Vocações e ordenações

O dia da Ordenação Sacerdotal é, para todos nós sacerdotes, o mais belo de nossa vida, depois do dia de nosso batismo. Neste, ainda recém-nascidos ou em tenra idade, não podíamos, conscientemente, saborear tão grande graça: naquele, temíamos não ser dignos dela. O temíamos Senhor e ainda o tememos, mas o nosso temor é de reverência, é o sentimento da nossa pequena diante da majestade do Senhor, mas confiamos em que ‘Ele possa realizar grandes coisas nos seus menores servos‘.

A vocação é um grande mistério, escondido no amor e na misericórdia de Deus. Uma história longa, marcada pela espera, numa preparação cuidadosa. Os anos de estudo são apenas um pequeno detalhe da complexidade que essa preparação envolve. Ao longo do tempo destinado a exercitar-se nas virtudes e nas provações, conta muito a resposta momento-a-momento mais que os complexos resultados de provas e exames intelectuais. Indispensáveis, porém, para preparar bem o servidor do Evangelho, são os estudos, uma necessidade. Nos dias de hoje, em que a dedicação às artes literárias e aos profundos estudos filosóficos e teológicos é concedida a uma parcela tão pequena de nossa juventude, quem procura responder ao chamado sacerdotal e religioso deve se esmerar em corresponder também ao dom da inteligência que o Senhor lhe concedeu.

Na oração para o Dia Mundial de Orações pelas Vocações deste ano, o Papa João Paulo II assim se expressou: “Manda à tua Igreja, nós te suplicamos, presbíteros santos, que santifiquem o teu povo com os instrumentos da tua graça”. A santidade do presbítero deve ser a maior preocupação dos formadores, nos Seminários.

Desde a recepção dos jovens que, terminado o segundo-grau, procuram as nossas casas de formação para uma preparação adequada em grupos de vivência e, posteriormente, um ano de propedêutico até o momento em que sobem os degraus do altar, para serem ordenados, tudo é mistério. O trabalho dos formadores é moldar os jovens para corresponder, cada vez mais e melhor, à graça à qual foram chamados.

Trazem um recurso de virtude que, na vida comunitária, vai sendo partilhado com os irmãos. O Seminário é um lugar onde o trigo será moído e a uva pisada. Nem todos suportam a necessária disciplina que os prepara para uma vida nova, de Igreja, de doação total. ainda rigorosa. Mesmo a generosidade da partilha muitas vezes faz aflorar de limitações e dificuldades. Os próprios discípulos do Senhor viveram momentos de confrontos e fraquezas, oposições e ciúmes. Animados, porém, pela graça de Deus, essas dificuldades sempre serão transformadas em “trampolim para um amor maior”, como se expressa alguém.

A formação litúrgica é momento forte na vida do seminário. Vivida autenticamente, de modo sempre atualizado à nossa realidade e incentivada, como preparação para a sua aplicação nas comunidades. Descobrem, ao longo do Ano Litúrgico as razões de nossa esperança. De festa em festa, de solenidade em solenidade, o jovem vai se apaixonando por Deus e por seus santos e santas e traduzindo em sua vida os gestos, palavras e os testemunhos de toda uma Igreja Triunfante.

A santificação de que nos fala o Papa é um processo de lenta maturação. Enquanto a árvore vai assimilando a seiva da terra, demonstra, ainda antes dos frutos, belas e perfumadas flores. Assim o jovem que caminha em direção ao altar. Ainda não é fruto maduro, mas já assimila, na árvore da formação, os elementos saudáveis que garantirão a força do seu ministério: suas flores, sua alegria. Mesmo que, em determinados momentos, possa sofrer alguma decepção ou provação a alegria é um bom sinal de sua vocação. O jovem que deseja viver a vida no ministério de Cristo, é feliz. Essa alegria contagia os ambientes que ele freqüenta, a comunidade que o acolhe, as pessoas com quem convive e a quem serve. Para mim, como pastor e mestre, o Seminário é a menina dos olhos. Esse grande número de jovens que buscam responder com alegria ao chamado de Deus, é motivo de grande esperança e de muita gratidão. É preciso acompanhá-los, como dizia São Bento, com “os rigores de um mestre e o pio afeto de um pai”, de modo equilibrado e com muita caridade. É preciso cuidar com amor dessas plantinhas que o Senhor nos confiou para florescer e frutificar nas comunidades de nossa Igreja Particular. Seminário é sementeira, plantio, cultivo. Certamente os bons frutos virão.

A seriedade da formação, a resposta transparente do vocacionado, a oração das comunidades e o apoio das famílias são fundamentais na formação dos nossos futuros padres. Depois, pela vida sacerdotal e a sua dedicação aos irmãos e irmãs, ele mesmo será uma catequese viva do que deve ser o sacerdote na Igreja de Nosso Senhor. Contemplando esses jovens que sobem hoje ao altar para receber a ordenação sacerdotal, tudo isso nos vem à memória e nos comove pela graça de Deus. Com certeza, serão excelentes ministros do altar e servos das comunidades.

Com certeza continuarão recebendo, de todos nós, o apoio de nossas preces. Esses sacerdotes que ordenamos, colaboradores da Graça, dispensadores dos mistérios de Cristo, serão também nossos colaboradores. Ajudam e consolam o bispo em suas necessidades pastorais e espirituais, desde agora. É motivo de grande alegria para nossa Igreja que, possui tão grande número de dedicados sacerdotes, embora ainda sejam poucos.

É preciso ver neles o sinal que realmente são. Já houve quem dissesse: quando vemos um semáforo, prestamos atenção ao sinal que ele anuncia. Ninguém fica reparando se o poste que o sustenta está enferrujado, podre, velho ou descascado: olha-se para o sinal que ele ostenta. Somos limitados, somos como esses postes. Trazemos um sinal que orienta e que é causa de vida e de salvação. Olhemos para o sinal: não para o poste!…

Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro