Interesse pela natureza humana
Edith Stein interessa-se desde jovem pelo estudo da natureza humana e procura analisá-la em primeira pessoa, partindo de suas próprias vivências. Procura na psicologia, que no seu tempo estava se organizando como ciência, uma resposta aos seus profundos questionamentos. Todavia, percebe que essa não lhe fornece os elementos necessários para a análise que desejava desenvolver, pois ela utilizava o método empregado nas ciências naturais, tais como a fisiologia, a biologia, a zoologia, buscando compreender a psique humana. Fazendo isso, a considerava apenas como uma psique animal, fundada na corporeidade e reagindo aos estímulos externos e internos de modo instintivo. A vida interior pautada em atos da vontade e pensamentos livres era desconsiderada. O ser humano era visto apenas como um produto de sua genética e do meio em que estava inserido.
No final do ano letivo de 1912, Edith já havia cursado quatro semestres na Universalidade da Breslávia e estava decepcionada com o que havia estudado, principalmente na disciplina de psicologia, onde pretendia fazer sua tese doutoral. Edith havia sido criada por sua mãe e irmãos para ser uma pessoa capaz de atos livres e responsáveis, e a pensar a natureza humana como simplesmente reativa não lhe era possível, pois estava em desacordo com o que ela experimentava de sua própria natureza, assim como a das pessoas que a cercavam.
“Todos os meus estudos em Psicologia me tinham convencido apenas de que essa ciência ainda estava em seus primeiros balbucios: faltava-lhe o fundamento indispensável e conceitos de base clarificados, e ela própria não estava em condições de forjar para si tais conceitos”¹ (EA, p. 277).
Interessante percebermos que, em primeiro lugar, esse mesmo desconforto que Edith Stein teve com a psicologia foi o que lhe abriu os olhos para conhecer a fenomenologia e, depois, quando compreende de modo bem fundamentado que o ser humano em sua integralidade é uma pessoa livre, abre-se para o estudo dos autores cristãos, que a leva a um encontro pessoal com a pessoa de Cristo. Conhecer esse percurso da Edith pode nos ajudar a dialogar com tantos jovens que se dizem agnósticos ou ateus, por não conhecer em profundidade a religião cristã e o conceito de ser humano por ela pressuposto.
Uma nova crise leva Edith à Fenomenologia
Edith, ao mesmo tempo em que tinha contato com a concepção pobre de ser humano da psicologia, conhecia uma dimensão mias profunda da alma humana, relatada nos livros de literatura que lia, especialmente em Tolstoi, Dostoievski e Goethe.
Um de seus amigos, Georg Moskiewicz, um colega mais velho, estava indo estudar com Edmund Husserl, em Gotinga. Nas universidades públicas da Alemanha era possível começar os estudos em uma universidade e terminar em outra, desde que fosse aceito por um professor da universidade em que iria cursar. Mos, como elas chamava o seu amigo, lhe falou desse grande matemático e filósofo Edmund Husserl, indicando a leitura de suas Investigações Lógicas, escrito em dois tomos, publicados em 1900 e 1901. Nesse livro, Husserl falava de um novo método para estudar o ser humano em sua capacidade de conhecer as coisas e as pessoas, ou seja, o mundo externo a si, de modo objetivo e verdadeiro.
Husserl, matemático de formação, havia partido de uma investigação do conceito de número, um tema da filosofia da matemática, mas que também dizia respeito à psicologia, visto ser uma característica de todo ser humano, não encontrada nos animais. Ele investiga esse ato unificador e percebe que o seu fundamento não é nem lógico e nem psicológico, combatendo assim o logicismo e o psicologismo como capazes de fundamentar o que existe de específico no ser humano².
Edith é poupada de aprofundar-se em suas crises
No final do segundo tomo das Investigações Lógicas, Husserl diz que é necessário investigar na estrutura da pessoa humana o que a torna capaz desse ato unificador, fundamento não só da matemática, mas de todo conhecimento que se quer preciso e universal, ou seja, científico. Sugere um novo método para se compreender como a especificidade do ser humano, o seu sentido, a sua essência³. A intuição de que existia uma estrutura comum a todo ser humano, independentemente de sua origem, condição social, influências do meio etc., havia levado Husserl a deixar os estudos de matemática para dedicar-se aos estudos de psicologia com Franz Brentano, em 1884 e 1885, e seguir investigando por meio da filosofia, assim como a sua conversão, do judaísmo ao cristianismo, ocorrida em 18864.
Pode-se dizer, então, que as crises de Edmund Husserl vão poupar Edith de aprofundar a sua própria crise. Ela passa as suas férias na biblioteca da universidade lendo os dois tomos do primeiro volume das Investigações Lógicas de Husserl, indo em casa apenas para comer e dormir. Nessas leituras, ela intui que ali encontraria os fundamentos que buscava e decide procurar Husserl para pedir se poderia seguir seus cursos na Universidade de Gotinga. Sua mãe aprova e se dispõe a sustentá-la, juntamente com a sua amiga que cursava matemática Rose Guttmann, do “trevo de quatro folhas”. Edith disse para mãe e os irmãos que provavelmente ficaria em Gotinga apenas por um semestre, mas eles não acreditaram, pois sabiam que quando ela tomava uma decisão, ela ia até o fim.
Aspectos importantes dessa fase da vida de Edith Stein
Edith não se deixa levar por teorias que ofereçam uma compreensão reduzida do ser humano, mas parte sempre de seu autoconhecimento. Quando percebe uma limitação, nãos e deixa abater, mas a toma como um impulso para seguir para frente e tentar superá-la. Ela segue o exemplo de sua mãe, que a ensinou a perseguir os próprios sonhos sem abandoná-los.
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Edith reconhece também suas qualidades e potencialidades. Percebe com um grande futuro pela frente, desde que consiga desenvolver essas suas potencialidades sem esmorecer, com coragem e determinação. Preocupada em formar sua própria concepção de mundo, ela só acredita no que percebe como verdadeiro e bem fundamentado. Aplica esse mesmo raciocínio para obter uma maior compreensão do que é o ser humano. Encontra na fenomenologia de Edmund Husserl preocupações semelhantes às suas e vai, sem medo, em busca de um contato com esse grande filósofo de seu tempo.
Referências:
2 Para um maior conhecimento do percurso histórico pessoal e da fenomenologia de Edmund Husserl, aconselho a leitura do livro de Tommy AKIRA GOTO: Introdução à psicologia fenomenológica – a nova psicologia de Edmund Husserl. São Paulo: Ed. Paulus, 2015.
3 Um conhecimento introdutório do que é a fenomenologia pode ser encontrado no livro de Angela ALES BELLO: Introdução à fenomenologia. Trad. Ir. Jacinta Turolo Garcia e Miguel Mahfoud. Revisão de Tommy Akira Goto. Belo Horizonte: Spes Editora, 2017.
4 Em nosso curso Introdução à Fenomenologia de Husserl e Edith Stein apresentamos como essa corrente filosófica aproximou diversos estudiosos da religião cristã, em meio a uma época de crise e ateísmo. Conhecer esses autores pode nos servir como ânimo, estímulo e exemplo a ser imitado. Para mais informações acesse: http://cursos.edithstein.com.br.