Ele vive em nós!

Corpo e Sangue de Jesus: eis o mistério da fé

Não comemos apenas para sobreviver, nós nos sentamos para comer para viver. A ingestão de alimentos está tão profundamente enraizada na experiência humana, tão ligada à vida e à sua possibilidade de crescer e se desenvolver que, em todas as culturas, ela adquiriu um significado que vai além da mera necessidade de se alimentar para viver.

Comer, e especialmente comer junto, não é apenas um fato funcional, pertencente somente à esfera do necessário, mas também se enquadra na esfera do gratuito e do excedente. Nesse sentido, podemos dizer que não comemos apenas para sobreviver, mas nos sentamos para comer, para viver. Jesus também usa a linguagem do alimento para falar de si mesmo e de seu relacionamento com os discípulos. Ele fala de um “verdadeiro alimento” e de uma “verdadeira bebida” capazes de nutrir superabundantemente.

A comida e a bebida oferecidas no banquete da Senhora Sabedoria (como diz o Livro dos Provérbios Capítulo 9, 1-6) são, na boca de Jesus, uma comida e uma bebida muito específicas: “Minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida” (Jo 6, 55).

Sangue de Jesus, uma vida dada para todos

O “sangue” na Bíblia indica a própria vida, aquela realidade intangível que pertence somente a Deus, da qual o homem não pode dispor. Somente se Deus excepcionalmente conceder, o homem poderá dispor do sangue. O fato de Jesus convidar seus discípulos a beberem seu sangue, indica que essa possibilidade é puramente um dom de Deus e consiste em participar de sua própria vida: uma vida dada para todos.

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A “carne” segundo o quarto evangelho

Por outro lado, “carne” [Grego: sarx, em Hebraico basar] indica a pessoa humana sob o aspecto de fraqueza, transitoriedade e, por fim, “morte”. A “carne” não indica negatividade e pecado, mas é um começo que aguarda o cumprimento, a plena realização, atingir a sua totalidade. No entanto, não podemos entender o significado do que João quer nos dizer ao usar o termo “carne” e o que significa comer sua carne, se não levarmos em conta a proclamação que constitui uma das afirmações mais ousadas do quarto evangelho: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus… E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória” (Jo 1,1. 14).

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Não se diz que o Verbo se tornou “homem”, mas que o Verbo se tornou “carne”. Ele compartilhou plenamente a dimensão da limitação, da pobreza e da morte, que é própria da natureza humana. Ele assumiu o princípio para levá-lo a termo. A “carne” é, portanto, a realidade humana concreta, frágil e limitada assumida pelo Verbo de Deus.

Corpo e sangue de Jesus

Ao dizer que Ele é o pão vivo descido do céu, Jesus afirma que Ele é, com sua vida, em sua carne, a resposta à fome, às expectativas, às perguntas e às ansiedades que sempre habitaram o coração dos homens e das mulheres. Comer a “carne” e beber o “sangue” de Jesus é acreditar que sua vida humana, como ele a viveu. É uma resposta adequada à nossa busca e a toda busca do coração humano.

Não poderia haver linguagem mais adequada do que a o banquete, do comer e beber, para expressar a assunção, em nós da própria vida de Jesus. Uma resposta a todas as nossas expectativas de vida autêntica, de vida eterna. Ele não viveu para sobreviver, mas para a vida em sua plenitude, a ponto de dar sua vida pelos outros. De fato, aquele que quer salvar sua vida a perde, e somente aquele que a dá, a salva.

Se lermos os Evangelhos, descobriremos que de Jesus são narrados apenas fatos gratuitos, improdutivos e inúteis. Seus encontros, sua oração, suas curas realizadas sem fazer nada de excepcional e sem receber nada em troca, seu espanto diante dos lírios do campo e das aves do céu, os banquetes e as refeições que compartilhou com pecadores e excluídos. Usando uma linguagem mais popular, Jesus perdia tempo para jantar e estar com “quem não prestava”. Finalmente, sua vida doada e desperdiçada tinha uma finalidade: permanecer fiel ao seu anúncio do Reino.

Viver para Ele

Comer a carne de Jesus e beber o sangue significa, então, assumir a própria vida de Jesus. Aprendendo com ele o autêntico significado da existência humana: viver para Ele, graças a Ele, como Ele. Aprender com Ele o que conta na vida é o que é vivido na gratuidade e na “inutilidade de um banquete”. Esta vida tem, já no tempo, o sabor da eternidade. Por isso, Jesus pode dizer: “quem come de mim viverá por mim”.

Que a Solenidade do Corpo e Sangue do Senhor nos ensine a recuperar todas as dimensões do “Banquete”. Sobretudo, a riqueza de “estar juntos”. Vivemos em tempos de guerra, não somente entre Ucrânia e Rússia, mas em “guerras homeopáticas” dentro de nossas casas, que nos tiraram a alegria do banquete. Quantas comunidades, e pior, quantas famílias estão divididas pela “escravidão de ideologias políticas”, revestidas até mesmo de um cunho religioso messiânico, se tornaram lugares de hostilidade e de isolamento entre seus membros. Já não conseguem “celebrar o banquete”.

Comungamos o Corpo de Jesus e nos tornamos juntos!

Celebrar a Corpus Christi é repropor o “estar juntos”, o “comer juntos”. Sem isso, nossas Procissões com belos ostensórios, animadas com cânticos e orações piedosas, as ruas enfeitadas e decoradas, em nada se diferenciarão dos desfiles teatrais de carnaval.

Quem come e bebe o Corpo e Sangue do Senhor, o faz em “comunidade”, com os outros. Essa é a novidade da fé: comungamos o Corpo e nos tornamos juntos, o Corpo do Senhor. n’Ele e, com Ele, continuamos sua Presença na história. Mas isso só possível quando a Eucaristia me faz “eucaristizado”, isto é, homem que se nutre e se fortalece quando encontra sentido na simplicidade do “banquete”, da refeição em comum: eis o Mistério da Fé!

Dom Cristiano Sousa OSB Cam – Mosteiro de Fonte Avellana (Italia) 

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