Vamos refletir sobre a fase mística da vida espiritual
Nestes últimos artigos da série “Caminho Espiritual e as Moradas”, ingressamos na fase mística da vida espiritual. Mas como a definir suficientemente? Recorremos, aqui, a um dos grandes estudiosos do caminho espiritual baseado nas moradas de Santa Teresa, o beato Maria-Eugênio do Menino Jesus. Ele lembra que, na primeira fase, que compreende as três primeiras moradas, Deus, enquanto fornece à alma o auxílio geral da graça, deixa ao homem a direção e a iniciativa em sua vida espiritual. Na segunda fase, que agora estudamos e se inicia nas quartas moradas e vai até as sétimas, Deus intervém progressivamente na vida da alma por meio de um auxílio chamado de “particular”, que se torna cada vez mais poderoso. Esse auxílio, profundamente desejado pelo cristão, retira a iniciativa da alma, produz na mesma submissão e abandono até que, tendo estabelecido finalmente o reino perfeito de Deus, a faz plenamente movida pelo Espírito de Deus.
As quintas moradas, portanto, não apresentam um rompimento com as quartas moradas, sendo distinguidas por um aprofundamento de determinadas características visíveis, principalmente na oração. Introduzindo a alma no recolhimento, quietude e secura contemplativa, vai a acostumando a suportar, em perfeita paz, o mistério obscuro e, muitas vezes, doloroso.
Quintas Moradas
No Castelo Interior, Santa Teresa alerta que se sente incapaz de descrever o que acontece a partir das quintas moradas. No entanto, suas impressões, unidas às de São João da Cruz e de outros santos, ajudam-nos a entender o que se passa nessas moradas.
A oração de recolhimento infuso acostumou a alma a estar disponível para a oração diante de Deus. Como retratado no artigo anterior, Deus começa atuando na vontade para fazer a alma ter capacidade real de se recolher em oração. No final das quartas moradas, como uma transição para as quintas moradas, aparece a oração de quietude. Neste sexto grau de oração, a vontade se torna mais submissa a Deus, não desejando nada mais do que estar permanentemente em Sua presença. À medida que as quintas moradas se estabelecem, também a razão e a imaginação conseguem se manter unidas a Deus com mínimas quebras ou divagações.
As quintas moradas trazem, portanto, o sétimo grau de oração: oração de simples união. Nesta oração, todas as faculdades conseguem se unir na presença de Deus em intimidade, sem quebras nem resistência. Raramente, a imaginação provoca distração neste grau de oração. Segundo Santa Teresa, Deus fixa a si mesmo no interior da alma, de modo que, quando esta deixa a oração, não tem a mínima dúvida de que esteve em Deus e de que Deus esteve nela (Castelo 5M,2).
União
Este novo nível de contemplação pode se desmembrar em dois tipos de união. A união sensível, onde a vontade se mantém presa a Deus, enquanto o entendimento se aplica a qualquer obra exterior. Esse modo de união pode ser comparado à união de Marta e Maria, amigas do Senhor em Bethânia. Embora o coração esteja unido em contemplação, usufruindo da presença sensível de Deus, o entendimento se desgarra dessa união sem, no entanto, quebrá-la. A razão se aplica, então, em executar as obras de Deus no mundo. É devido a esse tipo de união que Santa Teresa diz: nestas moradas, cresce o desejo de comunicar aos outros as coisas de Deus. O Beato Maria-Eugênio, em sua obra ‘Quero ver a Deus’, situa as quintas moradas como o local onde a alma finalmente poderá se encontrar com o desígnio eterno de Deus. Este desígnio, que é o Cristo total ou a Igreja, acontece na história e envolve cada alma em particular.
Desse modo, podemos entender que a alma encontrou tal união que está pronta para ser instrumento fiel de Deus no mundo. Começam, portanto, nas quintas moradas, as grandes obras de apostolado e a intervenção do santo, que está sendo plasmado por Deus no mundo. Mantendo sua fidelidade, os cristãos das quintas moradas são, pouco a pouco, encaminhados por Deus para grandes obras externas, enquanto, paralelamente, aprofundam-se internamente numa aproximação de Deus.
