Nos textos anteriores vimos que todos somos chamados por Deus à santidade, mas poucos optam por esse caminho. A grande maioria das pessoas se divide entre viver no pecado e viver uma vida mundana. Isso apenas confirma o que o próprio Jesus nos ensinou: “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e numerosos são os que por aí entram” (Mt 7,13). E Nosso Senhor arremata com palavras que parecem bastante desanimadoras: “Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho da vida e raros são os que o encontram” (Mt 7,13). São raros os que encontram o caminho da vida, ainda que muitos passem anos e anos buscando. Por que
isso acontece? O que fizeram de diferente aqueles que encontraram o caminho? Santa Teresa d’Ávila dá a resposta de maneira muito simples: a porta para entrar no castelo interior é a oração. Não se trata somente de recitar orações, porque há muitas pessoas que passam anos e anos rezando e não crescem no amor a Deus. A oração que nos conduz à santidade passa por duas direções apontadas por Santo Agostinho há mais de 1.500 anos:
“Deus sempre o mesmo: que eu me conheça a mim mesmo; que eu Te conheça”.
A vida de oração dos mundanos e dos que querem ser santos
Se Deus habita no mais íntimo do meu coração, nas moradas mais secretas da minha alma, a minha oração precisa, portanto, me conduzir para o meu interior. Qual a diferença entre a oração de alguém que está confortável com sua vida mundana, ainda que não esteja em pecado mortal, e a oração de alguém que quer ser santo? É só lembrarmos da parábola do fariseu e do publicano: o fariseu rezava agradecendo a Deus por não ser como os outros homens, ladrões, injustos e adúlteros. Já o publicano se mantinha à distância e sequer levantava os olhos, enquanto suplicava que Deus tivesse piedade dele, por ser pecador. Jesus não disse que o fariseu mentia na sua oração, então podemos crer que de fato ele não era ladrão, nem injusto, nem adúltero. Era um perfeito cumpridor de obrigações, tanto que ele completa a sua oração dizendo que jejuava duas vezes por semana e pagava o dízimo de todos os seus lucros. Ele, contudo, não saiu justificado da presença de Deus, mas sim o publicano. Qual a diferença entre as duas orações? O próprio Jesus nos responde: a humilhação diante do Senhor. O mundano não percebe, mas sua atitude é sempre conduzida pela soberba. Ele está satisfeito com o próprio relacionamento com Deus, com a própria vida porque julga a si mesmo como alguém bom, justo, que já está fazendo o suficiente. Ele pensa: “Antes eu traía minha esposa, mas agora larguei o pecado e sou um homem de Deus”, ou “Eu vivia nas cachaçadas da vida, de bar em bar, e agora que encontrei Jesus, vou à missa aos domingos, não bebo mais, sou um novo homem!”
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Humildade
Louvado seja Deus por tudo isso, mas ainda não é essa a vontade de Deus para a nossa vida. Não basta abandonar o pecado, é preciso amar, e amar muito, mas para amar eu preciso reconhecer quem eu sou e quem é Deus na minha vida. É por isso que Santo Agostinho diz que a oração dele é sempre essa, pedindo que ele conheça a si mesmo e conheça a Deus. O primeiro movimento da nossa oração deve ser sempre guiado pela mais elevada humildade. À medida que nos aproximamos de Deus com humildade, falando das nossas misérias, limitações e dores, Ele, em sua misericórdia, vai nos revelando quem somos de verdade. A verdadeira oração vai invertendo os papéis. O mundano tende a chegar diante de Deus como aquele fariseu, achando-se cheio de “créditos” por conta dos preceitos que cumpre. Por conta disso, sua oração normalmente é cheia de pedidos, de súplicas de graças, milagres, sinais. O mundano pede muito que Deus afaste o seu sofrimento, resolva seus problemas, lhe dê a vitória, honre sua fidelidade. Aquele que busca a santidade, contudo, aproxima-se de Deus de cabeça baixa, humilde, porque à medida que rasga seu coração diante de Deus, vai se reconhecendo em sua miséria. Um dos primeiros frutos dessa oração é a consciência dos próprios pecados: “Senhor, eu tento fazer o bem, mas sou orgulhoso demais! Senhor, como eu sou infiel a ti! Meu Deus, eu sou um teimoso, um preguiçoso, não consigo controlar meus impulsos. Misericórdia, Senhor!”
A oração automaticamente passa do “que eu me conheça” para o “que eu Te conheça, Senhor”, porque a consciência das próprias misérias acende um enorme holofote diante da pessoa: “Eu não te amo, Senhor, como eu deveria!” Essa descoberta é fundamental para quem quer ser santo. Aliás, pode-se até dizer que é essa descoberta que começa a mover a pessoa em direção à santidade, porque ela quebra todas as estruturas que sustentam a vida mundana. Até então, tudo estava tranquilo, pois parecia ser prova de amor o cumprimento das obrigações. Mas ao contemplar a obra salvífica de Deus, ao compreender o sacrifício redentor de Jesus e colocá-lo lado a lado com os meus muitos pecados passados e presentes, algo se agiganta na minha alma: ao mesmo tempo que louvo a Deus por perceber isso e poder me consertar, vejo-me arrependido, envergonhado, com o coração dilacerado por ter ofendido tanto a Nosso Senhor Jesus Cristo, por ter feito tão pouco caso da sua Paixão. Santa Teresa d’Ávila expressa isso muito bem: “Não peçais aquilo que não mereceis; nem haveria de nos passar pela cabeça que, por muito que sirvamos a Ele, poderíamos merecer tanto ao termos ofendido a Deus”. Em outro momento de As Moradas do Castelo Interior, ela diz que mesmo que até o último instante da nossa vida não pecássemos mais, ainda assim seríamos devedores, por conta da nossa ingratidão passada com o Sangue inocente de Cristo derramado na Cruz. Quando me dou conta de que com os meus pecados eu tornei mais pesada a cruz que Cristo levou ao Calvário, como disse Santo Afonso de Ligório, vejo que não tenho outra opção: preciso viver até o fim da minha vida me esforçando para amar mais a Deus, para tentar retribuir, tanto quanto eu puder, o amor que Cristo demonstrou por mim.
Amar somente a Deus
Ao pedir a Deus “que eu me conheça, que eu Te conheça”, eu me uno a São João de Ávila, que diz:
“Senhor, quando vos vejo na cruz,
tudo me convida a amar:
o madeiro, a vossa pessoa, as feridas de vosso corpo e principalmente o vosso amor.
Tudo me convida a vos amar e a não me esquecer mais de Vós.”
Mas o caminho de santidade não é nada fácil, porque descobrimos que não conseguimos amar a Deus como Ele merece por conta das nossas muitas faltas, da maldade e dos muitos apegos que ainda residem no nosso coração. É necessário, portanto, educar nosso corpo e nossa alma para amar somente a Deus, para ter somente a Ele como tesouro. Mas isso é um assunto para o próximo texto.