Entenda

Viver reconciliado: é o segredo para conviver em paz

Você já ouviu alguma vez a expressão “viver reconciliado”? Para quem convive mais de perto com os missionários, colaboradores e vocacionados da Comunidade Canção Nova com certeza já ouviu!

Pois bem, trata-se de outro Princípio desta série dos Princípios de Vida do Carisma Canção Nova que eu gostaria de  apresentar a vocês como proposta de vida. Todo missionário CN o tem como regra (ou seja, não é opcional), mas como gosto de dizer é um estilo de vivência do Evangelho que cabe na vida de qualquer pessoa que queira viver com radicalidade.

Um dado muito interessante é que, aqui, na Canção Nova, a gente primeiro vive, para depois escrever, ou seja, virou regra porque havia a necessidade. E, se você for bom de lógica, vai perceber que para ter reconciliação é sinal de que houve desavença (vou falar baixinho: teve briga!). Não se assuste, onde tem gente, tem problema. E na Canção Nova não é diferente.

O que é viver reconciliado?

Talvez, você se desiluda com a CN ao me “ouvir” falar assim, ao perceber que, aqui, você não vai encontrar pessoas prontas, perfeitas, santas, mas não tem necessidade de perder a fé no Carisma, não! Eu diria que é justamente isso que o torna ainda mais louvável e interessante, Deus chamou homens e mulheres comuns — iguais a você, seus familiares e amigos —, para uma vivência radical do evangelho, não há mérito em nós, tudo é graça de Deus, nós apenas aceitamos viver este desafio de, apesar das nossas misérias e limites, nos aventurarmos numa vivência autêntica do evangelho.

Créditos: skynesher / GettyImagens / cancaonova.com

Mas vamos lá, quero falar para você o que é esse tal “viver reconciliado” e como ele pode funcionar na sua vida.

Vou tomar aqui a ajuda do bom e velho “Aurélio”: reconciliar é:

1.estabelecer a paz entre; fazer as pazes, congraçar(-se), harmonizar(-se), conciliar(-se).

2.2 (…).

3.transitivo direto; restituir à graça de Deus. “O confessor reconcilia o pecador”.

A partir dessa definição, podemos concluir que viver reconciliado é o mesmo que viver em paz. No entanto, viver reconciliado para o Padre Jonas abarca também outras dimensões, atinge a profundidade do relacionamento humano: é viver em harmonia consigo, com o outro e com Deus.

Um amor profundo

Certo! Mas o que isso tem de diferente para aqueles que já buscam os sacramentos? Bem, assim como no que diz respeito ao pecado que cometemos e confessamos, mas que permanece a sua marca em nós, em um dado momento teremos de apagar essa marca (seja por meio da penitência, indulgências ou no purgatório), para podermos desfrutar da amizade plena com Deus e de sua presença. Também nós, quando não estamos reconciliados com alguém, não basta confessar a causa da desavença, é preciso perdoar o irmão, além disso, é preciso devolver a ele o direito ao meu amor, à minha amizade. Não é isso que Jesus fez conosco na cruz? “Pois Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não levando em conta as transgressões dos seres humanos, e nos encarregou da mensagem da reconciliação” (2 cor 5,19).

Em outras palavras, viver reconciliado é assumir a missão de Cristo na cruz, é subir na cruz com Ele.

O amor a que somos chamados nos lança a um passo mais profundo conforme propõe o Evangelho: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aqueles que vos perseguem e caluniam”. Somos, portanto, convidados a buscar aquele que nos feriu, ofendeu e nos reconciliarmos com ele. Aqui, na Canção Nova, neste momento, juntamos os dois princípios: “viver reconciliado” e a “partilha e a transparência”, e vamos em busca do irmão.

“Qual de vocês que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma, não deixa as noventa e nove no campo e vai atrás da ovelha perdida, até encontrá-la? (Lc 15, 4). Ou ainda, “ Vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão, depois, vem, e apresenta a tua oferta” (Mt 5,24).

É a verdadeira união

Imagine você: diante das realidades de desavenças na comunidade, se a gente simplesmente fosse dizendo assim: “Eu perdoo fulano, mas não quero mais conversar com ele”. Daqui a pouco, você veria os missionários olhando torto uns para os outros, então, no dia que estão fazendo um programa de TV ou outra missão, e esses dois irmãos estivessem juntos na escala, um pregando e o outro cantando, por exemplo, como seria? Como haveria unção, eficácia no seu apostolado? Deus nos livre! Seria o fim.

