Afirmar ser a nossa vida um combate diário testifica-se que temos um inimigo. Partindo desse pressuposto, é necessário, primeiramente, detectarmos quem é o inimigo, como ele age, quais brechas precisamos fechar para que ele não nos atinja, quais são seus pontos fracos, como vencê-lo etc.. É fato que, para vencer um combate, é preciso estudar o inimigo, observá-lo. Assim, pode-se atacá-lo de maneira certeira ou fugir quando percebermos que seremos derrotados na batalha.
Acredito que você, leitor, esteja ciente de que estamos tratando de um combate espiritual – e este termo não é recente, pois já o encontramos no capítulo 6, versículos de 10 a 20, da carta de São Paulo aos Efésios, escrita por volta de 60-62 d.C.: “Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares”. (Ef 6,12).
Conscientes de que nossos inimigos são espirituais e estão espalhados nos ares, parece-nos, então, uma tarefa impossível vencê-los, por isso é importante saber que, da mesma maneira que ele é e age de forma sobrenatural, só poderemos vencê-lo com armas sobrenaturais. Por isso, o texto de São Paulo continua mencionando que é preciso da armadura espiritual como defesa contra as forças do mal: “Tomai, portanto, a armadura de Deus para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever”. (Ef 6,13)
O combate é diário e ninguém está imune
Neste versículo, já temos um detalhe importante: “… para que possais resistir nos dias maus”, ou seja, este combate é diário e ninguém está imune dele. Santa Teresinha dizia que “só temos o hoje para amar”, e eu quero acrescentar que só temos o hoje para vencer ou perder. Deixar para amanhã pode ser tarde demais, pois não temos domínio sobre o futuro. Comecemos agora mesmo! “Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus”. (Hb 12,1b). A vida cristã é uma luta ininterrupta que só termina com a morte.
Segundo São João da Cruz, existem três inimigos da alma: o mundo, o demônio e a carne. Ele afirma ser a carne o inimigo mais tenaz, pois, uma vez que temos domínio sobre as concupiscências carnais, mediante a união com Deus, as afrontas do mundo e as tentações do demônio dificilmente nos causarão danos espirituais. Não podemos demonizar tudo, nossas ações erradas e más inclinações devem ser combatidas: como a gula, a preguiça e todo tipo de intemperança provinda de nossa carne manchada pela culpa original. “Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e alicia. A concupiscência, depois de conceber, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1,14-15).
No meu livro “O Segredo de Ser Você”, na página 51, eu cito detalhes muito importantes sobre este tema: “A vida de ascese e mortificação é o caminho pelo qual o homem descobre a liberdade interior, pois a configuração ao Cristo Sofredor derrota as paixões que habitam na alma”.
São João da Cruz ensina que uma pessoa, quando persevera nas práticas de uma vida ascética, passa a ter grande domínio de suas más inclinações, pois seus inimigos – o demônio, o mundo e a carne – vão perdendo força. E se derrubamos um, enfraquecemos os outros”.
“Para vencer qualquer desses três inimigos é mister vencê-los os três, e, enfraquecendo um, se enfraquecem os outros dois, e, vencidos estes três, cessa a guerra para a alma”. (São João da Cruz. Escritos espirituais: Cautelas. 4,3)
Concentrar os esforços para derrotar o verdadeiro inimigo
A própria Sagrada Escritura nos relata que existe uma luta sendo travada dentro de nós, e que precisamos negar os apetites carnais para viver no Espírito: “Digo, pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da carne. Porque os desejos da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne, pois são contrários uns aos outros. É por isso que não fazeis o que quereríeis” (Gl 5,16-17).
Muitas vezes, colocamos nossos esforços em querer destruir o nosso próximo, esquecendo-nos de que ele não é nosso inimigo, ao contrário daquele que o move a realizar o mal contra nós. Devemos concentrar nossos esforços em derrotar o nosso verdadeiro inimigo – que pode ser, muitas vezes, nós mesmos.
Frederick W. Faber, no seu livro Progresso na Vida Espiritual, afirma o seguinte: “Atacar os erros dos outros é fazer a obra do diabo, a obra de Deus é atacar nossas más obras” (FABER, Frederick W. Progresso na vida espiritual. São Paulo: Cultor de Livros, 2016).
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Remédios contra as tentações
É muito fácil colocar a culpa nos outros quando não queremos enfrentar nossos próprios defeitos. O grande teólogo Tanquerey nos indica alguns remédios contra as tentações diabólicas:
Primeiro, a humilde oração, pois estando unidos a Deus, ninguém pode nos derrotar. A expressão “Quem como Deus?” reconhece que sozinhos não conseguimos vencer e, por isso, suplicamos o socorro divino. Depois, a vida em estado de graça pela vivência dos sacramentos, como a confissão, por exemplo, que por ser um ato de humildade, afugenta o inimigo soberbo. Também a Sagrada Comunhão, que ele mesmo diz: “A Sagrada Comunhão traz ao nosso coração Aquele que venceu satanás” (cf. TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia, Ascese e Mística. p. 136 – São Paulo: Cultor de Livros, 2016).
Outros remédios eficazes são os sacramentais: o sinal da cruz e a água benta; esta, por exemplo, muito recomendada por santa Teresa de Ávila no Livro da Vida, pois pode bloquear a ação do demônio. E por fim, desprezar o demônio, sabendo que ele não tem nenhum domínio sobre a alma sem o consentimento de Deus, como ensina Santa Teresa no capítulo 31 do Livro da Vida.
Santa Madre Teresa também afirmava que umas das maiores obras do demônio é procurar levar a alma, que começa um caminho espiritual, ao desânimo. “Deus não se nega a quem persevera, habilitando, pouco a pouco, o seu ânimo a alcançar a vitória. Digo ânimo, porque são muitas as coisas que o demônio põe diante de quem começa para impedi-lo de começar, de fato, esse caminho. Por que este último sabe do prejuízo que tem ao perder não somente essa alma, mas muitas”. (Livro da Vida 11,4)
A cruz é um troféu erguido contra os demônios
Concluo com uma maravilhosa e esplêndida notícia para você, tomando as belíssimas e sábias palavras de São João Crisóstomo que dizia:
“Nós não ensanguentamos as armas, não estivemos no combate, não fomos feridos nem vimos a luta; no entanto, alcançamos a vitória. O combate foi do Senhor e a coroa foi nossa. Ora, como a vitória também é nossa, imitemos os soldados e cantemos hoje, com vozes alegres, os louvores e cânticos da vitória. Digamos, louvando o Senhor: ‘A morte foi tragada pela vitória! Ó morte onde está a tua vitória? Onde está o teu aguilhão?'” (1Cor 15,54-55)
Todas essas coisas maravilhosas foram obtidas pela cruz. Ela é um troféu erguido contra os demônios, uma espada levantada contra o pecado, espada com a qual Cristo transpassou a serpente; a cruz é a vontade do Pai, a glória do seu Filho unigênito, a exaltação do Espírito Santo, a honra dos anjos, a segurança da Igreja, o regozijo de Paulo, a fortaleza dos santos, a luz da terra inteira. (São João Crisóstomo, Liturgia da Horas IV, p. 1549)
Jesus já venceu o mal! Só depende de você assumir e declarar esta vitória, hoje, com a sua vida! Amém!
Irmã Ana Paula