estamos em guerra - parte III

Quantas vezes você mesmo foi o seu maior inimigo?

Nos três primeiros artigos desta série, incluindo este, abordamos os três grandes inimigos do Cristão. No primeiro, tratamos de um inimigo azucrinante e persistente que está sempre no nosso encalço: o pecado. No segundo, foi a vez de falarmos daquele que é o próprio tentador, o pai da mentira: satanás. Neste terceiro artigo, falaremos de outro forte oponente que cada um de nós tem: nós mesmos.

Quantas vezes você mesmo foi o seu maior inimigo?

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Você já parou para se perguntar quantas vezes você mesmo foi o seu maior inimigo?

De início, quero citar o sétimo capítulo da carta de São Paulo aos Romanos. Nele, Paulo apresenta magistralmente a constante luta que travamos contra nós mesmos. Trata-se de uma luta diária e sem trégua, uma batalha entre o homem espiritual e o homem carnal. Embora, no versículo 18, o próprio Paulo reconheça que o “querer bem” está ao alcance de todos, porém, praticá-lo não está.

Esse combate interior leva Paulo a uma constatação pouco confortável para quem deseja seguir a Cristo e aos seus ensinamentos, ei-la: “Não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero”. Quem de nós nunca experimentou esse impulso que nos leva a fazer o mal que não queremos e a não fazer o bem que tanto almejamos? Afinal, qual seria a origem desse arroubo para o mal?

O mito dos cavalos velozes e do cocheiro de Platão

Para nos ajudar a entender melhor esse impulso mal que nos persegue, quero narrar, em poucas palavras, um dos mais belos e conhecidos mitos gregos: o “mito dos cavalos alados” ou “mito do cocheiro”. Essa alegoria foi escrita pelo filósofo Platão (427 a.C.) e relata o grande desafio que o ser humano enfrenta para dominar a si mesmo.

Segundo esse mito, os seres humanos seriam os condutores de uma bela e veloz carruagem. Essa é puxada por dois cavalos muito distintos entre si. Um deles, belo e corajoso, representaria o lado dócil e honesto do ser humano, dotado de sobriedade e de pudor. Esse cavalo não deve ser maltratado, e sim dirigido pela voz de comando e pela palavra. Esse cavalo tende a apontar para o Céu (para Platão, o mundo das ideias).

O outro cavalo, por sua vez, é oposto ao primeiro. Mau, disforme, pesado e amante dos excessos. Segue o seu caminho sem firmeza e com o pescoço baixo. É amigo da soberba e da devassidão. Esse obedece, apenas e a contragosto, ao chicote e ao açoite do cocheiro. Você consegue identificar esse “cavalo” dentro de você?

Temos aqui uma belíssima analogia. Nossa alma seria essa carruagem puxada por esses dois cavalos que tem por cocheiro a razão humana. Ela, a razão, é quem deve conduzir essa carruagem para o bem e para a virtude.
Nosso “eu rebelde” precisa ser tratado com rigor.

Contei esse mito, de uma maneira parcialmente trabalhada, para dizer: precisamos lutar e dominar o nosso “eu rebelde”, o homem velho, esse cavalo xucro que portamos no nosso interior. E, se for preciso usar de um chicote para dominá-lo, use. Não foi por acaso que Nosso Senhor disse que o Reino dos Céus é arrebatado à força e são os violentos que conseguem conquistá-lo (cf. Mt 11, 12).

Contra quem combatemos?

O Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 2725, traz um questionamento: “Contra quem combatemos?”. Ele mesmo responde: “contra nós mesmos e contra as astúcias do Tentador”, que quer nos desviar cada vez mais de Deus. E, por falar no Tentador, em muitos momentos somos tentados a colocar a culpa no outro pelo fato de não estarmos conseguindo escolher pelo bem.

Você já reparou que é muito mais comum achar que o outro é que nos leva a fofocar, a murmurar, a pensar o mal, a pecar? Temos muito mais facilidade em apontar o outro enquanto instigador do nosso pecado, sendo que, deveríamos reconhecer que pecamos porque somos falhos. Parece que a todo tempo estamos buscando justificar o mal que cometemos. Temos muita facilidade de enganarmos a nós mesmos e de sermos militantes da nossa própria causa.