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O Evangelho nos ensina: “Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá” (Mt 12,25) , agora você entendeu a nossa luta? E isso pode estar acontecendo aí, dentro da sua casa, marido e mulher dividindo o mesmo teto, a mesma cama, e não se perdoam.

Vale deixar claro que temos dons especiais para viver essa radicalidade, o Carisma nos confere uma predisposição para viver desta forma. O Batismo no Espírito Santo nos impulsiona com os dons, tudo o mais é sangue, suor e lágrimas. E ainda tem gente que acha que a espiritualidade do Carisma Canção Nova é fácil. Ela é sim, simples, mas muito exigente, exige radicalidade.

Seguir o exemplo de Jesus na cruz

Eu creio que, se você chegou até aqui, é porque você esteja procurando essa radicalidade na sua vida. Dito isso, reafirmo que você também pode assumir o viver reconciliado na sua vida. No fundo, todos nós desejamos viver em paz e sabemos o que precisamos fazer para isso, mas, muitas vezes, o orgulho não nos deixa tomar a atitude necessária e começamos a dialogar com as justificativas: “Ah, mas foi ele quem me ofendeu!”; “Eu não, ele, se quiser, que venha me procurar”, “Eu já fiz a minha parte”, ou ainda, “Eu lavo as minhas mãos”; “Mas se eu for, ele vai achar que estou admitindo que estava errada, e eu não estava!”.

Percebe que estamos negociando com as nossas justificativas, a partir do nosso orgulho ferido? Não deve ser assim o nosso proceder, se Jesus nos orienta a amar os nossos inimigos, não fica subentendido que devemos dar a vida pelos nossos amigos? O amor que Cristo nos propõe é o da Cruz, e nela se reconcilia o homem com Deus, consigo e com o outro.

Não é um modelo de vida fácil

Viver reconciliado está expresso no mandato de Jesus que diz: “Quem quiser vir após Mim negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9, 23).

Como eu já disse, parafraseando o Padre Jonas, custa sangue, suor e lágrimas! Mas vale a vida. E é assim que o cristão, filho de Deus, tem paz. Aquela “paz que excede todo o entendimento” (Fl 4,7).

É fácil viver assim? Com certeza não é. Mas é simples, basta querer e tomar a cruz de cada dia. Comece reconciliando-se com Deus, pois Ele é “rico em misericórdia” (Ef 2,4), e não se negará a te perdoar, te ouvir, te receber de volta. Depois, vá ao seu próprio encontro, perceba onde está a sua parcela de responsabilidade naquela situação de desentendimento e/ou de pecado. Às vezes, não se trata do que você fez, mas daquilo que você poderia ter feito; daquilo que você poderia ter dito de um jeito melhor ou ainda nem ter dito.

Assuma a sua responsabilidade! E, por último e de forma alguma menos importante, vá ao encontro do irmão, seja humilde, fale; e, depois, escute. Viver reconciliado não se trata de ter razão, mas de ter paz, de quem ama mais. Receba-o de volta. Não se engane: nosso inimigo não é nosso irmão, o nosso inimigo é um só, o demônio, o divisor. Ele quer fazer perder todos os relacionamentos, destruindo a comunhão e o amor.

Aceite o desafio

Eu não sei quem disse, mas eu aprendi, aqui, na Canção Nova: quando perdoamos alguém, nós o libertamos da culpa que ele tinha diante de Deus. Certa vez, Papa Bento disse que “o amor supera a justiça, justiça é dar ao outro o que é dele por direito, o amor é dar ao outro o que é meu”.

Consegue imaginar tudo isso acontecendo dentro da sua casa? Eu consigo! Então, hoje, meu convite para você é este: assuma esse jeito de ser Canção Nova na sua vida, com fé e ousadia. No início, vai ser você e Deus contra o mundo, mas uma pequena porção de fermento na massa leveda a massa toda. E, aos poucos, o amor vai transformando todas as realidades. Em última análise, reconciliação é obra do amor!

Por fim, deixo aqui a dica de uma jaculatória que eu gosto muito e a rezamos geralmente após a comunhão que diz: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso, na Canção Nova, acrescentamos: fazei-nos viver o amor e a reconciliação”.

Deus abençoe você e viva em paz!


Carla Picolotto

Carla Picolotto é natural de São José das Missões (RS). Membro da Canção Nova desde 2009, Carla passou pelas missões de Lavrinhas (SP), Cachoeira Paulista (SP), Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE) e Queluz (SP). Neste último, ela fez parte da equipe de Formação do discipulado. Atualmente, está na missão de São José dos Campos (SP).