Miséria

O que é a solidariedade?

Compreender a solidariedade como princípio ordenador de instituições e da conduta cidadã elava a capacidade para transformar o que é urgente mudar

A Cáritas Brasileira promove a Semana da Solidariedade, de 7 a 14 de novembro, no amplo contexto da campanha mundial inspirada pelo tema “Uma família humana: pão e justiça para todas as pessoas”. Com simplicidade, está feito o convite à reflexão sobre a realidade da fome e da pobreza no Brasil. Essa pauta tem relevante significação cidadã e indispensável força educativa. A vivência desta Semana da Solidariedade é “oportunidade de ouro” para qualificar a insubstituível sensibilidade social que deve temperar a cidadania. Um tempero que precisa ser renovado no coração dos adultos, cultivado no coração das crianças, na mente e nas convicções dos jovens. Não investir no compromisso com a solidariedade produz lacunas muito sérias nos cenários sociais.

O que é a solidariedade?

O consequente tratamento inadequado e equivocado da natureza, gerando prejuízos e catástrofes muito sérias e a escassez de bens vitais, é uma das consequências da falta de solidariedade que, infelizmente, caracteriza certos comportamentos sociais e políticos. Sabe-se que a sociedade é edificada por instituições e organizações, articulações e contribuições técnicas de todo tipo. No entanto, se o sentido nobre de solidariedade for desconsiderado, as muitas dinâmicas tornam-se fadadas ao fracasso e surgem descompassos diversos, que pesam sobre os ombros de todos, particularmente dos mais pobres e indefesos.

A solidariedade é bem vital e determinante dos rumos da sociedade e, por isso, torna-se indispensável que todos busquem caminhos para superar um gravíssimo problema: o desperdício de alimentos. A Semana da Solidariedade começa no Dia de Mobilização Nacional de Combate à Fome e à Pobreza, 7 de novembro, data que busca a união de todos contra o desperdício e incentiva o apoio à agricultura familiar. A mobilização também pede a efetivação de políticas públicas que garantam o direito à alimentação. Um caminho de grande importância, que inclui metas, exige entendimentos e ações para superar contradições que prejudicam a justiça.

Aqui se desenha um cenário com enormes desafios e exigências, indicando o quanto é necessário aprimorar o tratamento da realidade e a aplicação das políticas públicas. A complexidade dessa realidade não pode justificar indiferenças, desconhecimento e pouco empenho para realizar mudanças que, ao serem adiadas, retardam a urgente e necessária superação da miséria que pesa ainda sobre os ombros de muitos. Ainda que a ONU divulgue que o Brasil está fora do mapa mundial da fome, tendo-a reduzido em 50%; e a extrema pobreza, em 75%, além de ter alcançado a meta dos objetivos de desenvolvimento do milênio com mais de um ano de antecedência, há um exigente caminho a ser percorrido. Este percurso inclui políticas públicas mais audaciosas e emancipatórias, como também não pode dispensar o sentido cidadão de solidariedade que deve mover a mente e o coração de cada pessoa.

As estatísticas não podem permitir acomodação e tranquilidade diante da meta atingida. Enquanto houver um irmão passando fome no Brasil, ou em qualquer canto do mundo, a consciência cidadã deve doer. É muito fácil não se deixar incomodar. Até porque nem sempre se vê, ou até se sabe, a respeito dos que passam fome e são vítimas de injustiças. Apesar dos muitos avanços, ainda temos regiões, não tão longe de nós, convivendo com a fome. Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de indigentes no país cresceu de 10,08 milhões, em 2012, para 10,45 milhões no ano passado. Trata-se de um aumento de 3,7%, o primeiro desde os 10% de 2003. No mundo, 805 milhões de pessoas – uma em cada nove – sofrem de fome crônica, segundo o relatório “O Estado da Insegurança Alimentar” da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Para superar as situações de miséria não bastam ações aleatórias, as iniciativas políticas estratégicas, transformadoras e emancipatórias, precisam ser fundamentadas pelo compromisso cidadão e cristão de combater o desperdício. O volume de alimentos produzidos no Brasil, por exemplo, é 25% superior à necessidade de toda a população do País. Em todo o mundo, segundo as Nações Unidas, cerca de um terço de todos os alimentos produzidos é perdido ou desperdiçado, volume equivalente a mais de 1,3 bilhão de toneladas de comida – e a cerca de um trilhão de dólares, o suficiente para alimentar 870 milhões de pessoas. O modelo de produção, beneficiamento e outros aspectos somados ao desperdício, responsabilidade de cada indivíduo e das instituições, perpetuam a vergonhosa realidade da fome. Sendo assim, cada um é convidado a disciplinar-se, dia a dia. É preciso utilizar os bens da criação na medida necessária, sem excessos.

Compreender a solidariedade como princípio ordenador de instituições e da conduta cidadã elava a capacidade para transformar o que é urgente mudar. E esse entendimento do que é, de fato, solidariedade, levará os cidadãos a terem clareza do débito de cada um para com a sociedade. Que o horizonte desafiador da fome inspire a vivência desta Semana da Solidariedade, para gerar novas posturas e ações. De modo especial, que cada um desperte para o compromisso efetivo com a solidariedade, em gestos grandes e pequenos. Trata-se de nobre sentimento, o único remédio capaz de devolver e manter equilíbrios na sociedade contemporânea.


Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.