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Edith Stein, uma alma em busca da verdade

É com muita alegria e gratidão que iniciamos, hoje, essa coluna formativa a respeito dessa grande mulher, Edith Stein, Santa Teresa Benedita da Cruz. Como apresentá-la?

Vamos percorrer a vida de Edith Stein por meio de suas próprias palavras, utilizando, principalmente, os seus escritos autobiográficos (‘Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos’. Paulos, 2018). Mas, inicialmente, vamos nos valer das palavras de nosso saudoso São João Paulo II nas homilias de beatificação e
canonização dessa Santa, identificada por ele como personificação da “síntese dramática de nosso século (XX); acima de tudo, a síntese de uma Verdade plena acerca do homem” (Em nome de Deus, em nome da Igreja, em nome da humanidade. Papa João Paulo II. EDUSC, 1998).

Edith Stein, uma alma em busca da verdade

Imagem ilustrativa.

Conhecendo quem vai nos apresentar Edith Stein

Antes de falar de Edith Stein, preciso falar de mim, pois tenho a pretensão de servir de intérprete dessa santa-filósofa, e sinto necessidade de justificar uma tal pretensão. Eu me chamo Maria Cecilia. Nasci, em 1963, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de pais católicos, descendentes de imigrantes italianos. Naquele período, a Igreja Católica buscava um “aggiornamento” por meio do Concílio Vaticano II, e o Brasil estava mergulhado em tempos sombrios de polarizações, ditadura e lutas ideológicas. O mundo, especialmente o Ocidente, buscava uma nova identidade depois do fracasso evidente da humanidade em conduzir o seu próprio destino, por causa das duas grandes guerras mundiais.

Aos 11 anos de idade, fiz o meu primeiro “retiro” espiritual junto a colegas da escola de dominicanas onde eu estudava, Santa Rosa de Lima. Foi um encontro e um apaixonamento por Jesus, seguido de uma imensa vontade de conhecê-lo melhor lendo as sagradas escrituras, tanto o Novo quanto o Velho Testamento. Não me senti chamada à vida religiosa, mas a uma vida autêntica e verdadeira no mundo, como leiga, dando testemunho de Cristo em palavras e ações, com uma vida coerente ao que aprendia com o Mestre.

Esse primeiro amor durou até os meus 20 anos, quando me deparei com seminaristas e religiosos que acreditavam que a opção por Cristo deveria passar exclusivamente por uma opção radical pelos pobres, levada a cabo por meios violentos, se necessário. Não tendo encontrado na Bíblia, especialmente nos relatos dos Evangelhos, o que justificasse essa atitude, fui questionar religiosos(as), padres e até o bispo. Mas aquele início dos anos 80, também eles estavam buscando as mesmas respostas. O clima político brasileiro gerado nos tempos da ditadura e da consciência da crescente desigualdade social ofuscava ainda mais o cenário pós-concílio, deixando todos sem saber muito bem como acolhê-lo e, especialmente, traduzi-lo em ações concretas.

Tornei-me agnóstica

Assim como Edith Stein, mas não tão precocemente quanto ela, decidi que iria seguir apenas o que fosse verdadeiro e incontestável. Passei a desacreditar na Igreja e em Deus, pois o conhecimento da Bíblia me impedia de conceber um Deus que não fosse Cristo, e um Cristo desconectado da Sua Igreja. Logo, tornei-me agnóstica. Não ateia, pois não via sentido combater a religião, mas apenas me dizia que não havia meios para provar a sua veracidade, e era melhor buscar uma solução para os problemas da humanidade em outro lugar.

Encontrei esse lugar no curso de Filosofia, cursado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Optei por me aprofundar na filosofia ética e política, buscando descobrir um fundamento sólido para a bondade, liberdade e responsabilidade dos seres humanos. Logo, descobri um autor que me fez ver o mundo e a mim mesma por um outro ângulo, G.W.F. Hegel (1770-1831). Encontrei nele um discurso que trata do que é essencial, semelhante ao que eu havia intuído por meio da leitura da Bíblia. Os professores, que inicialmente me introduziram na filosofia de Hegel, afirmavam que em seu discurso, apesar de ele mesmo ter sido formado em um seminário protestante, os elementos espirituais e místicos podiam ser abstraídos, ou melhor, substituídos pela ação política ética e moralmente bem fundamentada.

Não preciso dar detalhes, mas como todo “humanismo ateu” o argumento não demorou mais de alguns anos para mostrar as suas insuficiências e contradições. O próprio pensamento de Hegel, contrariamente ao que Marx e outros tantos intérpretes pensaram, não se mantém sem se alicerçar na encarnação de Cristo, pedra fundamental de todo o seu sistema, personificação do “Saber absoluto”.

