O desenvolvimento psíquico da criança é iniciado já no ventre materno, por isso é preciso que os pais lhe transmitam afeto
Sabemos que a gravidez é um acontecimento marcante para a vida conjugal. Diante disso, quando um casal não está maduro – psicologicamente falando – para tal realidade, o que isso pode acarretar no desenvolvimento da criança ainda no ventre materno e após o seu nascimento?
É preciso, primeiro, entender o que significa um casal que ainda não está psicologicamente “maduro”. Podemos ver que, muitas vezes, uma mãe e um pai que não tenham se preparado adequadamente para esse momento de ter um filho, podem rejeitar essa criança. Esses pais podem apresentar reações que funcionam para a criança como se fosse uma rejeição; e isso pode ocorrer já no começo da gravidez, porque, desde o início, a criança já tem uma vida psíquica. Quanto mais a criança se sente rejeitada no ventre materno, tanto mais ela vai sendo afetada na continuidade de sua gestação de forma tranquila. Essa é uma das principais consequências dessa imaturidade.
Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com
Qual o papel da mãe nos primeiros anos de vida da criança?
De início, a mãe é tudo. Ela é o “ambiente” da criança. Acima de tudo, é importante avaliarmos que a criança não tem noção da separação entre ela e a mãe nessa fase. Então, toda a disponibilidade que a mãe tem em atender as necessidades do bebê vai dando à criança essa noção de quem ela é. Esse é um processo gradativo, principalmente no primeiro semestre de vida do bebê. A mãe é o ambiente, o objeto a ser encontrado. É ela quem proporciona o atendimento das necessidades da criança. E, à medida que o bebezinho vivencia a satisfação de suas necessidades, ele vai, inclusive, desenvolvendo uma confiança nesse ambiente.
A mãe é aquela que, de início, supre as necessidades do bebê. Para isso, a natureza é muito sábia, pois prepara a mãe, durante a gestação, para que ela tenha essa adaptação absoluta para atender a necessidade do bebê. Nisso, a natureza demonstra sua soberania, pois prepara essa mãe para esquecer-se de si mesma e devotar-se totalmente ao bebê que ela está gerando. Isso lhe proporciona conhecer seu bebê, descobrir qual é a necessidade dessa criança. Portanto, a mãe é o “mundo inicial” de seu filho.
Como o pai deve agir no processo inicial de desenvolvimento da criança?
É muito interessante observarmos que a criança não tem separação de quem ela é, quem é o mundo, quem é a mãe, quem é o pai. Porque, de início, ela [a criança] é “um”, é somente ela. Com isso, o pai estará diretamente implícito na figura da mãe. Ele tem a importância de ser suporte emocional para mãe, porque, se a mãe se devota inteiramente ao seu bebê, ela necessita também ser sustentada emocionalmente por esse esposo.
O homem precisa ter essa consciência de que é o suporte. O bebê vai perceber que o pai é uma pessoa diferenciada da mãe no fim do seu primeiro ano de vida. Mas o pai está, desde o início, fazendo parte desse ambiente da criança, ele está “unificado” com a mãe exatamente para dar o suporte necessário a ela e, indiretamente, ao bebê.
Quando o bebê completa, aproximadamente, o primeiro ano de vida, percebe que é uma pessoa e que a mãe é outra. E quando ele começa a fazer essa divisão, percebe o pai como a primeira pessoa que ele tem o conhecimento de ser uma pessoa inteira. O bebê vive esse processo de se diferenciar da mãe e também descobrir essa “terceira pessoa”, que é a figura paterna. É uma trindade que vai se formando. O pai tem uma função prioritária na vida do bebê. O esposo é aquele que gera essa mãe, essa mulher que se sente “inteira”, sustentada emocionalmente para enfrentar a etapa tão delicada da gravidez.
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Construção da personalidade da criança
Eu voltaria até mesmo neste início, que é tão precioso e rico. Pense bem: até então, a criança é “pura necessidade”. Ela ainda não tem capacidade de agir para conseguir aquilo de que precisa para atender suas necessidades. Então, ao ter uma mãe que atende sua necessidade, o que a criança experimenta? Ela começa a desenvolver a confiança, que é o “germe da fé”. Ela começa a acreditar que o mundo pode vir ao encontro daquilo que ela necessita. Eu diria que o desenvolvimento dessa confiabilidade é a base da esperança, na qual a sua necessidade será atendida.
Paralelo a esse processo, a criança vai percebendo a mãe como uma pessoa diferente dela. A criança, então, passa a estabelecer uma “troca”, na qual ela se sente realizada naquilo que ela pode oferecer de si mesma. Eu diria que essa é a base da moralidade. A criança tem constantes necessidades. Ela, cada vez mais, “usa” dessa mãe, exige dela. E à medida que a mãe acolhe esse gesto espontâneo de “troca” que o bebê faz, ou seja, esse gesto de carinho do bebê, ela faz com que se inicie, ali, o processo de desenvolvimento da confiança e da capacidade de “dar algo” por parte dela.
A partir do fruto dessa relação de confiança inicial, os pais vão passando seus valores à criança. E a criança percebe que aquilo no qual os pais acreditam diz respeito também a ela. Dessa forma, vai se estabelecendo o conceito de Deus na vida dessa criança e, mais tarde, ela desenvolve uma ideia mais aprimorada do Senhor. Aí começa a base dessa capacidade de a criança ter fé e confiança.
Reflexos da ausência paterna ou materna
Quando você fala dessa “ausência”, quer dizer essa situação de não ter a mãe ou o pai biológico presente, certo? Mas será necessário, de fato – e eu insisto muito neste ponto –, que existam pessoas que ocupem essa função materna e paterna. Numa situação de falecimento, doença ou até mesmo pelas circunstâncias da vida, nas quais há essa ausência materna ou paterna, é necessário que haja pessoas que consigam suprir esse cuidado essencial necessitado pela criança. Avós, tios, padrinhos… Enfim, pessoas que – com equilíbrio e da maneira certa, com limites adequados para cada tempo – cuidem dessa criança. Tudo isso com muito amor!
Estamos acostumados a ver muitos pais adotivos que fornecem um referencial de segurança e carinho, um apoio psicológico – até mais do que muitos pais biológicos –, justamente por causa do amor que eles têm, estes pais estão prontos para fornecer o suporte à criança.
Dra. Telma Maria Jordão Bevilaqua, psicóloga clínica que apresenta importantes aspectos sobre o desenvolvimento psíquico infantil.