No Salmo 118, versículo 17, lê-se: “Concedei a vosso servo esta graça: que eu viva guardando vossas palavras” (Sl 118,17). Esse é o objetivo deste artigo: auxiliá-lo na leitura da Bíblia, incentivá-lo a fazer um estudo da Palavra; e a quem já faz esse estudo oferecer ferramentas que permitam um aprofundamento cada vez maior nesse trabalho.
Para isso, é necessário tratar de algumas questões ligadas à exegese e hermenêutica bíblicas. Mas não se assuste. Essas palavras (exegese e hermenêutica) estão mais presentes na sua leitura da Bíblia do que você imagina.
Como a exegese e hermenêutica estão presentes nos estudos bíblicos?
Comecemos pela definição desses termos; trata-se de algo muito próximo àqueles que se propõe a estudar com mais afinco a Palavra de Deus.
Exegese significa explicação ou explanação. É a arte de expor, de trazer para fora o sentido de um determinado texto. É um conjunto de técnicas e ferramentas utilizadas para entender e descobrir o significado de um texto.
Já hermenêutica diz respeito à interpretação do texto em si. É a apropriação que se faz do entendimento do conteúdo para aplicá-lo no dia a dia.
A Doutrina e o Catecismo da Igreja Católica
Mas existe no meio do caminho entre a exegese e a hermenêutica um filtro: a Doutrina da Igreja, o Catecismo da Igreja Católica. Esse procedimento de filtrar o estudo bíblico serve basicamente para duas coisas: não permitir os exageros e também ampliar o entendimento quando ele é muito limitado.
É necessário esclarecer a importância de fazermos esse caminho: estudo (exegese), doutrina (catecismo) e aplicação do texto (hermenêutica).
Ler superficialmente um trecho bíblico, sem um mínimo de contextualização e consulta à Igreja, o fará
correr o risco de aplicar o texto de maneira equivocada e causar danos a si e àqueles a quem transmite o seu estudo. Daí a importância desses três momentos: estudo mais cuidadoso (exegese), filtro da doutrina (catecismo) e aplicação no dia a dia (hermenêutica).
Tipos de leitura bíblica
Existem vários métodos de leitura ou abordagens bíblicas que, de uma forma ou outra, influenciam os roteiros ou técnicas que usamos no cotidiano dos estudos da Bíblia. Então, é preciso conhecer melhor alguns deles para que você pense sobre como tem feito o seu estudo e aplicação dos textos da Sagrada Escritura.
Método estruturalista
Esse método distingue-se por defender que na estrutura e na organização do texto está todo o entendimento dele. Para esse método, a estrutura do texto apresenta todo o seu significado.
A leitura estruturalista possui algumas características positivas, às quais se deve prestar atenção. Primeiramente, ela incentiva uma leitura repetida e mais atenta ao texto, o que é essencial para quem se dispõe a entender as Sagradas Escrituras. Dessa forma, essa maneira de estudo ensina a atentar aos detalhes, a pormenores muitas vezes considerados insignificantes na composição e organização do texto (é o que se chama de “ver o que está nas entrelinhas”), abrindo a capacidade de percepção do leitor.
O risco dessa leitura está em prender-se somente ao texto e, consequentemente, esquecer-se das outras coisas que envolvem o processo de escrita, como o contexto, autoria, público alvo etc. Além do mais, corre-se também o risco de se ignorar o filtro da Doutrina, ou seja, o Magistério e a Tradição, na etapa
final, que é a de aplicação do texto no cotidiano. A estrutura e organização do texto realmente revelam
o próprio texto, mas essa leitura não pode ser isolada do contexto e de tudo mais que envolve a produção
escrita, bem como o entendimento do texto bíblico precisa ser feito em comunhão com o Magistério e a
Tradição da Igreja.
Método histórico-crítico
Essa leitura é feita com a historicidade do texto, com seu contexto. Entende os livros bíblicos como escritos há milênios e busca compreender sua evolução. É também crítica, porque analisa o texto
de modo a levantar perguntas e, dessa forma, buscar o maior número de informações, para a partir daí
encontrar as respostas.
A vantagem dessa leitura é que se leva em conta que os textos são a revelação de Deus, mas em situações históricas específicas, considerando a distância temporal, cultural, linguística e circunstancial existente, antes de entender o texto.
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Mas essa leitura também precisa de cuidados, entre eles o de não fazê-la atentando-se meramente ao aspecto histórico, esquecendo-se de que a Bíblia é um livro de fé, das revelações de Deus à humanidade, e enxergando os textos bíblicos simplesmente como história antiga. Outro risco que se corre é o de
estudar demais tudo o que cerca o texto e esquecer o texto em si, ou seja, consultar muitas informações
sobre o contexto e deixar em segundo plano a leitura bíblica, que deve vir primeiro.
Uma leitura crítica possibilita um entendimento mais real do texto sem querer, por exemplo, harmonizar os que são conflitantes, mas antes entendê-los verdadeiramente, enxergar os autores sagrados como pessoas do seu período histórico, que utilizaram as ferramentas linguísticas e literárias de que dispunham para construir os escritos.
Abordagem fundamentalista
Essa leitura é caracterizada por entender cada detalhe da Bíblia no seu sentido literal. Dessa forma, a leitura torna absoluto tudo o que está escrito, defendendo a todo o instante que a Bíblia não apresenta contradições nos textos e não levando em consideração o trabalho humano de composição textual.
Por mais que esse tipo de leitura e entendimento da Bíblia encare com muita seriedade a revelação Divina contida nos textos, ela se torna extremamente perigosa, pois não leva em conta a Sagrada Tradição e o Magistério da Igreja, necessários para o entendimento e aplicação da Palavra. Também não leva em conta a condição humana e tudo o que cerca o trabalho do homem no processo de construção dos textos e, por fim, pode cair no erro da bibliolatria, ou seja, uma idolatria a tudo o que está no texto, colocando a Bíblia e a interpretação literal dela acima de tudo e de todos.
Por esses tipos básicos de métodos e abordagens talvez seja possível refletir como tem sido a sua leitura
ou estudo dos textos bíblicos, qual a ênfase você tem dado para sua análise e entendimento daquilo que lê. E, fazendo essa avaliação, é possível pensar em como essa leitura deve ser feita a partir de agora.
Dicas para uma boa leitura da Bíblia
Podemos notar que todas essas leituras possuem características positivas e também riscos. É necessário assimilar o que cada uma delas oferece de melhor.
1. Ler atenta e repetidamente o texto e buscar seu sentido não somente no que está a nossa vista, mas também no que está nas entrelinhas;
2. Buscar o máximo de informações possíveis acerca do texto, para que a leitura seja contextualizada e realmente de acordo com o que o autor sagrado quer transmitir;
3. Acreditar na revelação de Deus nos textos e na reserva de sentido, ou seja, na constante novidade
que o mesmo texto sempre vai apresentar toda vez que se recorre a ele, porque é Palavra inspirada.
Eis um resumo do que de melhor cada uma as abordagens e métodos apresentados pode oferecer a você.
Trecho extraído do livro “Entenda os textos da Bíblia”, de Denis Duarte