Santa Teresa D’Ávila, a partir de sua experiência pessoal iluminada pelo Espírito Santo, reconhece diferentes graus de oração, consegue diferenciá-los e, e desejando ajudar todos a progredir numa crescente intimidade com Deus, passa a descrevê-los em suas obras.
Já analisamos sua comparação da alma com um jardim e as duas primeiras formas de regá-lo: a oração vocal e a oração de meditação ou mental. Além da descrição da doutora da Igreja sobre cada um desses tipos de oração, já vimos um exemplo concreto de como ela vivia a oração vocal sempre em comunhão com a mental na sua análise do Pai-Nosso, a oração dominical.
No artigo anterior, vimos a descrição da oração mental e a maneira pela qual a santa a considera como um modo muito mais eficiente de se unir a Deus. Agora, veremos alguns avisos de São Pedro de Alcântara (1499-1562) para a oração de meditação, não só por ele ser contemporâneo de Santa Teresa mas, principalmente, ser um dos “letrados” que a Santa constantemente se referia com gratidão em seus escritos. Contrariamente aos diretores espirituais inexperientes, que colocaram muitos obstáculos aos progressos da doutora, São Pedro foi um farol a conduzi-la.
A oração de meditação cristã e seu objetivo
Logo de início é necessário esclarecer dois pontos essenciais: a meditação ou oração mental cristã é uma prática da Igreja vivida há muitos séculos e em nada parecida com as meditações orientais ou esotéricas da “nova era”. Ela consiste, basicamente, em mergulhar com atenção e amor nas Sagradas Escrituras e procurar estudar e refletir sobre seus ensinamentos. Em outras palavras, aprofundar-se em seus mistérios investigando-os sem a pretensão de esgotá-los.
Outro ponto importante é que, embora seja um estudo, seu principal objetivo não é adquirir conhecimentos e tornar-se especialista nisto ou naquilo, e sim elevar a mente a Deus (definição própria da oração), crescer na fé e no amor pelo Senhor. Nesse sentido, a oração de meditação fornece base para um grande desenvolvimento das virtudes teologais: aumenta a Fé à medida que desenvolve o conhecimento de Deus, fortalece a Esperança dando-lhe argumentos para se manter firme e inabalável e, finalmente, promove a Caridade fazendo o coração maravilhar-se com as obras e realizações do Senhor de todas as coisas.
Baseado nisso, e entendendo que ela precisa ser um caminho para o próximo estágio da oração: a oração afetiva, São Pedro de Alcântara promove avisos que levam não só a desenvolver a mente na oração, mas, principalmente, aquecer o coração e prepará-lo para assumir o próximo nível de oração que trataremos mais à frente, no próximo artigo.
Avisos para a meditação
Primeiro aviso: se o objetivo da oração mental é aproximar-nos de Deus, tudo aquilo que é frio e sem vida no estudo deve ser deixado de lado. Por outro lado, quando um trecho específico promove reflexão e devoção, não devemos abandoná-lo. Não é a quantidade, mas a qualidade da meditação que deve ser buscada.
Segundo aviso: a meditação só é verdadeira oração quando se medita para conhecer, e não para ensinar. É muito mais um trabalho do afeto do que do entendimento por ser uma forma de intimidade com Deus. É sobre esse tipo de oração que Santa Teresa se referia ao dizer: “A oração não consiste em pensar muito mas, em amar muito”. Separa-se aqui o trabalho dos professores e estudantes da vivência dos piedosos e contemplativos: a matéria é a mesma, os objetivos distintos.
Terceiro aviso: embora o afeto deva ser buscado, não é a partir da violência interior das emoções que se pode obtê-lo. A oração de meditação deve ser um olhar simples e sossegado buscando, sobretudo, estar aberto às inspirações do próprio Espírito Santo que é puro amor. Se tal não acontecer imediatamente, paciência.
Quarto aviso: para corresponder às moções de Deus, a atenção não só da mente, mas também do coração é primordial. Vivo, atento, mas nem muito forte, nem muito frouxo. Nem cansar a mente com concentração exagerada, nem cansar o coração buscando sentir o que não se sente. Mas também, nem deixar a mente solta ao ponto de divagar e o coração insensível a ponto de não se envolver com o que a mente medita.
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Quinto aviso: não desanimar ou desistir facilmente. Aguardar Aquele que virá fazer parte de nossa fé e esperança, devendo gerar amor, e não ansiedade. Se o Senhor, por fim, não vier, ofereçamos a Ele nosso tempo como um digno sacrifício sabendo que, de forma alguma, poderia ter sido melhor aproveitado do que se colocando em sua presença. Na impossibilidade de se meditar da maneira descrita, o melhor é tomar um livro de espiritualidade e lê-lo com calma e atenção.
Sexto aviso: é aconselhável que esse tipo de oração não seja breve ou dentro de um período muito curto de tempo. A razão disso é que, geralmente, perde-se muito tempo para preparar a mente, sossegando a imaginação. Assim, São Pedro recomenda que se utilize duas horas corridas por dia ou se faça este tipo de oração mental logo após outras devoções que, por si só, já acalmem e preparem o coração: a Santa Missa, a Adoração ao Santíssimo Sacramento, a meditação do Rosário. Também existem horários mais propícios do que outros, como o período da madrugada, que permite maiores frutos em menor tempo.
Sétimo e oitavo avisos
Sétimo aviso: quando a alma for visitada na oração, ou fora dela, pelo próprio Senhor, submeter-se de bom grado imediatamente. De fato, Ele mesmo, sem esforço, pode nos visitar e elevar-nos a mente e o coração. À semelhança dos discípulos de Emaús, nosso coração passa a arder (Lc 24,32). Não se deve desprezar essas visitas inesperadas, pois nos concede imediatamente o que, às vezes, gastamos uma noite inteira sem sucesso (Lc 5,5).
Oitavo aviso: por último, e citado como mais importante, deve-se entender que essa oração busca uma primeira contemplação de Deus. Ou seja, discorrer com a inteligência para repousar na sua presença do amor. Se a devoção já veio, se o amor já se faz presente, se o afeto está pleno da presença de Deus, todo o discurso intelectual deve cessar. Pouco se pode investigar sobre Deus, mas muito se pode (e se deve) amá-Lo. Essa oração de meditação tem como objetivo revolver a terra dura do coração para que brote a verdadeira videira do amor. Usando o mesmo exemplo teresiano, o santo explica sobre isso que
“É assim que faz o jardineiro quando rega a sua terra a qual, depois de tê-la enchido de água, suspende o jorro da corrente e deixa empapar e difundir-se pelas entranhas da terra seca o que esta recebeu e, uma vez feito isto, volta a soltar o jorro da fonte, para que receba mais e mais e fique melhor regada. Mas o que então a alma sente, o que goza da luz, da fartura, da caridade e da paz que recebe, não se pode explicar com palavras, pois aqui está a paz que excede todo o sentido e a felicidade que nesta vida se pode alcançar.”
Vislumbra-se aqui o terceiro modo de oração que já começa a se manifestar: a finalidade da busca da oração mental. Por isso, no próximo artigo, examinaremos com Santa Teresa D’Ávila aquilo que ela se refere como sendo o terceiro modo de se regar o jardim e, consequentemente, uma oração muito mais frutuosa e eficaz: a oração afetiva.