Confiança

Esperar em Deus como crianças

Quando Jesus disse que para entrarmos no Reino dos Céus teríamos que ser como crianças, tenho quase certeza de que Ele estava se referindo à confiança irrestrita que elas têm nos pais, mas de modo algum falava da virtude da paciência. Sim, as crianças confiam nos pais, e, até certa idade, de maneira absoluta, mas ao mesmo tempo elas são tão impacientes quanto é possível ser.

Todas as vezes que vou ao supermercado, trago para os meus filhos algo que não é comum consumirmos no dia a dia. Pode ser um chocolate, um doce, um salgadinho de milho, sucrilhos. Eles sabem disso e aguardam ansiosos o meu retorno, pois se lhes digo que vou trazer algo, nem entra na cabeça deles a ideia de que eu poderia frustrar essa expectativa. É a confiança própria das crianças.

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Foto ilustrativa: FG Trade by Getty Images

Assim que passo pela porta de casa, eles correm e começam a revirar as sacolas que eu trouxe, procurando o prêmio. “Calma aí”, eu lhes digo. “Podem voltar para o seu lugar. Deixem-me arrumar tudo”. Elas ficam pulando de tanta empolgação, sem conseguir se conter. Querem porque querem saber o que eu trouxe. É a impaciência também própria das crianças. Esse é apenas um pequeno exemplo, mas no cotidiano não faltam situações que se apliquem à minha filha de nove meses, ao de cinco anos, à de nove anos e mesmo ao de dezesseis. Cada um, de acordo com a sua idade, traz em si as marcas da confiança e da impaciência, mesmo quando já estão mais crescidos. Contudo, o movimento natural da vida e da aquisição da maturidade é que os filhos vão crescendo e percam, com o passar do tempo, aquela confiança inabalável nos pais, ao tempo em que cultivem em si mais paciência para lidar com as dificuldades que vão encontrando em seu caminho.

Seremos sempre como crianças diante de Deus

Podemos olhar para nós mesmos e percebermos que, diante de Deus, seremos sempre como crianças, tendo que lidar com a confiança que temos nele, que é um Pai amoroso, e com a nossa impaciência de filhos amados. É possível que tenhamos trilhado o percurso de primeiro perder, para depois recuperar a confiança em Deus. Nas mais diversas áreas da nossa vida, fomos exercitando a fé, a esperança e o amor, experimentando em situações concretas as palavras de Jesus: “O vosso Pai do céu sabe que tendes necessidade de tudo isso”.

Se confiar em Deus como crianças é um exercício difícil e no qual talvez já tenhamos avançado bastante, não podemos desprezar o desafio que é a espera confiante. Sim, “pedi e recebereis”, disse Jesus, e cremos nisso, mas o Mestre não deixou claro quando  receberíamos. Aqui entra um componente que nos faz voltar a ser criancinhas ansiosas pelo doce que o papai trouxe do supermercado. O Pai do Céu nos deu a certeza de que receberíamos, mas só conseguimos pensar com o nosso tempo, que é o do “aqui e agora”. O relógio de Deus, entretanto, não é assim. Ele não atrasa nem adianta, não demora nem se apressa, porque seus planos são perfeitos e a sua hora é sempre precisa. Fazer essa sintonia entre o nosso relógio, cujo alarme já disparou há tempos, e o de Deus, que sequer tem ponteiros, é doloroso e muitas vezes angustiante, porque paramos na nossa humanidade ferida, limitada.

Esperar é doloroso

“Mas papai, eu quero comer o chocolate agora”. “Só depois do almoço, filho”. Às vezes, o desejo é tão grande que as lágrimas escapam dos olhos diante da frustração da espera, mas com o tempo a criança vai aprendendo que naquela casa existe uma regra, um relógio, um tempo que é diferente do seu e que ele tem somente duas opções: ficar na graça e esperar o tempo dos pais ou desobedecer no oculto e enfrentar as consequências deste ato quando for descoberto (porque os pais sempre descobrem, a criança sabe bem disso). Esperar é doloroso, mas o bem almejado vai chegar na hora que os pais julgarem adequada. É assim numa casa equilibrada e é assim no Reino de Deus. Que desafio tremendo, contudo, crer que a hora adequada é a do Pai e não a minha!