Afinal, enfrentar ou não enfrentar?

Dificilmente conseguimos suspender os juízos, recuar alguns passos e olhar para dentro de nós com o olhar da razão. Isso seria o mesmo que causar sérias avarias na nossa autoimagem. Seria, em muitos casos, insuportável. Se o fizéssemos, descobriríamos egoísmos, fragilidades, mesquinharias, pecados. Essa situação seria inconveniente torturante para quem se considera o “super-homem” ou a “mulher maravilha”.

Quem acompanhou os dois primeiros artigos se lembrará de que tratamos, até o momento, de dois inimigos externos a nós: o pecado e o seu tentador. É muito fácil, aliás, animar o cristão a batalhar contra esses dois oponentes, afinal, eles são bem evidentes. Esse tipo de estímulo gera, na maioria de nós, uma espécie de assentimento coletivo e de união geral com uma causa tão nobre como essa. E deve ser assim!

Contudo, é preciso dar um passo a mais! É muito mais fácil enfrentar um oponente externo, porém, enfrentar um oponente interno pode não ser tão fácil assim. Em outras palavras, encarar ou enfrentar (com verdade) os nossos próprios fracassos é uma tarefa para poucos. Somente os que abraçaram verdadeiramente essa causa, mais ainda, essa missão, conseguem.

 Jesus, também, travou um combate com Ele mesmo

Na Solenidade do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, a Liturgia da Igreja nos apresenta aquela conhecidíssima passagem em que Jesus se coloca em oração no Getsêmani, um jardim localizado na encosta do Monte das Oliveiras, em Jerusalém. Enquanto Jesus se afasta para orar, seus discípulos Pedro, Tiago e João não resistiram ao cansaço e dormiram.

Foi exatamente nessa passagem, no momento de sua agonia mortal, que Jesus travara uma luta consigo mesmo. Após se afastar para orar Jesus suplica ao Pai: “Aba! (Pai!). Tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice” (cf. Mt. 26, 39). Essa súplica de Jesus, nos explica o Catecismo da Igreja Católica, exprime o horror que a morte representa para a sua natureza humana.

Joseph Ratzinger, nosso amado Papa emérito Bento XVI, no seu livro “Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a Ressurreição”, afirma que, naquele momento, Jesus experimentou a solidão extrema, toda a tribulação de ser homem. Passou pelo medo e pela aflição diante do poder da morte, o pavor perante o abismo do nada, que O fez tremer e a suar gotas de sangue.

Ratzinger completa que: as duas partes da oração de Jesus apresentam-se como a contraposição de duas vontades, “vontade natural” do homem Jesus, que se insurge contra o aspecto monstruoso e fatal do acontecimento a ponto de pedir que o cálice fosse afastado dele; e a “vontade do Filho”, que se abandona totalmente à vontade do Pai.

Autossabotagem

Como vimos, caro leitor, engana-se quem pensa que o nosso maior inimigo é “alguém” exclusivamente externo a nós. Estamos seriamente propensos à autossabotagem. Assim, é preciso estarmos atentos e vigilantes ao inimigo externo e ao interno. Para finalizar, quero trazer uma preciosa dica que nos é dada pelo Catecismo da Igreja Católica, no número 2730: “o combate contra o nosso eu, possessivo e dominador, consiste na vigilância [e na] sobriedade do coração”.

Leia mais:
.:Buscar ajuda ou enfrentar os problemas sozinhos?
.:Se o medo é o pior inimigo do homem, o amor é seu melhor amigo
.:O problema do autoboicote
.:Como distinguir a vontade de Deus da minha?

Com esse artigo, concluímos a primeira parte desta série. Como vimos, nos três primeiros artigos, tratamos de três grandes inimigos do soldado cristão. No próximo, começaremos a tratar não mais dos inimigos, mas das armas que todo cristão dispõe para o combate.

De antemão, quero informar a primeira delas: fazer parte de um pelotão. Cristão que decide permanecer sozinho não vence nenhuma batalha; vou ainda mais longe: é uma presa fácil para esses inimigos.

Deus abençoe você e até a próxima!