Questionamento

Qual o posicionamento da Igreja em relação à pena de morte?

Precisamos falar sobre pena de morte

“A pena de morte é um símbolo de terror e, nesta medida, uma confissão da debilidade do Estado” (Mahatma Gandhi). O termo “pena” – do grego poine e do latim poena – significa castigo, punição. Pena de morte significa, assim, a punição máxima imposta pelo Estado aos crimes considerados hediondos. Foi instituída com a finalidade de eliminar os delinquentes da sociedade.

A pena de morte é uma sentença aplicada pelo poder judiciário que consiste em retirar legalmente a vida de uma pessoa que cometeu ou é suspeita de ter cometido um crime considerado pelo Estado como suficientemente grave e justo de ser punido com a morte. Também conhecida por pena capital. Os crimes que podem resultar na pena de morte são chamados crimes capitais.

O termo “capital” é derivado do latim capitalis, que quer dizer “referente à cabeça”, na tradução literal. É uma alusão à execução por decapitação, método de execução da pena de morte bastante comum, principalmente na Idade Média.

Qual o posicionamento da Igreja em relação à pena de morte?

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Argumentos usados a favor da pena de morte

A argumentação tradicional a favor da pena de morte não é uma decorrência da , mas da razão. Entre os argumentos a favor, citam-se: há crimes tão hediondos que só a morte resolve; a sociedade não deve trabalhar para sustentar os malfeitores e malfeitoras; só a pena de morte tem valor exemplativo bastante para inibir a violência humana.

– Intimidação, ou seja, a pena de morte inibe os criminosos, previne o crime violento e torna a sociedade mais segura.

– Os indivíduos terão menor propensão para cometer crimes violentos, incluindo o de homicídio, se souberem que poderão ser condenados à morte.

– A pena de morte reduz a criminalidade associada ao tráfico e consumo de drogas.

– Reparação, uma forma de buscar a compensação do mal que se causou à sociedade.

– Legítima defesa social, ou seja, uma forma de defender a sociedade.

– A ameaça de execução é uma estratégia eficaz no combate ao terrorismo.

Argumentos usados contra a pena de morte

– Ninguém tem o direito de privar o outro da vida.

– A prisão perpétua tem suficiente poder de coerção da criminalidade, oferecendo, além disso, a vantagem da plena recuperação do criminoso.

– Pena de morte é inútil, isto é, está comprovado que, onde ela existe, a criminalidade deste gênero não diminui e vice-versa. Não existem quaisquer provas de que a pena de morte tenha um especial efeito dissuasor no que diz respeito à criminalidade. Estudos realizados, por exemplo, nos Estados Unidos da América e no Canadá, comprovam que onde existe a pena de morte não há a redução da criminalidade.

– Muitos crimes são cometidos no calor do momento, o que permite pouquíssima influência das punições na decisão de cometer o crime, visto que os criminosos não esperam ser apanhados e julgados pelos seus atos.

– A aplicação da pena de morte pode ainda fomentar a violência. A execução é a punição mais extrema que um Estado pode impor a uma pessoa. Assim sendo, quando os criminosos cometem um crime punível com a pena capital não têm qualquer interesse em diminuir a sua potencial pena por não cometerem mais homicídios ou crimes adicionais.

– Pena de morte dá mau exemplo. A pena de morte serve apenas para legitimar o uso da força pelo Estado e perpetuar o ciclo de violência.

– Matar um delinquente não é benefício para ninguém. Não repara danos. Leva a inocentar a sociedade.

– Ela é desnecessária. Para defender a sociedade, basta pôr o delinquente em reclusão, tanto tempo quanto for necessário para sua recuperação.

– Com a pena de morte, é sempre possível um erro judicial irreparável. E se, depois da execução, alguém descobrir que o “delinquente” era realmente inocente? Sentença de morte é irreversível, ao contrário de outras punições severas como a prisão perpétua. E erros judiciais ou de investigação acontecem.

– A pena de morte promove uma visão pessimista da vida humana, porque indica uma solução radical, que é contrária à pessoa humana, também porque não acredita na recuperação do delinquente.

– Ela é injusta. Não leva a sério uma sociedade competitiva e consumista que educa e induz seus membros a terem êxito a qualquer preço (é uma sociedade em si violenta e que, por causa de sua estruturação injusta, induz à delinquência). Com isso, afirmamos que eliminar esses delinquentes é um falso puritanismo ou são colocados como “bodes expiatórios”, porque a sociedade não assume a sua parte na culpa.

– É uma solução “anticristã” contra a Palavra de Deus: tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento são a favor da vida (Deus não permite que se mate Caim – Gn 4,15). E Jesus afirma: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (João 10,10).

Obs. A lei do Talião, “Olho por olho, dente por dente…” Ex 21, 33 (Lv 24, 17-20; Dt 19, 21) não tem finalidade de fazer violência; ela busca pôr limite à violência sem limites.

“Por um mundo sem pena de morte” (Papa Francisco)

Papa Francisco afirma que para um Estado de direito “a pena de morte representa um fracasso, porque obriga a matar em nome da justiça”, e “nunca se alcançará a justiça matando um ser humano”.

