entenda

Deus tem um amor erótico por você

Talvez, esse título tenha lhe causado uma certa surpresa: “Deus tem um amor erótico por você”. Por que tal expressão em uma página religiosa? A admiração deve ter vindo da confusão que há, em nossa mente, entre o que é “eros” e o que é “porneia”. Do grego, a primeira deu origem à palavra “erotismo” e a outra à “pornografia” e às suas respectivas variações. Então, vamos elucidar.

Em sua bela Encíclica Deus Caritas Est (DCE), o Papa emérito Bento XVI explica que, na tradição grega, o eros seria o “amor ascendente, ambicioso e possessivo”. O Deus Eros, do amor e do erotismo, levaria os homens ao inebriamento e a uma “loucura divina”, associados aos cultos de fertilidade e do corpo.

Uma forma de religião fortemente colocada em oposição pelo Antigo Testamento ao reafirmar a crença no Deus Único, e combatendo o eros como “perversão da religiosidade”. Entretanto, como ainda apresenta Bento XVI, os autores sagrados não rejeitaram a essência do eros, mas se opuseram à sua subversão devastadora, que o privava de sua dignidade e humanidade. Ou seja, contestaram a corrupção do eros que, na realidade, seria a “porneia” ou a fornicação e relação ilícita com o corpo.

Já na tradição cristã, no Novo Testamento, o “eros” não foi mencionado, apenas o amor “ágape”, que seria aquele oblativo e de doação, e tornou-se o termo característico para a concepção bíblica do amor. Seria o amor disposto ao sacrifício, à oferta pelo outro e renúncia de si mesmo, sendo o modelo perfeito Jesus Cristo, em seu sacrifício na Cruz.

Deus tem um amor erótico por você

Foto ilustrativa: PaulCalbar by Getty Images

Desse modo, percebeu-se, ao longo dos séculos, uma profunda polarização entre eros e ágape, entre corpo e alma, como se o cristianismo fosse o grande adversário da corporeidade. A crítica, portanto, não é ao eros, mas ao eros degradado, que reduz o corpo humano à mera mercadoria e o deixa desintegrado à alma. E quando se privilegia, o corpo em detrimento da alma ou vice-versa, os efeitos podem ser os extremismos e radicalismos: “se o homem aspira ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade. E se ele, por outro lado, renega o espírito e, consequentemente, considera a matéria, o corpo, como realidade exclusiva, perde igualmente a sua grandeza” (DCE, nº5).

Então, onde está o amor erótico de Deus?

O eros, em sua originalidade, está intrinsecamente relacionado ao amor de Deus. Denota o amor desejante de Deus por cada um de seus filhos, uma paixão “esmagadora” que enxerga cada ser como único e exclusivo. Em muitos livros da Sagrada Escritura, esse amor se expressa em metáforas de casamento e matrimônio.

Se podemos resumir a Bíblia, esta síntese seria: Deus quer casar com a humanidade! Quer conduzir cada homem e cada mulher à comunhão plena com Ele na eternidade, um anseio do Senhor expresso no livro do Apocalipse: “Felizes os convidados para a ceia das núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9). Afastar-se do Senhor e dar vazão à idolatria seria, por conseguinte, adultério e prostituição.

Vejamos outras passagens bíblicas que falam sobre a vontade de Deus de casar-se com a humanidade:

“Assim como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a alegria de seu marido, tu farás a alegria de teu Deus.” (Is 62,5)

“Cresceste. Ficaste moça. Teus seios se formaram, veio-te o pelo. Mas estavas nua, inteiramente nua. 8.Passando junto de ti, verifiquei que já havia chegado o teu tempo, o tempo dos amores. Estendi sobre ti o pano do meu manto, cobri tua nudez; depois, fiz contigo uma aliança ligando-me a ti pelo juramento – oráculo do Senhor Javé – e tu me pertenceste.” (Ez 16,7-8)

“Eu a desposarei para sempre, conforme a justiça e o direito, com benevolência e ternura. Eu a desposarei com fidelidade e conhecerás o Senhor.” (Os 2,21-22)

Como ainda destaca o Papa emérito, os profetas Oseias e Ezequiel descrevem essa paixão de Deus pelo seu povo com “arrojadas imagens eróticas”. Um amor fiel que nos deseja tanto, a ponto de Deus ter criado todas as coisas e as submeter ao homem, como narrado no livro de Gênesis; ter feito sua aliança, transmitido a Lei de Seu Reino e ter mandado profetas para anunciar a predileção do Senhor. E, na plenitude dos tempos, enviou Seu Filho Amado para se fazer um com a humanidade. Para viver todas as realidades humanas, exceto no pecado, e trazer a salvação. O madeiro da Cruz foi a plenitude do eros e do ágape: o desejo apaixonado e extático de Jesus que O levou à entrega total de si mesmo.

Um amor tão “louco”, que, além da doação absoluta, perdoa e nos quer vivendo essa mesma realidade. Entretanto, o erotismo no ser humano, que traz a marca do pecado original, necessita de ser purificado, amadurecido e totalmente integrado ao ágape. Uma cura, tendo em vista a sua verdadeira grandeza, já que o “eros quer-nos elevar ‘em êxtase’ para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas, por isso mesmo, requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos”. (DCE, nº5)

Amor ascendente e amor descendente

E ainda: “Eros e ágape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral” (DCE, nº7).

Deus é Deus e revela que Ele próprio é este amor verdadeiro e integral, mesmo que o homem seja infiel e adultere o sentido do eros e ágape: “Como te abandonarei, ó Efraim? Entregar-te-ei, ó Israel? O meu coração dá voltas dentro de mim, comove-se a minha compaixão. Não desafogarei o furor da minha cólera, não destruirei Efraim, porque sou Deus e não um homem, sou Santo no meio de ti” (Os 11,8-9).

Agora sim, você pode ler, tranquilamente, ou melhor, proclamar com alegria: “Deus tem um amor erótico por mim”. Ele ama você, Ele o deseja e que viver em comunhão plena com você.

banner_tenha um otimo dia