ligado a Cristo

Padre Pio: o Narrador da Divina Misericórdia

Parece um atributo estranho, mas São Pio de Pietrelcina, o frade Capuchinho, não foi simplesmente um “narrador” daquilo que o Deus da Misericórdia operava na vida de tantas pessoas que a ele se apresentavam no Sacramento da Reconciliação, ou seja, de outra forma.

Para compreender bem como o Padre Pio foi narrador e mediador da Misericórdia Divina, não podemos ignorar duas bases teológicas e espirituais sumamente decisivas: Jesus Cristo e a Igreja. Padre Pio está intimamente ligado a Cristo, o Crucificado, o Ressuscitado, fiel e amorosamente unido à Igreja, a comunidade dos discípulos de Jesus.

As bases teológicas e espirituais de Padre Pio

Se não se entra nesta circularidade cognitiva fundada no amor, não é possível captar nas autênticas testemunhas de Cristo a passagem de Deus, ou seja, aquele “quid” que torna a sua diaconia relevante para enfrentar os problemas do presente. Estamos claramente na presença de um tipo de operação teológica, isto é, um elemento fundamental da experiência de Fé na qual os acontecimentos histórico-biográficos se tornam o lugar da manifestação desta fenomenologia do Espírito.

Créditos: Arquivo CN

No humilde frade, que após presidir a Celebração Eucarística pela manhã, ao romper da aurora, passa muitas horas do dia escutando confissões e depois rezando, e que, mesmo à noite, quando a saúde lhe permite, escreve longas cartas para a orientação espiritual das almas que lhe foram confiadas, não podemos deixar de vislumbrar uma participação na Obra da Redenção Divina.

Há, de fato, uma Misericórdia celestial que, por meio do depoimento de autênticas testemunhas de Cristo, espera vir como um bálsamo sobre a humanidade ferida. Mas ela sempre surge neles quando se percebem como objeto de grande amor e predileção divinos.

Ele perdoa e é capaz de perdoar aqueles que, por sua vez, se sentiram amados e perdoados. Aquele que tocou a Misericórdia de Deus com sua própria mão e passou pelo tempo do sofrimento, daquela santa tribulação que, como um cadinho, purifica o homem e a mulher de fé. Nessa perspectiva, como lembrou o teólogo Von Balthasar, “os santos são contemporâneos do Evangelho”.

O pecado é a causa da verdadeira morte do homem

A diaconia do Padre Pio, vivida entre o Altar e o Confessionário, é para nós uma mensagem de grande importância, e que precisa ser considerada com urgência. Para ele, a reconstrução do homem passa pela cura de suas feridas, e para isso devemos partir do interior, da sua alma, de seu coração, removendo aquilo que pode causar sua verdadeira morte: o pecado. Lembremos que Jesus, quando Lhe trouxeram um paralítico em uma maca, antes de curá-lo, para grande surpresa do povo, perdoou-lhe os pecados, dizendo: “Os teus pecados te são perdoados” (Mc 2,1-11). Isso significa que o verdadeiro mal que pode destruir o homem é o pecado, e este, uma vez removido, abre o caminho para a cura. Quando isso acontece, manifesta-se com um sinal que antecipa os efeitos da ressurreição de Cristo.

E na época do Padre Pio, nos anos de sua chegada ao pequeno mosteiro capuchinho, havia uma humanidade ferida e perturbada pela Primeira Guerra Mundial. Carente de referências espirituais, órfã de tantos pais. E, portanto, fraca, propensa a se submeter ao fascínio da sedução mística e delirante encarnada na loucura das ditaduras do século XX. É significativo que, diante de tanta raiva, a época da ira, haja uma resposta divina toda centrada na misericórdia da Irmã Faustina Kowalska ao Padre Pio. O humilde frade, tomando Jesus como modelo, gostava de escrever e repetir: “A ira é vencida pela mansidão”.

A conversão verdadeira e sincera

Essas primeiras coordenadas nos sugerem que há uma luta, uma batalha a ser travada, mas não nas trincheiras espalhadas pela terra, mas no coração do homem. Essa perspectiva de combate espiritual nos ajuda a ler a severidade do confessor Padre Pio. Em vez de ser um obstáculo ao fluxo da providência divina, ela favoreceu a conversão verdadeira e sincera. Naquele confessionário, o diálogo entre o próprio Deus e seu povo marca a história da salvação.

A escuta amorosa e misericordiosa de Deus

Papa Francisco escreveu admiravelmente, na Evangelii Gaudium, que o “sacerdote, na homilia, continua o diálogo entre Deus e seu povo”. Sob essa luz, parece-nos que o sacerdote, no confessionário, também retoma o mesmo diálogo, mas à maneira dos profetas, ou seja, apresentando, no encontro com o penitente, a escuta amorosa e misericordiosa de Deus, entrelaçada com a pedagogia do julgamento e da consolação. Uma práxis que lembra o modo como a Escritura nos apresenta a ação de Deus, que parece quase entrar em “litígio” com seu povo.

Os estudiosos descreveram essa tendência com o gênero literário “rîb”, ou seja, Deus inicial e aparentemente parece recusar o perdão dos pecados de Seu povo, abrindo-se para a riqueza do perdão após um determinado tempo. Essa experiência, narrada pelos profetas, parece ser comum à maneira como São Pio acolhia e, às vezes, rejeitava o pecador.

