Cardeal reflete sobre a origem da paz

Segundo o Evangelho de João, que vamos ler na Santa Missa do próximo domingo (Jo 20, 19-31), Jesus ressuscitado dos mortos, aparece aos apóstolos todos juntos, exceto Tomé, na tarde do dia da Ressurreição. Já pela manhã daquele dia, avisados por Maria Madalena sobre a ressurreição e o sepulcro vazio, Pedro e João haviam corrido ao sepulcro e verificado que realmente o sepulcro estava vazio, mas não haviam visto o Mestre ressuscitado.

Agora, no fim da tarde, Jesus lhes aparece a todos juntos. Só faltou Tomé, que terá a graça de ver o Ressuscitado oito dias mais tarde, depois de haver duvidado do que os outros apóstolos lhe contaram sobre a aparição de Jesus. Tomé vendo enfim Jesus diante de si, vivo e com as chagas da cruz, crê e se prostra, dizendo: “Meu Senhor e meu Deus!” E Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste. Felizes os que creram sem terem visto”.

Tanto na primeira aparição aos apóstolos, quanto na aparição depois de oito dias na presença também de Tomé, “estando as portas fechadas”, como ressalta o evangelista, Jesus entrou na sala onde estavam reunidos e os saudou com esta nova saudação, que Jesus não havia usado ainda antes: “A paz esteja convosco” (Jo 29, 21 e 26).

Aquela paz que os anjos anunciaram no dia do nascimento de Jesus, em Belém, cantando: “Paz na terra aos homens que ela ama (ou, segundo outra tradução: ‘aos homens de boa vontade’)” (Lc 2,14), esta paz Jesus, morto e ressuscitado, pode agora oferecer de verdade aos homens. Ele venceu o pai da mentira, o demônio, incentivador de todas as inimizades e discórdias na convivência humana. Ele morreu por amor e assim venceu o ódio, o egoísmo, a prepotência, a busca do domínio sobre os outros, a violência e o desprezo. Ele reconciliou os homens com Deus e entre si. Esta reconciliação se deu nele mesmo, como homem. E ele, tendo-se unido a todos os homens em sua encarnação, abriu, por sua morte e ressurreição, o caminho para todos poderem reconciliar-se com Deus e entre si.

Este é para todos o caminho da paz verdadeira e duradoura: reconciliar-se com Deus e entre si. Deus sempre quis a reconciliação. Sempre quis oferecer o perdão. Enviando seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo mas para salvá-lo, a morte e a ressurreição deste seu Filho único e bem-amado abriram as portas do retorno da humanidade a Deus e assim abriram as portas da reconciliação e da paz.

Em Jesus, Deus reconcilia o homem consigo e com seus irmão. Jesus, como homem, morreu por amor a Deus e aos irmãos. Esta é a reconciliação. Nele, portanto, esta reconciliação está definitivamente estabelecida. Nele o homem está em paz com Deus e com seus irmãos. Então entendemos melhor o que diz São Paulo: “Com efeito, visto que a morte veio por um homem, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Pois, assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida” (1 Cor 15, 21-22).

Jesus é o novo Adão, pois por Ele todos podemos retornar a Deus, que é perdão, misericórdia, amor, vida e ressurreição. Mas, para isso, para podermos usufruir deste dom da reconciliação, devemos abrir livremente nosso coração e acolher na fé Jesus Cristo, morto e ressuscitado, para fazer dele nosso caminho, nossa verdade e nossa vida. Acolhendo a Jesus, por Ele seremos levados a amar nossos irmãos, a nos reconciliar com nossos irmãos, segundo Ele mesmo nos orienta dizendo: “Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Jo 13,34). É sua morte e ressurreição que nos dão a força de nos reconciliar com Deus e com nossos irmãos. Nosso egoísmo sempre vai se opor, mas com a força do Ressuscitado podemos vencer, como Ele venceu.

Hoje, mais do que nunca, quando a violência, o ódio, a injustiça social e os conflitos crescem na sociedade, por todo o mundo, a mensagem de paz de Jesus é fundamental e nós, seus discípulos e discípulas, devemos pregá-la ao mundo por palavras e pelo nosso exemplo.

Dom Cláudio Cardeal Hummes
Arcebispo de São Paulo