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Minha volta para a vida na Igreja

Em plena crise, fazendo o meu doutorado sobre a Fenomenologia do Espírito em Paris, na Sorbonne, conheci o meu atual esposo e sua família, muito católica. Depois de muitos percalços, gravidez de risco, impossibilidade de defender a minha tese no tempo mínimo pedido, ter sido obrigada a retornar ao Brasil sem meu diploma, reaproximei-me de Deus e da Igreja. As várias frustrações no campo acadêmico e a dificuldade em me organizar para dar aulas com dois filhos pequenos, com 1 e 3 anos, obrigaram-me a postergar em alguns anos a atividade docente e de pesquisa, embora nunca tivesse parado de ler e estudar. Envolvi-me na vida de minha paróquia e passei a frequentar um grupo da Renovação Carismática no condomínio onde fui morar, em São Paulo.

Acabei conhecendo o Carmelo e o Padre Patrício Sciadini, OCD, que estava montando um curso de espiritualidade carmelitana para leigos, na paróquia de Santa Terezinha, em São Paulo. Lá ficavam os estudantes religiosos e padres que retornavam de seus mestrados e doutorados no exterior, e aguardavam para serem remanejados para os locais onde eles iriam atuar. Foram três anos onde, além da grande riqueza dos santos carmelitas, Frei Patrício me fez conhecer e amar os documentos dos Papas. Lembro como se fosse hoje quando ele nos apresentou, poucos dias depois de ter sido anunciada por João Paulo II, a Encíclica Novo Millennio Ineunte (No início do nosso milênio) de 2000. Foi um grande tesouro da Igreja se revelando para mim, como a abertura de um baú, “onde um pai da família sabe tirar coisas novas e velhas” (Mt 13, 52). A partir daquele momento, eu não parei mais de acompanhar os documentos que saíam, se não os lendo na íntegra, ao menos procurando conhecer os pontos principais.

Nesse momento, a filosofia já estava muito distante para mim. Havia conhecido, no curso do Carmelo, Santa Teresa Benedita da Cruz, principalmente por causa de sua canonização em 1998, mas a via como uma carmelita que havia “superado” a sua formação filosófica, como aquele personagem da parábola que encontra uma pérola de grande valor, “vai, vende tudo o que tem e compra aquele terreno” (Mt 13, 44). Desse modo, sem me dar conta, eu vivia cada vez mais uma cisão interior, quase que uma “esquizofrenia” entre a minha formação filosófica e a minha formação e vivência da fé. Eu me sentia infeliz e não sabia o porquê, visto estar cuidando de minha família e também muito engajada na vida de minha paróquia, além de ajudar os seminaristas de minha diocese que tinham dificuldade com os estudos de filosofia.

Filosofia e vida espiritual

A Providência Divina veio em meu auxílio, pois conheci um irmão religioso que, sabendo de meus estudos de filosofia, quis conversar comigo. Quando lhe disse que a filosofia era, para mim, “vaidade, nada mais que vaidade” (Ecl 1,2), ele me sugeriu ler a conferência do então Cardeal Ratzinger, “Verdade do cristianismo?”, proferida na Sorbonne – onde eu havia estudado – para um grupo de intelectuais. Aquela conferência, que depois foi publicada no livro de 2005 de Joseph Ratzinger / Bento XVI: “Fé, verdade e tolerância” (São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio, 2007) operou uma verdadeira “conversão” do meu olhar e de tudo o que eu havia refletido até então com respeito à relação entre a filosofia e a vida espiritual.

Em seguida, fui aconselhada, pelo mesmo religioso, a ler a encíclica de João Paulo II, Fides et Ratio, de 1998, que me deu as bases de que precisava para operar uma síntese (dialética), sem desconsiderar as diferenças, entre a minha formação filosófica, onde busquei a verdade por meio da razão natural, e a minha vivência de fé e formação espiritual, onde busquei compreender a verdade de Cristo vivenciada, para poder transmitir aos outros. Pude, assim, fazer um verdadeiro “retorno ao primeiro amor”, quando havia conhecido a pessoa de Jesus Cristo sem cisões e preconceitos racionalistas.

Pouco tempo depois, quando a Edith Stein, fenomenóloga, foi apresentada a mim pela Irmã Jacinta Turolo Garcia, em um congresso da ordem carmelita descalça secular, em 2002, eu pude “dar nome” a todas as minhas experiências vividas, reconhecendo-as como partes de um percurso doloroso, mas necessário, em busca dessa unidade interior que Deus quer conceder para todos e cada um de seus filhos. Mas isso já é parte de uma outra história, mais interessante e profunda do que a minha: a da própria Edith em seu percurso da razão e da fé.

Siga-nos nessa coluna, onde publicaremos quinzenalmente. E se quiser conhecer mais a nossa querida Edith, entre no nosso site: edithstein.com.br