Eu cresci em um ambiente muito marcado pelo uso do álcool, e fui me familiarizando com essa realidade, pois havia pessoas muito próximas a mim já na vivência do alcoolismo. O interessante é que, no meu coração de criança, aquela realidade me provocava medo, pavor, pânico, porque era muito complicado para uma criança viver aquilo. Então, dentro do meu coração, foi crescendo o sentimento, o desejo de nunca experimentar aquilo, e isso era muito forte dentro de mim. Porém, muito cedo, com 12, 13 anos, os hormônios começam a brotar dentro de mim, e rapidamente o consumo de álcool começou a fazer parte não apenas daquelas pessoas que viviam comigo, mas da minha vida também.
Com 18 anos, eu recebi um convite. Todo doidão quer ser gente boa com todo mundo; e eu era um desses. O doidão ele é o político, ele não diz ‘não’ pra ninguém, ele é o cara boa praça, ele é o cara até mesmo agradável. Então, um amigo meu chegou e falou: “Vitor, eu tenho um encontro de Igreja pra fazer”, e eu falei com ele: “Claro que eu vou!”, “Estamos juntos!” ,“Está precisando de alguma coisa?”, “Estou lá com você!”, “Qualquer coisa que precisar, estamos aí e tal”. Desliguei o telefone e pensei: não vou porcaria nenhuma. Vou nada! O que eu vou fazer em encontro de Igreja? O Padre usa saia! Coisa estranha… O que eu faria lá?!
Uma semana antes do encontro, meu amigo ligou e disse: “É sexta-feira!”. Perguntei o que teria na sexta-feira, e ele disse que, sexta-feira, seria o encontro. Eu botei a mão no telefone e dei aquela suspirada. Pensei: “Estou no sal. Estou enrolado! Como é que eu falo?”. E até tentei falar “pô não vai rolar e tal”. Mas ele respondeu: “Não, o seu nome já está lá. Já apaguei sua inscrição. Você vai ter que ir”. E eu desliguei aquele telefone completamente desanimado, “P da vida”. Mas, enfim, comecei a ver as possibilidades. Pensei: vai ter muito jovem, muita menininha e tal… Aquelas coisas de adolescente. E cheguei lá, naquele ônibus, e quando eu botei o pé lá perto daquele ônibus, começaram a cantar meu nome, todo mundo me abraçando! E eu pensei: onde eu vim me meter, cara?! E fiquei lá atrás no ônibus pensando: Rapaz, um final de semana inteiro nesse lugar!
O primeiro contato com a misericórdia de Deus
Ao fim daquele encontro, eu estava realmente impactado. No fundo, aquela experiência foi muito interessante. Porém, não o suficiente para que eu mudasse minha história. Não houve em mim uma abertura porque eu estava muito preso. Mas um ponto interessante é que tem aquelas chegadas na igreja, com os familiares, e minha mãe estava lá. Minha mãe chorava muito, e ela me abraçou, nós nos abraçamos e foi um momento muito forte. Chegamos em casa e ela me fez uma pergunta, mas eu não fazia ideia dos desdobramentos daquela pergunta. Ela perguntou se existia aquele tipo de encontro para os pais, e eu não sabia. Minha mãe, afundada no álcool há 20 anos, já tinha tentado se matar três vezes; aquela pergunta causou algo muito estranho dentro de mim, porque veio toda a minha história ali.
O tempo se passou, a minha vida continuou a mesma ou até mesmo pior. Só que o povo de Igreja gosta de doidão. E numa dessas, eu fiquei muito próximo de uma família da Igreja. Então, certa vez, eu estava na casa deles e eles me entregaram uma folha com o número três em cima rodeado de azul; e eu perguntei o que era. Ela explicou que era a ficha de inscrição para sua mãe. Quando eu cheguei dentro da minha casa, eu entreguei para a minha mãe e fui pro meu quarto; lá do meu quarto, eu escutava o grito de choro da minha mãe com o papel na mão. E enquanto ela chorava de lá, eu me pus a chorar também. Ela chorava na cozinha, e eu chorava no meu quarto.
A chance da vida da minha mãe
Eu imagino, hoje, que, ao pegar aquela ficha, ela pegou a última chance da vida dela. As pessoas que estavam naquele encontro dizem que, quando ela chegou, ela disse que, a partir daquele dia, ela não colocaria mais uma gota de álcool na boca. Minha mãe saiu daquela casa de retiro uma mulher completamente transformada. Minha mãe começou a fazer um trabalho lindo de recuperação de jovens com dependência química na minha cidade. E eu, claro, constrangido, envergonhado, porque agora quem precisava de um resgate era eu, e eu não conseguia.
Porém, uma vez, eu estava numa festa de bairro muito comum em cidades do interior, e esse mesmo amigo que me ligou há três anos falou: “Vitor, daqui a duas semanas vai ter outro encontro. Vamos!”. Ali, eu comecei a chorar com um copo de uísque na mão, e pedi para ele dar a chance para outra pessoa. Eu o questionei: “Quantas vezes você me fez esse convite? Quantas vezes você me colocou dentro daquela casa de retiro, e não deu em nada!”. Ele me pediu uma última chance. Fui para aquela casa de retiro muito frustrado comigo mesmo, porque quantas vezes eu realmente tentei, eu quis.
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Deus me resgatou por meio da minha mãe
Então, andando por aquela casa, um jovem veio e me convidou para uma palestra. Eu falei que não queria ir. E ele me perguntou por que eu não iria. Eu disse que estava cansado de escutar essa história de que eu fumava, não fumo mais. De que eu cheirava, eu não cheiro mais. De que eu bebia, e não bebo mais; e eu via muita gente sendo transformada, e eu não conseguia sair. Mas ele insistiu. Eu sentei lá atrás na sala de palestra e a condução começou; de repente, entrou uma mulher um pouco mais baixa que eu, com um semblante mais lindo do mundo. A minha mãe entrou naquela sala de palestra. Apesar de ter 45 minutos para falar, ela falou apenas cinco minutos, o que foi o suficiente para minha mãe me dar a vida pela segunda vez.
Trecho retirado de: PHN – Participação: Vitor Leal (27/10/2020) – Vitor Leal