A intimidade: todo o dinamismo amoroso busca uma experiência de intimidade entre pessoas. É o que, em linguagem cristã, se chama a comunhão. A intimidade entre pessoas significa a revelação total de um ao outro, com o dom de todo o ser, aceitando ser conhecido, para conhecer. A intimidade realiza a experiência unitiva, expressão máxima do amor. Os sujeitos da relação amorosa encontram-se de tal modo um no outro, que se sentem como um só. E serão dois numa só carne (Gen. 2,24).
A experiência religiosa, na revelação judaico-cristã, resume-se à construção de uma intimidade entre Deus e o homem, entre Deus que se nos revela ser Ele mesmo uma comunhão de Pessoas, e o homem que é chamado a entrar nessa comunhão de amor. É a proposta de aliança feita por Deus a Abraão, cuja plenitude será revelada por Jesus: E nós viremos a Ele e faremos nEle a nossa morada (Jo. 14,23). Esta intimidade com Deus, quando acontece, torna-se central e decisiva, dá sentido a todas as experiências de intimidade construídas entre pessoas humanas, que encontram a sua verdade sendo reconduzidas à intimidade de Deus, e preenche toda a ânsia de intimidade do coração humano. O amor desabrocha na caridade. Veremos noutro dia que é por isso que a virgindade pode ser uma experiência de amor totalizante, realizando plenamente a ânsia de amor do coração humano.
Em todas as suas buscas e dramas de amor, o ser humano procura a experiência de intimidade. Mas tantas vezes não a consegue por fragilidade e infidelidade. Toda a forma de egoísmo, que reduz a pessoa amada à categoria de objecto possuído; toda a dificuldade em se revelar, escondendo-se nos seus segredos; toda a falta de generosidade confiante, que impede a entrega sem limites, impedem essa intimidade unitiva. Aí se experimenta que o coração humano precisa de redenção e que a autêntica intimidade só pode ser fruto da graça do Espírito, expressão do amor-caridade.
A ternura: é o dinamismo fundamental que exprime todas estas dimensões do amor. A ternura é contemplação do ser amado, é entrega generosa e totalizante, é revelação do coração, é abertura à intimidade. Ela exprime o encantamento pelo outro e é disposição de intimidade. É a expressão do amor que envolve, mais espontaneamente, a totalidade do ser, na generosidade gratuita da entrega ao outro. Onde não houver ternura, dificilmente haverá amor.
A ternura exprime uma das qualidades mais belas do amor: a bondade e a misericórdia. Amar é ser bom. A ternura é generosa, tudo dá, tudo faz pelo bem do outro, tudo desculpa, tudo perdoa. Só a ternura pode curar os corações feridos e voltar a unir aqueles a quem a infidelidade separou. Os atributos da ternura são os mesmos com que S. Paulo descreve a caridade (cf. 1Cor. 13). É por isso que, na Sagrada Escritura, a ternura é o principal atributo do amor de Deus por nós. Só assim Deus nos podia amar, sendo bom, misericordioso e cheio de compaixão.
A incapacidade de ternura é o efeito mais dramático do pecado no coração humano, aquilo a que o Evangelho chama a dureza do coração. A incapacidade de ternura significa a incapacidade de amar e sublinha a necessidade da transformação, pela graça, desse coração empedernido.
Dom José Policarpo – Cardeal-Patriarca de Lisboa