Vomitar-te-ei da minha boca!

“Penso que vocês queiram saber qual é a situação de uma alma morna. Pois bem, uma alma morna ainda não está totalmente morta aos olhos de Deus, porque a Fé, a Esperança e a Caridade que constituem sua vida espiritual ainda não se apagaram por completo.

Mas é uma fé sem zelo, uma esperança sem firmeza, uma caridade sem ardor… Nada move o cristão em estado morno: ele ouve a Palavra de Deus, é verdade; mas se enfadonha muitas vezes. Ouve com fadiga, por hábito, como alguém que já sabe suficientemente a respeito ou que já pratica bastante sua religião…

As orações mais longas o desagradam. Sua mente se ocupa tanto com a ação que acabou de praticar ou com aquela que está para fazer… que sua pobre alma entra como que em agonia. Há vinte anos esta alma faz muitos bons propósitos, mas em nada modifica seus hábitos.

É semelhante a uma pessoa que inveja quem está em cima de um carro de triunfo, mas sequer se digna erguer o pé para subir nele. Não gostaria de renunciar aos bens do céu para os da terra, mas não deseja nem sair deste mundo, nem ir ao céu. Se pudesse passar o seu tempo sem cruzes ou dores, nunca pediria para sair deste mundo.

Se a ouvem dizer que a vida é tão longa e miserável é porque tudo não corre conforme seus desejos. Se o bom Deus manda cruzes ou indigência para obrigá-la de algum modo a se desapegar da vida, ei-la que se atormenta e se angustia, se entrega a lamentos e resmungos e, muitas vezes, a uma espécie de desespero. Parece não querer mais reconhecer que o bom Deus lhe envia estas provações para o seu bem, para desapegá-la da vida e atraí-la a si.

O que ela faz para merecê-las? Pensa… Muitos, mais culpados do que ela não padecem tantos problemas! É verdade que um cristão morno ainda cumpre regularmente seus deveres, pelo menos aparentemente. Todas as manhãs faz suas orações de joelho. Sem dúvida todos os anos freqüenta os sacramentos, por ocasião da Páscoa e até outras vezes. Mas em tudo isso há tanto desprazer, tanta mesquinhez, tanta indiferença, tão pouca mudança no próprio modo de viver, que claramente aparece: ela cumpre seus deveres só por costume… A respeito de suas orações, só Deus sabe como são feitas: ai de mim! Sem preparação.

De manhã não se ocupa com o bom Deus, nem com a salvação de sua alma, mas pensa apenas em trabalhar muito… Uma alma morna não comete pecados graves, se vocês querem saber. Mas uma maledicência, uma mentira, um sentimento de ódio, de aversão, de inveja, tudo isso é normal para ela. Se não lhe devotam todo respeito que julga merecer faz com que o notem, com a desculpa de que se ofende a Deus… Quanto as distrações durante as orações ou a Santa Missa, bem que gostaria de não tê-las.

Mas como para isso teria que lutar um pouco, as tolera com ‘paciência’.

Os dias de jejum reduzem-se quase a nada, seja porque antecipa a hora do almoço, seja porque de manhã toma um café reforçado, equivalente a um jantar, com a desculpa de que não se conquista o céu com fome! Com essas pessoas mornas, tudo o que não é pecado grave, é aceitável… Gostam de praticar o bem, mas não queriam que custasse tanto! Gostariam de ver os pobres e doentes… mas desde que fossem os pobres e os doentes a visitá-los! E mais: quem leva uma vida de alma morna não deixa de fazer obras boas, de freqüentar a Missa e as funções sagradas, mas em tudo se percebe apenas uma fé fraca, lânguida, uma esperança que a mínima provação derruba, um amor por Deus e pelo próximo que não tem fervor, não tem alegria.

Tudo o que faz não está totalmente perdido… mas pouco falta!’

Fonte: misericórdia