Nas últimas décadas, o cuidado com o meio ambiente vem tornando-se um objetivo primordial para a humanidade. Hoje, não se aceita mais a ideia de que o desenvolvimento econômico e social acontece independentemente de uma preocupação com a manutenção do meio ambiente. Em nossos dias, torna-se cada vez mais urgente a busca por um desenvolvimento sustentável, com o equilíbrio entre a atividade econômica, o bem-estar social e a preservação do meio ambiente.
Toda a criação é obra de Deus. O ser humano faz parte dessa criação, tem sua dignidade própria de ser criado à “imagem e semelhança de Deus”, não está fora do que o Papa Francisco denomina de “ecologia integral”, “proponho que nos detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais¹”, ou seja, toda criação merece respeito e cuidados. O ser humano, além de criatura mais perfeita do cosmo, ainda elevado à condição de filho amado de Deus, recebeu a terra e todo o universo como um presente de Deus para que a tenha como sua casa.
O Papa Francisco e o meio ambiente
Preservar o meio ambiente é a condição essencial de sobrevivência da humanidade, pois existe uma íntima interdependência entre os organismos vivos. O Papa João Paulo II, em sua mensagem para a jornada mundial da paz, afirma que a existência de uma crise ambiental deve ser vista pela perspectiva de uma “profunda crise moral, da qual a deterioração ambiental é um dos aspectos mais preocupantes2”.
Ao longo da história, na relação do ser humano com a natureza, o homem não almejou mais apenas compreender, contemplar a natureza, mas conhecer as suas leis para poder dominá-la e explorá-la em seu conteúdo: “dominai sobre os pássaros, os répteis (…)” (Gn 1,28). Afirma o Papa Francisco: “se, às vezes, uma má compreensão dos nossos princípios nos levou a justificar o abuso da natureza ou o domínio despótico do ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a violência, nós, crentes, podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que devíamos guardar” (LS, n. 200).
Com a Encíclica Laudato Sì (LS), o Papa Francisco convoca a humanidade para agir em favor de uma ecologia integral, da natureza e do homem na sua totalidade, porque a exploração do meio ambiente, numa atitude de egoísmo, indiferença, exploração, com estilos de vida irresponsáveis estão ameaçando o futuro da humanidade. Além dessa preocupação, o Papa fala de esperança, na urgência de preparar um amanhã melhor para todos. Das mãos de Deus recebemos um jardim, um paraíso; não podemos deixar um deserto para os que virão.
O grande desejo do Papa é que todas as comunidades se tornem “totalmente sustentáveis, no espírito da ecologia integral”: famílias; paróquias e dioceses; escolas e universidades; hospitais; empresas comerciais e agrícolas; organizações, grupos e movimentos; e institutos religiosos. Como afirma São João Paulo II: “O empenho do crente por um ambiente sadio nasce diretamente da sua fé em Deus criador, da consideração dos efeitos do pecado original e dos pecados pessoais, e da certeza de ter sido redimido por Cristo. O respeito pela vida e pela dignidade da pessoa humana inclui também o respeito pelos seres criados e o cuidado a ter com eles, pois são chamados a unir-se ao homem para glorificar a Deus3”.
Cinco ensinamentos deixados por Francisco
Enumero abaixo cinco ensinamentos do Papa Francisco sobre a relação do homem com o meio ambiente. Vou deixar que o próprio Papa nos ensine através dos seus escritos.
1- A missão de reconstruir a nossa casa comum – o homem deve agir em prol de uma ecologia integral em favor da natureza e do homem na sua totalidade.
“O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum” (LS, n. 13).
“Tudo está interligado. Por isso, exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade” (LS, n. 91).
2- Traçar um caminho de ecologia integral em todos os níveis da sociedade.
“Precisamos de nova solidariedade universal. ‘São necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus’. Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades” (LS, n. 14).
“Há esperança. Todos podemos colaborar, cada um com a própria cultura e experiência, cada um com as próprias iniciativas e capacidades, para que a nossa mãe terra retorne à sua beleza original e a criação volte a brilhar novamente segundo o plano de Deus.” (Mensagem do Papa Francisco durante o lançamento da Plataforma de Ação (Laudato si’ Action Platform) – 25 de maio de 2021.
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3- Conversão ecológica global – uma sã relação com a criação como dimensão da conversão integral da pessoa.
“A destruição do ambiente humano é um fato muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação. Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas ‘nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades’. O progresso humano autêntico possui um caráter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve prestar atenção também ao mundo natural e ‘ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado’. Assim, a capacidade do ser humano transformar a realidade deve desenvolver-se com base na doação originária das coisas por parte de Deus” (LS, n. 5).
“Conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (LS, n. 217).
4- Formação das consciências.
“A educação ambiental tem vindo a ampliar os seus objetivos. Se, no começo, estava muito centrada na informação científica e na consciencialização e prevenção dos riscos ambientais, agora tende a incluir uma crítica dos ‘mitos’ da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus. A educação ambiental deveria predispor-nos para dar este salto para o Mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo. Além disso, há educadores capazes de reordenar os itinerários pedagógicos duma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão” (LS, n. 210).
“Compete à política e às várias associações um esforço de formação das consciências da população. Naturalmente, compete também à Igreja. Todas as comunidades cristãs têm um papel importante a desempenhar nesta educação. Espero também que, nos nossos Seminários e Casas Religiosas de Formação, se eduque para uma austeridade responsável, a grata contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente” (LS, n. 214).
5- Pecado contra a natureza e contra Deus.
“A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8, 22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos” (LS, n. 2).
“Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas úmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar… Tudo isso é pecado… Porque um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus” (LS, n. 8).
“A existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado. A harmonia entre o Criador, a humanidade e toda a criação foi destruída por termos pretendido ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecer-nos como criaturas limitadas” (LS, n. 66).
Referências Bibliográficas:
1 FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Sì. Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Loyola/Paulus, 2015, n. 137). A partir deste ponto será “LS”.
2 JOÃO PAULO II. Mensagem para a jornada mundial da paz, 1a de janeiro de 1990, “Paz com Deus criador, paz com toda a criação”, n. 5.
3 JOÃO PAULO II. Mensagem para o dia mundial pela Paz 1992, n. 16.