Os cristãos são chamados a se render ao Evangelho e seus valores

Fazer a diferença na sociedade é dever de todos os cristãos

Nas últimas semanas, multiplicam-se manifestações ditas artísticas, cuja eclosão suscitou reações de todos os lados. Nos meios de comunicação e nas redes sociais, mesmo que considerada pluralista e respeitosa a chamada democracia nas relações sociais, todas as pessoas e grupos que foram contrários ao que se exibiu foram tachados de “conservadores”. Parece que alguns são mais iguais do que os outros, e só podem ser considerados progressistas e paladinos da liberdade os que cedem ao patrulhamento ideológico reinante. Infelizmente, passando de parlamentares e depois membros dos poderes executivo e judiciário, chegando ao mundo artístico, além de muitas pessoas que acabaram “gritando” pelas redes sociais.

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Foto: Sami Sert by Getty Images

A Igreja Católica e outras Igrejas Cristãs, assim como outros grupos religiosos, todos somos quase asfixiados pelas pressões favoráveis a argumentos como ideologia de gênero, “trans”, aborto, casamento homoafetivo e daí por diante. Tudo indica que se pretende queimar a tradição judaico-cristã, considerada retrógrada. É-nos negado o direito de pensar e agir de forma coerente com nossa consciência. Se não nos colocarmos de acordo com a mentalidade reinante, a atual ditadura ideológica nos massacrará!

Humanidade castigada

Por outro lado, graças a Deus, as redes sociais servem também para nos manifestarmos contrários à avalanche de contravalores que se espalham em nossos dias. As pessoas que escolhem um caminho diferente daquele que é norteado pelo Senhor Jesus, que é Caminho, Verdade e Vida, já começam a verificar, em seu corpo e sua alma, as consequências. Deus não precisa se dar ao trabalho de armar castigos para a humanidade, pois ela mesma os fabrica. Basta ver a história e perceber como a decadência ética e moral de passadas civilizações esteve sempre aliada às crises políticas e econômicas, geradoras de mudanças profundas de época.

Em nosso tempo, quando desmoronou o muro de Berlim, símbolo da fracassada proposta do socialismo real, sabemos que este “caiu de podre”, pela destruição de valores e práticas consideradas reacionárias. Muitos de nós, iluminados pela sabedoria de São João Paulo II, entrevíamos que muitos outros muros viriam a cair no ocidente da riqueza, do prazer, das propagandas deslavada da impureza, da injustiça, da vergonhosa desigualdade social, da competição desrespeitosa, o mundo do capitalismo liberal. E em nossos dias, tudo indica que o desmoronamento é globalizado. Cabe-nos olhar para o alto e pedir ao Pai do Céu que recolha os cacos de nossas edificações físicas, morais e sociais destruídas, para fazer uma nova obra de arte, um mosaico como só Ele sabe fazer, para que venha à tona uma nova etapa da história, na redescoberta de Jesus Cristo e de Seu Evangelho.

Render-se ao Evangelho

Jesus confrontou-se com os poderes de seu tempo, simbolizados pela força dos romanos invasores. Muitas foram as armadilhas preparadas por perguntas capciosas. Uma delas é relatada na Liturgia do fim de semana (Cf. Mt 22,15-21). Pagar impostos, obedecer às leis civis, construir a cidadania, argumentos válidos desde priscas eras e até hoje atuais são obrigações simbolizadas numa moeda e na figura de “César”!

Os cristãos dos primeiros tempos sabiam que as palavras pronunciadas maldosamente pelos fariseus correspondiam à plena verdade, pois eram convictos de que Jesus é verdadeiro e ensina o caminho para Deus. Mais esperto e inteligente é o Senhor, sempre capaz de, sabiamente, devolver a pergunta. Antes do César representado na moeda está aquilo que é de Deus, o coração humano. Não é possível organizar a vida, orientar a construção da sociedade e das cidades ou conduzir a política a um porto seguro quando os homens e as mulheres não se rendem ao Evangelho e seus valores, assim como sementes do Verbo de Deus plantadas pelo Espírito Santo em todos os quadrantes da terra ou nas manifestações religiosas e do saber humano.

Concílio Vaticano II

De forma profética, o Concílio Vaticano II preconizou dramas e desafios que vivemos hoje (Cf. Gaudium et Spes, 36): “Muitos parecem temer que a íntima ligação entre a atividade humana e a religião constitua um obstáculo para a autonomia dos homens, das sociedades ou das ciências. Se por autonomia das realidades terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando, é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia.

Trata-se de algo inteiramente de acordo com a vontade do Criador, pois, em virtude do próprio fato da criação, todas as coisas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias, que o homem deve respeitar, reconhecendo os métodos peculiares de cada ciência e arte. A investigação metódica, em todos os campos do saber, levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus.

Quem se esforça com humildade e constância, por perscrutar os segredos da natureza, é, mesmo quando disso não tem consciência, como que conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta as coisas e as faz ser o que são. Seja permitido, por isso, deplorar certas atitudes de espírito que não faltaram entre os mesmos cristãos, por não reconhecerem suficientemente a legítima autonomia da ciência e que, pelas disputas e controvérsias a que deram origem, levaram muitos espíritos a pensar que a fé e a ciência eram incompatíveis.

Se, porém, com as palavras “autonomia das realidades temporais” se entende que as criaturas não dependem de Deus e que o homem pode usar delas sem as ordenar ao Criador, ninguém que acredite em Deus deixa de ver a falsidade de tais afirmações. Sem o Criador, a criatura não subsiste. De resto, todas as pessoas que creem, de qualquer religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação na linguagem das criaturas. Antes, se esquece Deus, a própria criatura se obscurece”.

Acolhamos o desafio à conversão que tais palavras suscitam!


Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.