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Nada é pecado se me faz feliz... Será mesmo?

Outro dia eu entrei numa loja e enquanto era atendido pela vendedora, notei que havia uma frase tatuada ao redor do seu braço, mais ou menos na altura do bíceps. Quando bati o olho, vi que começava com “nada é pecado…” e adivinhei como terminava de imediato. Enquanto ela prosseguia o atendimento, pude observar o resto da frase e comecei a refletir acerca do motivo que levaria alguém a tatuar uma declaração dessas no próprio corpo, num lugar onde qualquer um poderia ler – desde que ela não usasse roupa de mangas compridas. Seria uma resposta para alguém ou uma mera tentativa de convencer a si mesma de que aquilo era verdade? Abandonei logo essas elucubrações porque elas não me ajudavam na minha própria conversão, já que enveredavam demais pela linha da mera curiosidade. Ademais, eu não tinha como confirmar qual a hipótese correta (a não ser que eu perguntasse à moça, o que não faria nenhum sentido).

Nada é pecado se me faz feliz... Será mesmo?

Foto ilustrativa: blackred by Getty Images

Existe felicidade por meio do pecado?

Comecei então a divagar na seguinte direção, refletindo mais sobre mim mesmo e a minha caminhada rumo à santidade: por que é tão difícil para nós (pelo menos para mim) compreender que a “felicidade” obtida por meio do pecado não é verdadeira – pelo contrário, é uma ilusão que só traz tristeza e dor – e que a felicidade real é afastar-se do pecado, o que implica necessariamente uma vida de renúncia, humilhação, sofrimento e (também) dor? Há muitas respostas possíveis. Para começo de conversa, é porque isso tudo soa como uma loucura, nem parece fazer sentido. O que me dá prazer é ruim e o que me faz sofrer é bom? O mundo não consegue entender a linguagem da cruz, como disse São Paulo. Além disso, estamos no mundo, cheio de sensações e prazeres, que tenta nos convencer de que importa somente o aqui e o agora, e como não somos anjos, nosso corpo é muitas vezes arrastado e se deixa governar pelos sentidos. Scott Hahn faz um alerta importante nesse sentido: “Quando nos viciamos em um pecado, nossos valores viram de ponta-cabeça. O mal se torna nosso ‘bem’ mais indispensável, nosso anseio mais profundo; o bem representa um ‘mal’ porque ameaça impedir-nos de satisfazer nossos desejos ilícitos”1. Talvez você conheça alguém (Deus queira que não seja você mesmo!) que esteja tão viciado num pecado que faz de tudo para defendê-lo, até “chamar o bem de mal e o mal de bem”, algo condenado lá atrás pelo profeta Isaías2. Quando a pessoa está nessa situação, é comum que ela se dirija com agressividade a quem não compartilha do seu vício: “Fulano se acha melhor do que os outros”. “Ele exagera demais, tudo agora é pecado”. “É um recalcado, eu duvido que ele seja feliz de verdade como eu sou”. Com o tempo, a pessoa vai subvertendo de tal modo seus valores que sentirá orgulho da vida de pecado que leva, como está expresso naquela canção que diz que “tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda”3.

Outra abordagem para essa questão passa pela virtude teologal da fé. De maneira mais específica, uma pessoa que diz para si mesma que “nada é pecado se me faz feliz” não acredita numa das promessas mais belas de Jesus para nós: “Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não, eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar. Quando eu for e o tiver preparado, voltarei para levar-vos comigo, para que estejais onde eu estou”4. Esse é o ponto central: Jesus nos prometeu a vida eterna num lugar preparado  especialmente por ele, mas nós não cremos nisso, não cremos no céu. Ao menos, não cremos no céu como ele verdadeiramente é: incomparavelmente superior à realidade em que vivemos no mundo. Talvez pensemos na vida eterna como um jovem totalmente sedentário que é apaixonado por doces e ouve sempre dos pais e dos mais velhos que ele tem que se cuidar, porque na velhice a má alimentação e a falta de exercício físico vão cobrar seu preço. O jovem até vê que isso faz sentido, que eles têm razão, mas cada vez que vê uma sobremesa diante de si, não consegue resistir, e diz a si mesmo: “Eu vou viver o resto da minha vida sem comer um docinho? Que vida infeliz vai ser essa!” Muitas vezes, a vida eterna é vista por nós assim, como algo distante e até bom, mas não tão bom que valha a pena fazer qualquer sacrifício hoje, agora.

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Deixe de ser criança!

Vou além na comparação, e para isso apresento-lhes Cecília, minha filha mais nova, que tem um ano e meio de idade. Muitos dos que vivem como se o pecado trouxesse felicidade agem como ela, que está descobrindo o mundo, as coisas, as sensações. Tudo é novidade, tudo é uma maravilha. Tendo vivido até pouco tempo num apartamento, agora, que moramos numa casa, uma das suas distrações favoritas é sentar-se no chão e ficar brincando com os dedos enfiados na terra. Qualquer coisa que Cecília consiga alcançar torna-se um brinquedo: pratos, facas, vassoura, água suja… Nem preciso dizer que tipo de brincadeira ela pode fazer com a fralda suja, se tiver oportunidade. Observando-a enquanto apronta qualquer uma dessas coisas, não é difícil notar que ela está se sentindo feliz. Meu Deus, como ela vibra quando alguém vacila, deixa a porta do banheiro aberta e ela consegue brincar com a água do vaso sanitário (se você tem filhos ou convive com crianças pequenas, sei que não se escandaliza com isso, pois é uma das coisas que elas mais gostam de fazer).

“Nada é pecado se me faz feliz”. Cecília vive sob essa lei, assim como muitos e muitos católicos por aí, talvez até você e eu, em relação a alguns “pecados de estimação”. A diferença é que ela é um bebê que não tem consciência do que é certo nem do que é errado, do que é saudável ou do que é perigoso, enquanto nós somos marmanjos, uns com vinte, outros com trinta, outros ainda com mais de meio século de vida! Nosso comportamento é de bebês, quando, a julgar pelo tempo, já devíamos ser mestres, como nos ensina São Paulo5! Somos adultos no corpo, mas crianças no Espírito. Vivemos para o corpo, para as sensações, e com essa postura, desprezamos o melhor lugar, preparado para nós por Jesus pelo preço do Seu Preciosíssimo Sangue. Olhe para você mesmo com a seriedade de um adulto, não com a condescendência com que olhamos para bebês. Tenha a humildade de reconhecer que talvez você tenha se tornado viciado em algum pecado e por isso hoje é incapaz de saber o que é melhor para a sua vida. Peça a Deus a graça de crescer de fé em fé, para deixar de ser criança no entendimento das coisas e receber alimento sólido. Assim, tornando-se pouco a pouco um adulto, você será capaz de distinguir o bem do mal e compreender que a felicidade verdadeira está somente em Deus.

Referências:

1 O Banquete do Cordeiro, Scott Hahn.
2 Isaías 5,20.
3 Ilegal, imoral ou engorda, canção de Roberto Carlos.
4 João 14,2-3.
5 Hebreus 5, 12.