A busca da espiritualidade deve nos ajudar a sermos cada vez mais livres e senhores dos nossos instintos
Uma das palavras mais usadas nesses últimos tempos é espiritualidade, porque ela nos faz muita falta para o equilíbrio de nossa vida. Dizem os psicólogos que, quando se fala muito de uma coisa, é porque não a possuímos, portanto, somos carentes do que falamos. Não sei se essa teoria está certa, não é minha especialidade. O que posso dizer é que a espiritualidade não é uma teoria que preenche o coração de ninguém.
Para que a espiritualidade se torne algo pessoal deve sair do papel, do campo das ideias e se fazer vida. Somente quem vive olhando para o alto e não se deixando escravizar pelas coisas da terra pode lentamente tornar-se uma pessoa espiritual. Devemos evitar o espiritualismo que nos impede de compreender que a ação é o caminho certo de toda forma de espiritualidade.
Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com
No respeito para todos estes autores que fazem um bem imenso aos que leem, discordo de tudo isso, porque me parece que não pode existir uma autêntica espiritualidade sem uma referência explícita a determinados valores fundamentais como a defesa da vida, da paz e dos direitos humanos.
A liberdade e o caminho espiritual
A busca da espiritualidade não pode nos prejudicar, mas deve nos ajudar a ser cada vez mais livres da matéria e senhores do nossos instintos. A verdadeira espiritualidade é fruto de uma luta corajosa, forte, onde ficamos feridos, arranhados e sangrando, mas não desistimos da luta.
Um dos textos que mais me ajudam a aprender a verdadeira e autêntica espiritualidade é a carta de São Paulo aos Gálatas. Ele nos recorda a beleza da nossa vocação, desse caminho espiritual que devemos percorrer e sempre ter presente na vida. “Fostes chamados para a liberdade”. Somente quem busca a autêntica liberdade se aventura no caminho espiritual.
A liberdade não é como normalmente se entende dentro da linguagem das pessoas no dia a dia. Livre é quem faz o que quer e como bem entende. Há muitos autores que dizem: tenho o direito de ser feliz e de buscar a minha felicidade e realização, portanto, até que não encontre vou buscando; não importa se isso me faz romper os laços da família, do amor, dos compromissos do matrimônio ou do relacionamento familiar, o que vale é a minha felicidade.
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Na verdade, nunca seremos felizes se nos deixarmos dominar pelo egoísmo que está em nós. A liberdade é um sonho duro a ser conquistado e que vai exigindo muito de nós. Essa liberdade nos leva à verdadeira espiritualidade do amor. Reflito, no entanto, sobre o amor, e parece-me que, com os anos que vão chegando, o compreendo mais. Mesmo, quem sabe, por que a memória dos fracassos me faz ver em outra perspectiva o mesmo amor que devo conquistar.
Perceber a necessidade do amor para viver uma dimensão de vida que não pode ser espiritualização de nada, mas sim somente espiritualidade autêntica e vital. Será o mesmo Paulo que vai apresentando uma lista interminável de frutos da carne. São 15 nomeados e outros que ele não nomeia. E todos são causas de perturbações que nos afastam do valor fundamental da vida.
Alicerce da espiritualidade
Há quem ache que viver a feitiçaria ou espiritualismo é espiritualidade, ou quem vive até rancores e domínio dos outros. Pensa que para dominar os demais seja necessário de uma forte espiritualidade. Não há dúvida de que são visões distorcidas da verdadeira e autêntica espiritualidade. Não podemos confundir a espiritualidade no sentido católico do termo, esta não pode ter outro alicerce a não ser Cristo Jesus. Nós queremos ver a vida pela janela do Evangelho e do coração de Deus, por isso o único alicerce de toda a espiritualidade é a Palavra de Deus, que nos alimenta em cada momento.
Paulo diz que os que vivem os frutos da carne não podem entrar no Reino de Deus. Não é necessário termos todos os frutos da carne, é suficiente termos um que nos domine, para não termos acesso à mesma vivência do Reino. Um fruto influencia toda a nossa vida e nos escraviza. Os frutos do Espírito, que são o sinal do autocontrole e do senhorio de nós mesmos, nos fazem entrar na verdadeira liberdade.
Quais são esses frutos do Espírito?
Os frutos do espírito são: caridade, alegria, paz, longanimidade, afabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e continência. Contra esses não há Lei (Gl 5, 22-23). Aqueles que vivem esses frutos do espírito não têm mais lei, porque são orientados pelo amor, e quem ama sabe que jamais poderá fazer o mal nem a si mesmo e nem aos outros.
São João da Cruz, na sua visão de liberdade e plenitude da vida, ensina que quem chega no cimo do monte encontra somente a honra e a glória de Deus, e que para o justo não há lei… O justo tem uma única lei que o orienta: o amor. Esse não lhe permite mais ser escravo de nada nem de ninguém.
O caminho da verdadeira espiritualidade
O caminho da verdadeira espiritualidade é um processo de libertação interior, no qual tudo está debaixo do poder da nossa liberdade e nada mais poderá nos impedir de sermos livres no nosso agir. Na espiritualidade, então, percebemos que é necessário superar as ideologias mágicas que não realizam nada em nós. Por exemplo, a espiritualidade dos perfumes, das cores, do incenso queimado ou das novenas feitas somente pelo intuito de receber a graça e nada mais. São espiritualidades vazias e sem fundamento. É preciso que o Espírito encontre em nós uma resposta e se faça carne.
Deus nos dá um espaço de tempo para vivermos a nossa espiritualidade, e somente nesse espaço de vida que somos chamados a realizar o seu projeto de amor. Não há nada de reencarnação e de caminhos de volta para nos purificar e chegar assim à iluminação. É aqui e agora que a nossa vida deve se realizar. Não há outras vidas nem outra existência, a não ser a vida eterna que se conquista no dia a dia duro e difícil do nosso carregar a cruz, e na luta sem trégua contra o mal que está dentro e fora de nós.
Afinal, o que é espiritualidade?
É um estilo de vida pautado pelo Evangelho, que visa imitar a pessoa de Jesus. Seremos espirituais quando pudermos dizer, com sinceridade, como o Paulo apóstolo: “Não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.
Frei Patrício Sciadini, ocd.