Santificação

Reflita sobre o dom de sabedoria e as quartas moradas

Conhecendo e aprofundando um pouco mais nas quartas moradas

Nesta nova etapa do caminho espiritual – a via unitiva ou mística –, finalmente, começa-se a colher, de forma mais clara, os frutos deste grande esforço de santificação. Se Deus já se mostrava nas moradas anteriores, ainda persistia o medo ou a incompreensão de que as mudanças notadas seriam realmente consequência do trabalho da oração e da reflexão, ou pura imaginação.

Tanto a construção das virtudes nas primeiras e segundas moradas, quanto a purificação da inteligência, da memória e da vontade nas terceiras moradas, ainda parecem serem possíveis de ser realizadas com um esforço puramente humano. Evidentemente, não são. Sem as virtudes infusas e os dons de santificação do Espírito Santo, nada disso se constrói. No entanto, é a partir das quartas moradas que, tantos os fenômenos observados quanto as mudanças estruturais da alma, refletidas no modo de pensar e agir do cristão, são claramente sobrenaturais.

Não devemos, porém, nos confundir: “sobrenatural” quer dizer acima de nossas forças naturais, algo que não podemos realizar por nós mesmos. Não falamos aqui, ainda, de alguns fenômenos próprios das sextas e sétimas moradas. É devido a essa dificuldade de terminologia e a dificuldade de descrever as ações de Deus na vida interior, que Santa Teresa começa as quartas moradas dizendo que quem não vivencia dificilmente entende o que é exposto aqui (Castelo, 4M).

Reflita sobre o dom de sabedoria e as quartas moradas

Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Façamos um esforço

No final das terceiras moradas, orientando-se por São João da Cruz, deve ser o momento de se aplicar na “primeira noite” ou noite ativa dos sentidos. Essa noite só é possível se antes o cristão conseguiu se afastar dos pecados mortais nas primeiras moradas e construir as virtudes da temperança e da paciência, que abrirão caminho para as demais virtudes, principalmente a justiça e a prudência. Todo esse processo foi explicado nesta série “Caminho Espiritual e as Moradas” e, em relação às virtudes, deve ser utilizada a série “Virtudes Morais e Cardeais” para aprofundamento.

A partir da renúncia apontada pelo dom de conselho, as segundas e terceiras moradas devem ser vividas buscando, por um lado, conhecer e amar Cristo cada vez mais e, por outro lado, libertando-se das últimas amarras que nos prendem em vícios e pecados “menores”, os veniais. São João da Cruz dá a estes o nome de “apetites” e podemos também chamá-los de más inclinações. A purificação dos sentidos é realizada, portanto, quando a alma já goza de uma estabilidade e paz interior ocasionada por Deus em primeiro lugar, mas que, mais proximamente, nas causas segundas, foi realizada pela pacificação da inteligência e da vontade que, finalmente, conseguiram dominar as paixões e as más inclinações da alma.

Essa noite ativa, como explicado no artigo as terceiras moradas e São João da Cruz, visa libertar a memória, inteligência e vontade de tudo que não leva a Deus. É um esforço constante e consciente para não se interessar por nada que não seja a união com Cristo, não lembrar de nada que não se refira à vida espiritual e não desejar nada que não seja crescer na oração e intimidade com Deus. Feito o “dever de casa” das moradas anteriores, isso é possível por uma graça especial de Deus, que vem em socorro daquele que se esforça para viver segundo a sua vontade. Embora se continue a viver “normalmente”, o desejo e esforço é para que nada perturbe a alma, nada a consuma, nada apague a vivência da oração, renunciando-se a todo modo humano de pensar (Jo 1, 13). Ou, como sintetiza São João da Cruz, no livro segundo da Subida do Monte Carmelo, devemos levar a inteligência a entender e pensar tudo através do filtro da fé, a memória a só recordar o que a faz crescer em esperança e a vontade a realizar qualquer coisa, e todas elas, somente por amor a Deus, ou seja, pela caridade (II Subida, VI). Despojadas as potências da alma (inteligência, memória e vontade) de tudo que não é Deus, elas serão purificadas pelo vazio deixado.

Do nada ao tudo

Aquele que passa por esse processo de purificação, naturalmente desenvolve um gosto pelo silêncio e pela solidão. Não se trata aqui, no entanto, de um silêncio vazio. É a mensagem estranhamente narrada nos Salmos onde, ao mesmo tempo, sua notícia ecoa por toda a terra, mas não são vozes, nem palavras que possam ser ouvidas (Sl 18, 4-5). Pode-se dizer que é a ação de Deus na alma que a faz permanecer em silêncio e à espera. É aqui também a referência das virgens prudentes que conservam suas lâmpadas acesas (e com óleo extra) enquanto esperam a chegada do noivo (Mt 25). Vive-se, aqui, a oração de simplicidade, conforme já explicado.

Quando a alma, nessa situação, percebe que todo o conhecimento que possui do mundo não é caminho nem oferece meio para se entender ou se unir a Deus, repete o gesto de Elias que, diante de Deus, cobriu o rosto (1Rs 19,13). A isso São João da Cruz chama “trevas da fé” ou, noite. É chegado o momento de Deus “conduzi-la ao deserto e falar-lhe ao coração” (Os 2,16).

Quartas Moradas

As quartas moradas marcam, portanto, esse momento onde Deus assume as iniciativas. Ao perceber a obra já iniciada que colocou a alma em estado de docilidade, o dom de Sabedoria começa a se manifestar.

Ao contrário do que se pensa, sabedoria, aqui, vem de sapore (sabor) e não de sapere (saber). Embora as duas etimologias da palavra sejam corretas, o dom de sabedoria dado pelo Espírito Santo leva a alma a saborear Deus e, por isso, São Tomás de Aquino também a chama de ciência saborosa.

Recapitulando: o dom de entendimento leva a compreender, de maneira viva e intensa, as verdades da fé. Esse entendimento, quando reflexo da atividade da missão do verbo em nós (ST I-Q43), faz-nos amar mais a Deus e suas verdades, provocando a manifestação do dom de Sabedoria. O dom de Sabedoria, por sua vez, é a própria missão do Espírito Santo em nós. A partir daí, é o dom de sabedoria que renovará, de forma constante e sistemática, toda a nossa espiritualidade. Por ser o próprio Espírito Santo, é o próprio Deus agindo em nós; pelo Espírito Santo ser o próprio Amor, é a virtude da Caridade em seu grau máximo. Assim, o dom, que é inspiração de Deus, e a virtude, que é o modo de ação da alma, estão unidos formando a Sabedoria-Caridade.

Essa manifestação é tão intensa que Santa Teresa compara as quartas moradas à chegada do Espírito Santo sobre os apóstolos no Pentecostes (At 2,3). No próximo artigo, debruçaremo-nos somente sobre esse fenômeno entendendo como o quinto grau de oração, a oração de recolhimento o produz. Por enquanto, lembremos como, no seu livro da Vida, ela compara as maneiras de oração à rega de um jardim (Vida 11, 9).

Oração

Os que iniciam a vida de oração nas primeiras moradas é como se tirassem a água de um poço fundo. É muito trabalhoso, cansativo e pouco producente. Por mais que exista um grande empenho e determinação, chega a ser frustrante. Esses precisam trabalhar duro para recolher os sentidos tentando se concentrar e, como não estão acostumados, isso requer muito esforço. Além da dificuldade, a Santa ainda faz a observação de que “queira Deus que o poço não esteja seco”, ou seja, às vezes, todo o esforço resulta em nada.

Em um segundo modo de oração, a que podemos comparar a oração de meditação mais adiantada, o poço já conta com sistema de roldanas e cordas e todo o mecanismo que torna o trabalho bem menos difícil. Tira-se mais água com menos trabalho. Obtém-se mais contentamento com a oração.

O terceiro modo de regar o jardim da nossa alma é através de um rio ou fonte. A oração afetiva, já adquirida, é como essa água que vem naturalmente regar o nosso coração. Não existe aqui um grande esforço, somente o colocar-se à disposição para que a oração se estabeleça através do amor. Essa concentração para se colocar em oração irá diminuindo à medida que os graus de oração forem se sucedendo. Assim, a oração de simplicidade funciona de maneira semelhante, mas recebe muito mais “água”.

A passagem da vida ascética para a vida mística se dá no momento quando, sem nenhum esforço nem disposição interna para a oração, essa fonte de água viva transborda voluntária e inesperadamente. Sente-se, assim, que o Espírito mesmo passa a rezar em nós, com todas as ações próprias que a oração realiza na alma, sem nenhuma preparação ou aviso. Aqui, o noivo finalmente vem buscar a noiva para levá-la às bodas.

Esse processo, e como Santa Teresa o descreve em detalhes, examinaremos no próximo artigo, juntamente com os quintos e sextos graus de oração, a oração de recolhimento e quietude.