Acolher o pecador e mostrá-lo a verdade sobre si mesmo

Jesus, em várias páginas dos Evangelhos, acolhe os pecadores, mas os confronta com a verdade sobre si mesmos e, justamente porque a misericórdia não significa cumplicidade, mas convida o homem a reler a própria existência com os olhos de uma fé renovada n’Ele, o único capaz de fazer surgir a novidade da vida. O horizonte final nunca é o abandono, mas o perdão.

São Francisco também disse que “onde há misericórdia e discrição não há supérfluo nem dureza” (Escritos de São Francisco, FF 177). Portanto, mesmo quando o Padre Pio afastou os penitentes de seu confessionário, isso serviu para completar a ação da graça divina que havia inspirado neles o desejo de Deus. Porém, ainda faltava aquela conversão que sempre se experimenta quando se depara com a própria pobreza e limitação. Pois Deus, por meio de humilhações e fracassos, completa no crente a obra de esvaziamento de si mesmo para dar espaço à sua graça.

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Um legado para os Grupos de Oração

Juntamente com o perdão sacramental, Padre Pio desejava ao seus filhos a perseverança na oração. Sem dúvidas, Padre Pio era sumamente convicto dessa estrutura antropológica, da qual era urgente restaurar. Para isso, precisava “reconstruir” o homem e a humanidade, era necessário recomeçar a partir da oração, portanto, da dimensão espiritual. Outra pista que nos permite entender como a verdadeira luta ocorre novamente no coração do homem.

Aqui a oração de tantos, a oração dos “Grupos de Oração”, desejada pelo Padre Pio, torna-se como uma aliança que prepara o campo no qual a Misericórdia Divina pode ser aceita e dar frutos. Isso é particularmente evidente na oração de intercessão, que é típica de nossos Grupos até hoje.

É importante dizer que, no Mistério da Graça, a oração tem sempre dimensão coletiva e não isolada ou individualista e egocentrada. Portanto, quando Padre Pio insiste nos “Grupos de Oração”, ele está propondo a “restauração do homem” que só pode se dar por completo quando vive plenamente em relacionamentos saudáveis nos seus respectivos níveis. Não existe e não existirá Fé sem Oração, e não existirá Oração sem vida comunitária.

A oração à Misericórdia Divina

De fato, com suas orações, eles fortalecem a Obra da Graça, que, por si só, continua a fortalecer os corações, provocando as consciências para uma decisão por Deus à conversão. As orações de Santa Mônica desempenharam um papel semelhante na conversão de Santo Agostinho. Assim, também hoje, as muitas orações acompanham a recepção da misericórdia divina.

A Misericórdia Divina, combinada com a oração fervorosa dos grupos espalhados pelo mundo, também se expressa no cuidado amoroso e no alívio do sofrimento humano praticados naquela cidade que o santo estigmatizado queria. Uma misericórdia compassiva para um povo hospitalizado em que a patologia vivida pelo corpo nunca é separada do sofrimento vivido pela alma.

A Casa do Alívio, uma obra a serviço da misericórdia

Ao entrar na “Casa do Alívio”, a partir da “Viale Capuchinos”, depois de subir os muitos degraus do lado de fora do hospital e, em seguida, entrar pela porta principal, no primeiro lance de escada nos deparamos com uma estátua do Padre Pio confessando um penitente. Um sinal de cura da alma e uma luta contra o mal, que deve acompanhar a cura do corpo. Uma antropologia integral para um modelo de saúde que engloba o homem inteiro, e não é por acaso que se chama “alívio do sofrimento”.

A Casa do Alívio, portanto, como uma Obra a serviço da Misericórdia Divina, no pensamento do Padre Pio, é um ponto de encontro entre ciência e sabedoria, caridade e serviço ao próximo. É a evidência de que o homem se completa e se realiza por inteiro, no corpo e na alma.
Ao celebrarmos hoje a memória litúrgica de São Pio, somos solicitados a visitar nossa história e fazê-la não sozinhos, mas acompanhados daquele que é a Misericórdia do Pai, Jesus.

Ser como Padre Pio!

Quantos de nós ainda estamos estacionados em pontos de nossas histórias pessoais e não percebemos. Mas estes “estacionamentos” de nossas histórias, produzem os piores sentimentos de angústia. Se não forem sanados, se manifestarão em tantas formas de doenças e até muito pior, podem se tornar um estilo de vida doentia. Por isso é importante ter coragem de ir em cada “estacionamento” de nossas vidas e permitir que, nosso companheiro de viagem – Jesus – possa pronunciar sua Palavra Libertadora: “Teus pecados estão perdoados”.

Assim podemos ser como Padre Pio: “Narradores da Misericórdia”! Narramos em primeira pessoa, uma história nova escrita com a caneta da Reconciliação e do Perdão. Permitimos e testemunhamos que Ele mesmo operou sua Misericórdia em nós a partir de nossas almas.

Que Padre Pio nos ajude a ser como ele, “Narradores da Misericórdia”.

Equipe Formação Portal Canção Nova

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