Se o Beato Maria-Eugênio relaciona essas moradas à obediência e ao amor, é porque Santa Teresa lembra que é o momento de se aplicar fortemente ao amor ao próximo, utilizando-se de nossa vontade para fazer a vontade dos outros. Esquecendo, assim, o nosso bem pelo dos outros. Além disso, unir o máximo possível nossa vontade à vontade de Deus, abandonando o amor próprio e se aplicando à oração e penitência.
Leia mais:
.: Confira outros artigos da série “Caminho Espiritual e a Moradas”
.: Como dica também confira a série “Virtudes Morais e Cardeais”
.: Quais são as metas? O que trazemos no coração que precisamos curar?
.: Os dons do Espírito Santo tem o poder de nos santificar
Presença de Maria
Se, até aqui, existiam dúvidas sobre a presença real de Deus na alma, são nas quintas moradas que Deus se fixa de tal maneira que não pode haver dúvida nem esquecimento.
O outro modo de união que pode ocorrer durante a oração de simples união nas quintas moradas é conhecida como união extática ou êxtase. Devido à intensa presença de Deus e, por vezes, à falta de preparo das faculdades sensíveis, estas entram em colapso e desfalecem. Enquanto o corpo exterior permanece como morto, e às vezes esfria sensivelmente, interiormente a presença de Deus pode ser saborosa, causando derretimentos ou abrasamentos de amor, ou extremamente dolorosa, causando imensa repulsa e sofrimento ao tomar conhecimento de como Deus é ofendido. Esse êxtase doloroso pode se traduzir em estigmas, como ocorreu com São Padre Pio ou São Francisco de Assis. Nesses casos, podem ser sinais de passagens para as sextas ou sétimas moradas. Assim, via de regra, a união extática ocorre a partir das quintas moradas, mas não se limitam a estas.
Essas formas de união, ainda longe de serem a união total das sétimas moradas, são comparadas ao momento em que a esposa dos Cânticos é introduzida na adega e toma posse do vinho saboroso da caridade (Ct 2, 4). Essa “introdução” é um paralelo ao que Santa Teresa anuncia desde o início do Castelo Interior: a vida espiritual é um aprofundar-se contínuo em si mesmo e em Deus, que habita no mais íntimo do nosso ser.
Pode-se também relacionar às quintas moradas a experiência de ser gestado ou incubado. Santa Teresa compara essas moradas com a experiência do bicho da seda que, recolhendo-se num casulo, quando finalmente sai, está totalmente transformado. De fato, a ação de Deus nas quintas moradas é tão incompreensível quanto profunda e, embora, às vezes, perceba-se sua ação, não se entende onde ela se aplica, pois, agora, trabalha longe do mundo sensível que conhecemos do entendimento, da memória e da vontade. Ao fazer as potências sensíveis dóceis, passa a atuar diretamente no espírito, gerando, por vezes, a tão famosa quanto incompreendida “noite escura da alma”. Sobre essa purificação intensa, interna e totalmente passiva, trataremos no próximo artigo.
É próprio também das quintas moradas uma ligação ativa e profunda com Maria Santíssima. Se a Mãe de Deus deseja, continuamente, levar-nos até Cristo, segundo o padre Garrigou-Lagrange, é a união da esposa de Deus com o Espírito Santo, nas quintas moradas, que poderá gerar Cristo em nós. Lembra-se de que usamos a expressão “gestado”? Por dedução, podemos compreender que, se a união das sextas moradas é chamada de desposório espiritual, quanto Cristo promete o matrimônio espiritual para a alma, ele só poderá desposar alguém digno d’Ele, completamente conformado a Ele mesmo. Em outras palavras, só seremos verdadeiramente “outros Cristos” se o Espírito Santo agir através de Maria para formá-lo em nós. Essa união conformativa se dá nas quintas moradas do castelo interior.
Para chegar à união das sextas moradas, a alma ainda precisa ser temperada na forja do amor e no gelo da penitência. No próximo artigo, veremos como a purificação passiva da noite escura da alma finalmente acontece no final das quintas moradas.