Um dos grandes mistérios que acompanha a marcha da humanidade por meio dos séculos é a presença do sofrimento, em suas mais diferentes formas. Trata-se de um enigma tão profundo e indevassável que um número imenso de pessoas se denominam ateias exatamente porque não conseguem explicar ou aceitar a dor. O mistério torna-se maior ainda quando se percebe que, não poucas vezes, a fortuna e a felicidade dos maus se constrói sobre o padecimento dos inocentes.
Era precisamente esse um dos problemas que atormentavam o profeta Jeremias: “Tu és demais justo, Senhor, para que eu possa discutir contigo. Quisera, porém, fazer-te uma pergunta sobre a justiça: por que o caminho dos ímpios prospera e os traidores vivem todos em paz?” (12,1). O próprio Jó, o exemplo clássico da paciência do justo, chegou a amaldiçoar o dia em que nasceu: “Morra o dia em que nasci e a noite em que se disse: ‘Um menino foi concebido!'” (3,3).
Sobretudo, é fora do cristianismo que se encontram as maiores dificuldades. Muitos séculos antes de Cristo, o filósofo grego Epicuro sentia-se esmagado por um dilema que ainda hoje costuma ser evocado: “Se Deus quer tirar o mal do mundo e não consegue, é fraco; se pode tirá-lo e não quer fazê-lo, é inimigo do homem; se não quer nem pode tirá-lo, é inimigo e fraco; e se quer e pode tirá-lo, por que, então, não o faz?” .
O problema da dor e do sofrimento
O próprio Cristo, na véspera de sua morte, assim dirigiu-se ao Pai, no Jardim das Oliveiras: “Ó Pai! Tudo é possível para ti! Afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça o que eu quero, e sim o que tu queres!” (Mc 14,36).
A resposta ao problema da dor supera as razões da inteligência meramente humana. Talvez, a primeira tentativa de resposta foi encontrada pela Carta aos Hebreus. Diferentemente do que todos poderiam pensar, ela assegura que o Pai atendeu, sim, à oração de Jesus: “Durante a sua vida na terra, Cristo fez orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, ao Deus que o podia salvar da morte. E Deus o escutou. Embora sendo filho de Deus, aprendeu a obediência através de seus sofrimentos, tornando-se, assim, fonte de salvação eterna para todos aqueles que lhe obedecem” (5,7-9).
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Dor e amor caminham juntas?
É esse o segredo da dor. Ela faz parte do projeto de Deus. “É pelo caminho da dor que se chega ao incêndio do amor”, lembra Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares. A partir da morte e da ressurreição de Jesus, o sofrimento, apesar de continuar sofrendo, contém em Si sementes de salvação, libertação e santidade. Não é que precisamos ser masoquistas, indo à cata da dor, ou, pior ainda, sadistas que encontram a sua satisfação nas aflições dos outros. Muito pelo contrário, o cristianismo só é verdadeiro se somos solidários com as penas e as tribulações dos irmãos.
Já que a dor faz parte da história e da evolução do homem, o importante é transformá-lo em fator de amadurecimento humano e cristão. Se ela é o quinhão, que acompanha a todos, Jesus demonstrou seu amor para conosco assumindo-a e transformando-a em fonte de salvação para a humanidade. Se não existe amor verdadeiro sem imolação de si mesmo, mais do que: “Por que sofrer?”, deveríamos perguntar: “Para que sofrer?” .
Dom Redovino Rizzardo, CS