É inevitável que, nessa espera por Deus, passemos por situações que nos deem aquela impressão de que nadamos, nadamos e morremos na praia. Isso pode ocorrer nas mais diversas situações, como aquele casal que tem dificuldade para ter filhos e passa por um longo tratamento, com muitas visitas ao médico, muitos sonhos alimentados e que consegue finalmente engravidar, mas sofre a perda do bebê ainda no início da gestação. Uma família que sonhava em construir a sua casa e sair do aluguel e que esperou anos por isso, até que surgiu uma oportunidade que envolvia uma mudança no trabalho, um aumento na renda que parecia certo. Essa família sonhou, imaginou os filhos correndo pela casa, mas quando tudo parecia resolvido, o aumento não veio, novas despesas surgiram e o projeto da casa ficou para Deus sabe quando.

Uma moça que sonha em se casar, constituir família, ter filhos, um lar para cuidar, mas que vê que o tempo passar, sem que seu José chegue. Um dia, ela encontra um rapaz e começa a cultivar um sentimento por ele e parece haver reciprocidade. Mesmo depois de muito relutar interiormente, ela investe sua vida, sua esperança, seu tempo cada vez mais escasso num namoro, num noivado, apenas para descobrir que o outro tem planos diferentes, talvez outra moça, e ele termina o relacionamento.

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Faça o pedido certo!

Nos três casos, parecia que depois de tanto tempo a espera iria finalmente acabar, mas ficou apenas a tristeza, a dor lancinante e, às vezes, uma revolta, que nos leva a pensar que Deus brinca com nossos sentimentos, como se fosse um sádico. É nessa hora que devemos recorrer ao que nos ensina São Tiago: se não obtemos o que pedimos, é porque talvez estejamos pedindo mal. Não que querer um filho, uma casa para morar ou sonhar com o casamento sejam coisas ruins. Longe disso! São pedidos justos e bons, mas o grande ponto é ter a clareza de qual é o grande pedido que devemos fazer incessantemente a Deus: a salvação da nossa alma.

Diante da imperativa necessidade de que nos salvemos, Deus, em sua bondade infinita, tem seus desígnios, e não é sempre que os compreenderemos. Meu filho de cinco anos pode ser incapaz de entender que antes do almoço não é bom que ele coma o chocolate que eu trouxe, mas quando ele tiver dezesseis, a idade do mais velho, talvez ele compreenda. Se confio em Deus, devo confiar inclusive e principalmente na espera, sabendo que nada que me acontece é aleatório, mas tudo faz parte de um plano que tem por objetivo último a salvação da minha alma.

A confiança precisa ser maior que a impaciência

Dessa maneira, se aquele casal não engravidou agora, não é porque Deus não ouviu as suas preces, mas porque no plano divino eles precisam viver algum processo, quem sabe de conversão ou cura, que envolve a dor de não ter um filho. Talvez o filho venha depois, mas talvez não. Está tudo nas mãos de Deus. “Humilhai-vos diante do Senhor e ele vos exaltará”, complementa São Tiago. Que humilhação e que exaltação são essas? Humilhar-se nada mais é que dizer a Deus incessantemente que tenho sonhos e projetos, mas que eles só são bons, que eu só quero que eles permaneçam se me auxiliam na salvação da minha alma. Disponho-me, portanto, a abrir mão de tudo para receber a exaltação de Deus, que para um cristão não pode ser outra coisa senão habitar o céu, ser salvo.

Não há plano melhor, nem projeto mais aprazível diante do Senhor, mas a batalha é árdua. É imitar Cristo e fazer não a nossa vontade, mas a vontade do Pai, o que implica arrancar, com lágrimas de dor, aquelas lascas de sonhos e vontades que estão incrustadas no nosso coração, vivendo uma agonia similar à que Jesus viveu no Horto das Oliveiras, quando disse que preferiria não beber aquele cálice, mas que antes de tudo, fosse feita a vontade do Pai.

Essa resposta custou a Jesus lágrimas e sangue! Não pode ser diferente conosco, se queremos segui-lo. Há um abismo de distância entre a angústia de uma criança que só vai poder comer o doce depois do almoço e a de uma mãe que sonha em ter um filho ou de uma mulher que sonha com o casamento, isso é bem claro. Mas há também uma distância incomparável entre a recompensa que essa criança receberá se for obediente e a recompensa que receberão os que esperam no Senhor. Perseveremos, pois, na espera, para que mesmo que não entendamos os porquês de Deus, nossa confiança seja maior que a nossa impaciência.

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