Francisco afirma ainda que a “pena de morte perde toda legitimidade em razão da defeituosa seletividade do sistema penal e da possibilidade de erro judicial”; e argumenta que a pena capital é um “recurso frequente ao qual lançam mão alguns regimes totalitários e grupos de fanáticos, para o extermínio de dissidentes políticos, de minorias, e de todo sujeito etiquetado como perigoso ou que pode ser percebido como uma ameaça para seu poder ou para a execução de seus fins”.

Além disso, Francisco afirma que, quando se aplica a pena de morte, “mata-se pessoas não por agressões atuais, mas por danos cometidos no passado”, e que ela é “aplicada contra pessoas cuja capacidade de prejudicar não é atual, mas já foi neutralizada”, pois, esses já estão encarcerados.

“Trata-se de uma ofensa à inviolabilidade da vida e à dignidade da pessoa humana que contradiz o desígnio de Deus. Não faz justiça às vítimas, fomenta a vingança”.

O Papa qualifica de “tortura”, tratamento cruel, desumano e degradante a espera entre a sentença e a aplicação da pena, que pode durar vários anos. Segundo o Papa Francisco, a prisão perpétua é definida como “uma pena de morte encoberta”.

O mandamento “não matarás” tem um valor absoluto e abrange tanto os inocentes como os culpados”, declara Francisco.

O Papa Francisco faz um apelo: “Todos os cristãos e pessoas de boa vontade são chamados, hoje, a trabalhar não só para a abolição da pena de morte, mas também com o fim de melhorar as condições das prisões, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas de liberdade”.

Doutrina da Igreja Católica

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil1 (CNBB), ao pronunciar-se sobre a pena de morte, declara sua firme convicção de que Jesus Cristo anunciou o Evangelho da Vida. Conforme a expressão do Papa João Paulo II, (…) toda mensagem do Evangelho de Jesus Cristo revela a afirmação do valor da vida como dom de Deus. E o próprio Cristo assim definiu Sua missão: “Eu vim para que todos tenham vida em abundância” (Jo 10,10).

Punir com a morte os que praticam crimes de homicídio significa assumir a própria violência como forma de comportamento da sociedade. É evidente, porém, que a pena de morte não é a solução para o problema da violência. (…) A pena de morte não permite a reparação do erro, podendo ser a mais iníqua injustiça.

São João Paulo II disse: “Entre os sinais de esperança, há que incluir ainda o crescimento, em muitos estratos da opinião pública, de uma nova sensibilidade cada vez mais contrária à guerra. No mesmo horizonte, coloca-se igualmente a aversão cada vez mais difusa na opinião pública à pena de morte — mesmo vista só como instrumento de ‘legítima defesa’ social —, tendo em consideração as possibilidades que uma sociedade moderna dispõe para reprimir eficazmente o crime, de forma que, enquanto torna inofensivo aquele que o cometeu, não lhe tira definitivamente a possibilidade de se redimir”. Ainda o Papa, “…matar o ser humano, no qual está presente a imagem e semelhança de Deus, é pecado de particular gravidade. Só Deus é dono da vida!”2

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Segundo o Catecismo da Igreja Católica

2261- “O Antigo Testamento sempre considerou o sangue como um sinal sagrado da vida. A necessidade desse ensinamento é patrimônio de todos os tempos. A Escritura determina com precisão a proibição do quinto mandamento: “Não matarás o inocente nem o justo” (Ex 23,7). O assassinato voluntário de um inocente é gravemente contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o proscreve é universalmente válida, isto é, obriga a todos e a cada um, sempre e em toda parte”.

2262- “No Sermão da Montanha, o Senhor recorda o preceito: “Não matarás” (Mt 5,21), e acrescenta a proibição da cólera, do ódio e da vingança. Mais ainda, Cristo diz a seus discípulos que ofereçam a outra face e amem os seus inimigos. Ele mesmo não se defendeu e disse a Pedro que deixasse a espada na bainha”.

2266- “Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor se prive das possibilidades de prejudicar a outros. A este título, o ensinamento tradicional da Igreja reconheceu como fundamento o direito e o dever da legítima autoridade pública de infligir penas proporcionais à gravidade dos delitos, sem excluir, em casos de extrema gravidade, a pena de morte. Por razões análogas, os detentores da autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis”.

2267- “Se os meios não sangrentos bastarem para defender a vida humana contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana”.

Constituição Brasileira

Quanto à Constituição Brasileira, é preciso dizer que permite a adoção da pena de morte, em caso de guerra declarada (vide art. 5º, XLVII, que estabelece: “não haverá penas: de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”…). Portanto, nossa Constituição não permite a adoção deste tipo de pena em nenhuma outra situação que não em caso de guerra declarada.

1 Cf CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Artigo: a pena de morte volta à discussão. Maria Clara Lucchetti Bingemer. Seguna: 23 de janeiro de 2006
2 JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium Vitae. n. 27 e 55.