O Bom Pastor no convívio com as ovelhas

Todos aqueles que estão acostumados a rezar a Liturgia das Horas, conhecem a expressão: “Porque Ele é nosso Deus, e nós somos o povo do seu rebanho, ovelhas nas suas mãos” (Sl 95,7). Esta imagem de um “Deus-Pastor” é muito comum no Antigo Testamento, de modo especial, nos livros sapienciais. Fazendo uma reflexão sobre o êxodo do Egito, os autores sacros viam Deus conduzindo o seu povo para a Terra Prometida, como um pastor conduz seu rebanho, procurando sempre as melhores pastagens, os lugares onde a água é limpa e as ovelhas pudessem repousar.

De particular beleza é o Salmo 23, com um vocabulário rico de referências pastoris. Mesmo a linguagem profética muitas vezes utiliza essa imagem para ressaltar o cuidado de Deus para com o seu povo, outras vezes para chamar à consciência os líderes políticos e religiosos que deveriam ser exemplo de dedicação. Em vez disso… deixam tanto a desejar, No cuidado pelo rebanho.

No Antigo Testamento, o ideal de rei é Davi, tirado do pastoreio para ser colocado no trono de Israel, em meio a um início de monarquia com muitas provações e dificuldades. Ele se tornará protótipo do rei, ideal, aquele que “agradou ao Senhor”, embora não tenha sido tão fiel. Será ainda a medida de todos os reis de Israel, depois da reforma deuteronomista. Porém, a imagem do pastor continuaria sendo um ideal ainda maior.

As expressões mais fortes contra os pastores, nós as encontramos em Ezequiel 34, onde o profeta, em nome de Deus, acusa os pastores do povo de apascentar a si mesmos, retirando do rebanho tudo o que querem para seu conforto: leite, lã, alimentam-se das ovelhas gordas. No cuidado que deveriam dispensar às ovelhas, deixam muito a desejar, porque não restauram o vigor das ovelhas abatidas, nem curam as doentes, nem mesmo tratam a ovelha ferida, ou reconduzem a desgarrada, procuram a que estava perdida. Deus decide ele mesmo pastorear o rebanho e reconduzir o seu rebanho a bom termo. No Novo Testamento, em diversos momentos, Jesus vai assumir essa figura de pastor, chamando-se de Bom.

Essa imagem do pastor, nos tempos do Novo Testamento não era uma figura bem aceita na sociedade. Esta categoria, a dos pastores, era, aliás, desprezada por causa da sua impureza legal e muitos pastores precisavam apascentar porcos e a necessidade de cuidar dos rebanhos durante as vigílias da noite, quando era proibido sair de casa. Será exatamente a esta classe desprezada que o anúncio do nascimento do Messias será dirigido em primeiro lugar. Diante do anúncio do Anjo, eles “correm” até Belém para “ver” o que o Senhor lhes tinha anunciado e “contaram” o que lhes fora dito (Lc 2,16-17).

Assim, quando Jesus se autodenomina Pastor, ele assume aquela condição e se coloca na mesma dimensão véterotestamentária de Deus que conduz seu rebanho. A novidade, apresentada pelo Novo Testamento, é o tipo de relacionamento pastor-ovelha. O evangelista usa o verbo “conhecer”, um dos mais profundos verbos hebraicos para dizer do relacionamento íntimo entre as pessoas, notadamente em contexto matrimonial. Conhecer as ovelhas, como está no texto, chamar pelo nome, ouvir a voz, são atitudes de quem participa da intimidade, compreende a necessidade e encontra segurança.

Muito cedo a Igreja utilizou essa imagem do pastor para indicar a presença de Jesus a cuidar de seu rebanho, conforme testemunham as mais antigas ilustrações nas catacumbas, seja em pinturas ou esculturas. Normalmente, o pastor traz a ovelha nos ombros, como narram as Escrituras, e está sob uma árvore – que indica o paraíso. Trata-se de uma ilustração da vida eterna, onde o Pastor Eterno acolherá a pessoa do fiel.
Com o tempo, essa imagem passará para a Igreja como modelo daqueles que são chamados para servir aos irmãos no ministério episcopal. Na ordenação do bispo, ao receber as insígnias de sua dignidade, é-lhe entregue o báculo, símbolo mais evidente do pastor: “Recebe o báculo, símbolo do serviço pastoral”.

O Bom Pastor, finalmente, será o ideal de todo aquele que se dedica ao serviço do Reino, modelo da dedicação e da exposição da própria vida aos perigos, por causa do rebanho que lhe é confiado. Por isso, o quarto domingo da Páscoa, tradicionalmente é o “domingo do Bom Pastor”, onde a liturgia nos propõe a proclamação do evangelho em que Jesus se declara “O bom pastor”. É, por isso, um dia de oração pelas Vocações Sacerdotais.

Neste dia do Bom Pastor, 21 de abril, o Santo Padre propõe-nos meditar sobre a vocação à santidade. É pela trigésima nona vez que o Papa dirige aos fiéis do mundo inteiro uma mensagem pelo Dia Mundial de Oração pelas Vocações. O convite a uma programação pastoral sob o signo da santidade, apresentado na Carta “Ao iniciar do Novo Milênio” é retomado nesta Mensagem: “É hora de repropor a todos, com convicção, esta ´medida alta´ da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve se orientar nessa direção”.

O Papa pede que os Bispos e os presbíteros sejam testemunhas da santidade do ministério recebido como dom. Ademais, os convida a seguir Jesus Cristo com alegria e entusiasmo, principalmente, na abertura aos outros, no amor à contemplação, na castidade, vivida pelo Reino dos Céus e na generosa dedicação ao próprio ministério.

Na oração conclusiva, cheia de expressões de grande significado e profundidade espiritual, o Papa assim se expressa: “Precisamos de arautos corajosos do Evangelho, de servos generosos da humanidade sofredora. Manda à tua Igreja, nós te suplicamos, presbíteros santos que santifiquem o teu povo com os instrumentos da Tua Graça!”.

Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 19 de abril de 2002