menos propensas a delinquência, uso de entorpecentes e gravidez indesejada na adolescência. Todas essas pesquisas consolidam o que vários teóricos da psicologia já diziam há muitos anos atrás: o pai é um fator estruturante da psique humana. Sem essa figura forte e atuante, o sujeito fica com a sua “bússola interior” desajustada, correndo sérios riscos de perder o norte de sua vida.
A educação também é paterna
Sabemos que, por muitos anos, a figura paterna ficou circunscrita à imagem do provedor da família, cabendo à mãe a tarefa de educação das crianças. Não que o pai estivesse totalmente ausente desta função, mas ele ficava em segundo plano, como uma espécie de auxiliar ou mesmo complementar neste processo. Mas nem sempre foi assim! Nas culturas primitivas, o pai era o responsável pela transmissão da tradição, dos costumes e também de ensinar um ofício ao seu filho homem. A partir da Revolução Industrial, os pais foram colocados dentro das fábricas e, posteriormente, dentro dos escritórios, rompendo o modelo de educação pautado na convivência que perdurou por milênios.
O pai na era moderna tornou-se uma espécie de hóspede ou uma “carteira ambulante”. Não à toa, quando no meu consultório pergunto sobre a figura do pai a meus pacientes, em 90% dos casos a primeira resposta é: “ele sempre foi um homem trabalhador”. Obviamente que a figura do pai trabalhador é nobre e digna de ser celebrada, mas a questão é que, quando falamos de educação e protagonismo paterno, essa imagem por si só não se sustenta, porque os filhos precisam de mais. Eles precisam de uma figura afetiva, forte a atuante, um homem de carne e osso ao lado, presente, contando histórias, brincando de luta, rolando no chão, brincando de casinha (por quê não?) com suas filhas ou jogando futebol com os meninos.
A ausência do pai é a ferida do filho
Mas a ausência paterna é, na maioria das vezes, o reflexo de uma cadeia de ausências que os filhos estão levando adiante quando se tornam adultos. Segundo o psicólogo Guy Corneau, os homens têm medo de uma participação mais ativa na vida de seus filhos porque, dentre outras coisas, assumir esta função paterna é tocar nas feridas que eles mesmos – enquanto filhos – carregam de seus pais. O problema é que também os pais de nossos pais estão carregando essas feridas há séculos, e elas estão sendo passadas de geração em geração, numa espécie de “looping” danoso da figura masculina. O silêncio paterno é esta ferida.
Assim como Adão se calou diante do trauma do pecado original que gerou a grande ferida na alma humana, assim também o silêncio dos homens (e sobretudo dos pais) gera uma grande ferida na alma dos filhos. Este silêncio pode ser traduzido quando o homem acredita que a educação, por exemplo, é “coisa da mãe” ou, pior, “coisa da escola”, transferindo para terceiros aquilo que somente ele poderia dar. É esta a ferida que nós, filhos, carregamos de nossos pais e estamos tragicamente fadados a repetir se não quebrarmos o ciclo.
Para quebrar a herança nociva que pesa sobre nós pais, precisamos confrontar nossa história de vida pessoal, tomar consciência dos pesos que carregamos de nossos pais e decidir por uma jornada diferente, a fim de diminuir o peso da geração futura. Neste ponto, concordo com Corneau: “Os novos pais deverão travar uma grande luta para mudar suas mentalidades; trata-se de uma de nossas únicas esperanças de sobrevivência”1.
O pai como educador social
Ao falarmos de protagonismos na educação, pai e mãe possuem funções diferentes nesta tarefa de formar um filho. Culturalmente falando, a educação materna está relacionada ao cuidado, ao afeto e à transmissão do conteúdo lúdico-pedagógico. Basta ver que quase 100% das professoras nas escolas de ensino infantil são mulheres e desempenham o que chamamos de ‘função materna auxiliar’ com as crianças. Já a educação paterna está atrelada ao conceito da ordem, da disciplina, das leis e da moral. Essas duas características de educação correspondem à função psicológica com que o pai e a mãe desempenham na psique humana.
Leia mais:
.:Eduque seus filhos bem alicerçados em valores
.:Qual é a forma correta de educar os filhos?
.:Pais, como educar nossos filhos hoje?
.:A importância da leitura e o contato afetivo com os filhos
Educar para viver em sociedade
Eis aqui a principal vocação do pai na educação do filho: educá-lo para o mundo, para a vida prática da sociedade, para o seu desempenho na sociedade. Isso significa educar o sujeito para a boa convivência social, para a observância das regras, da ética e do respeito mútuo. Não à toa, pesquisas no campo social indicam que uma das principais consequências da ausência paterna em crianças e jovens adolescentes é a dificuldade destes em internalizar o senso de autoridade. Não é o que vemos hoje? Crianças e jovens com uma enorme dificuldade em obedecer e respeitar os professores nas escolas, com níveis elevadíssimos de agressividade e evasão escolar.
Não só isso. No Brasil, um levantamento do Ministério Público de São Paulo de 2016, feito com 1.500 jovens infratores entre 12 a 18 anos, concluiu que 2 de cada 3 destes não tinham o pai dentro de casa. Um levantamento realizado na Fundação Casa de São José do Rio Preto (SP) mostrou que dos 76 menores infratores internados, 77,6% não tiveram a presença do pai. O que vemos nestes meninos? Ao infringir as leis da sociedade, revelam o drama da busca por um pai que lhes dê algum contorno. É como se pedissem: “por favor, me deem um pai! Me deem uma ordem!”.
Para piorar a situação, o Estado (expressão simbólica do “Pai coletivo”), que através de políticas públicas efetivas poderia suprir certa carência paterna nesses jovens, acaba também se fazendo ausente, aumentando ainda mais a angústia latente e, é claro, a nossa população carcerária. A sombra só tende a aumentar se não fizermos alguma coisa pelos pais, para que assumam a sua vocação de educação.
O pai como educador espiritual
Como falamos, a criança nunca esteve fisicamente ligada ao pai como esteve à mãe; logo, se a mãe é a primeira pessoa que a criança ama no plano físico, o pai é a primeira pessoa que a criança ama no plano espiritual. O pai se torna então o representante do mundo espiritual de uma criança, ainda que na cultura moderna sejam nossas mães e avós que acabam nos inserindo no mundo da fé. Mas nem sempre foi assim. Retomo novamente ao exemplo das culturas primitivas para dizer que eram os homens, os ‘pais da tribo’, que introduziam os rapazes na prática da espiritualidade. É preciso que resgatemos também esta vocação paterna para a educação da fé de nossos filhos, porque ela tem muita força não só do ponto de vista espiritual, mas também psicológico.
Como terapeuta, percebo duas coisas interessantes. A primeira é que, quando as pessoas contam a história da educação religiosa que tiveram, é perceptível a diferença de profundidade e comprometimento quando temos a presença do pai como aquele que educou o filho na fé. A segunda coisa é que o contrário também é verdadeiro, ou seja, pais distantes ou autoritários passaram uma imagem deturpada de Deus, como se o “Pai do céu” fosse tão ausente ou carrasco como o pai da terra. Também aqui precisamos de uma educação da educação dos pais. A educação espiritual que um pai deve passar para o seu filho é a de um Deus e Pai amoroso e acolhedor, mas antes ele mesmo deve ser esta imago Dei (imagem de Deus) para seus filhos.
O pai é consciência e palavra
O livro do Gênesis diz que, pela palavra, Deus criou as coisas e ordenou o caos. Vemos, na Sagrada Escritura, sobretudo no Novo Testamento, que todas as manifestações (epifania) de Deus Pai se dá através de uma Palavra, uma voz do céu. No batismo de Jesus no Jordão, ao autor sagrado diz que do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho amado; em ti está o meu pleno agrado”3. Na transfiguração de Jesus no Monte Tabor: “Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, e dela saiu uma voz que dizia: ‘Este é o meu Filho amado em quem me agrado. Ouçam-no!”4.
No prólogo de João, o autor se refere a Cristo como o Logos (Palavra, Verbo) do Pai. Logos é o que dá ordem, é a ação harmônica e transformadora do cosmo. Na psicologia, Jung dizia que o Logos é visto como uma força espiritual de constituição da consciência, e este é um princípio paterno.
Na educação dos filhos, o pai é esta palavra, o representante do Logos. Ele ordena as coisas quando fala, quando rompe o silêncio, quando se coloca ao lado para ensinar e dizer como deve ser feito. A palavra de um pai dá força e segurança para um filho enfrentar o mundo e aprender a se colocar nas situações complexas da vida, tornando-o um adulto com “coluna vertebral”. É por este motivo que se você quiser adultos com estrutura psicológica e cognitiva sadia no futuro, isso precisa ser construído agora com a sua presença efetiva e afetiva na educação dos seus filhos. Cada dia perdido do seu protagonismo na formação dos seus filhos será uma dificuldade a mais para ele se adaptar no futuro.
Referências:
1.Guy Corneau, “Pai ausente, filho carente”, ed. Manole.
2.Papa Francisco, Carta Apostólica “Patris Corde”, 7
3.Marcos 1,11
4.Mateus 17,5