Intimidade Divina:Muitos são os chamados,

Deus meu, ‘há abundância de alegria junto de vós,
e delícias eternas à vossa direita’
(SI 16, 11 )

O cristão começa a entrar com empenho pessoal no caminho da intimidade divina no dia em que, querendo viver plenamente a graça do seu batismo, decide resolutamente sair de si mesmo e de todas as coisas, e se põe com ardor à procura de Deus Vivo e presente nele. Deste passo até a intimidade profunda, que estreitará a Deus a alma pela união total, é a caminhada longa e cansativa! Encaminha-se pouco a pouco ‘para a doce e deliciosa união’ (S. João da Cruz, N II, 16,14), na medida em que, sustentado pela graça, vai o cristão se desprendendo de todas as coisas, vai se libertando das suas imperfeições e chega a renunciar à própria vontade para seguir só a vontade divina, deixando-se influenciar pelo amor a Deus. Faz-se então mais intensa sua intimidade com o Senhor até que, chegado o cristão aos cumes do amor transformante, torna-se contínua e perfeita a intimidade divina: é o divino abraço que o liga ao Criador. Esta é a mais perfeita realização, possível na terra, da promessa de Jesus: ‘Se alguém me ama…meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos morada’ (Jo 14,23).

‘Não havemos de considerar inacreditável – afirma S. João da Cruz – que a uma alma já examinada, provada, purificada no fogo das tribulações, dos trabalhos e de grande variedade de tentações, e achada fiel no amor, seja recusada nesta vida o cumprimento da promessa feita pelo Filho de Deus: se alguém o amasse, a este viria a Santíssima Trindade para estabelecer nele a sua morada. Isto significa para a alma ter o entendimento divinamente ilustrado na sabedoria do Filho, a vontade inebriada de delícias no Espírito Santo, absorvendo-a o Pai, forte e poderosamente, no abismo de sua doçura’ (Chama, 1,15). Nos momentos de mais alta união transformante, a criatura percebe Deus vivo presente e operante nela, percebe seu dulcíssimo abraço paternal que a dirige, percebe o esplendor de sua Sabedoria que a ilumina, percebe a divina chama de seu amor que a penetra toda. Mas ainda quando a percepção da presença e da ação divina não é assim tão forte e beatificante, sabe a criatura que está profundamente unida com Deus, por ele é movida e governada. ‘Sinto que (Jesus) está em mim, a todo instante, e me guia e me inspira tudo o que devo dizer ou fazer’, afirma Sta. Teresa do Menino Jesus (MA 236).Chegou a humilde Santa, também ela, não menos que sua grande matriarca, Teresa de Jesus, à intimidade profunda com Deus que goza a alma no estado de união perfeita com Deus.

Sobretudo, em seus mais altos graus, a intimidade divina é, por si mesma, coisa grandiosa. Todavia, a alma não deseja esta intimidade para seu gozo e, sim, para mais amar seu Deus, para ser-lhe totalmente unida, por ele inteiramente possuída, movida e governada, para servi-Lo sempre melhor e dar-lhe glória em todas as ações. Diz expressamente Sta. Teresa que a finalidade com que o Senhor se comunica às almas e tantas graças lhes concede – inclusive os maiores favores místicos – não é só ‘a consolá-las, e, sim, ‘fortificar-lhes a fraqueza para que saibam imitar (Jesus) no muito padecer’, e conclui com decisão: ‘Eis o fim da oração…Para este fim tende o matrimônio espiritual: produzir obras e mais obras (M VII, 4,4.6). A doçura e o gozo da intimidade com Deus têm por finalidade tornar mais corajosa a criatura no serviço divino, mais generosa dom de si, forte em carregar a cruz.

Enquanto vivemos neste mundo, jamais pode faltar o sofrimento e jamais falta até nos mais elevados estados de união divina que necessita sempre a alma de conformar-se com Jesus crucificado, seguindo-o até a completa imolação para a glória do Pai e salvação dos irmãos. Deve a união com Deus produzir obras. E justamente obras de amor, obras de atividade intensa de puro amor, mediante as quais doa-se a criatura incessantemente a Deus, desejosa de arrastar consigo imensa multidão de outras almas. Assim, da intimidade divina, da união total com o Senhor, do puro amor brota, espontâneo, o mais profundo apostolado. ‘Está a glória (das almas unidas a Deus em matrimônio espiritual) -afirma a ardente Sta. Teresa de Jesus – está em ajudar seu Senhor crucificado, especialmente quando vêem elas até que ponto foi Ele ofendido e quão poucos procuram, de verdade, a honra Dele’ (ibidem, 3,6).

Totalmente esquecida de si, já não pensa a alma em seu gozo, nem em seu padecer! Só pensa em amar e servir a Deus, só pensa em contribuir o máximo possível para sua glória, associando-se à obra redentora de Jesus. Se aspira à união cada vez mais íntima e perfeita com Deus, agora na terra como depois no céu, é para amar com a máxima intensidade e alcançar que o maior número possível de almas chegue a amar o Amor.

Eduardo Rocha Quintella
Fraternidade S. J. da Cruz – O.C.D.S – B.H. – Adorador Noturno da Catedral Nossa Senhora da Boa Viagem – B.H.
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