As segundas moradas nos mostram um caminho onde Cristo é a luz do mundo
Nos artigos anteriores, construímos o passo a passo para firmarmos no que Santa Teresa de Jesus chamou de primeiras moradas da vida espiritual. Foi lá que vimos a necessidade de trabalharmos as virtudes principais, não retornando aos pecados mortais, sendo dóceis à ação dos dons do Espírito Santo, construindo uma nova vida. Também vimos que somente vivendo fielmente essa entrega, por meio da oração e da reflexão, é possível encontrar a passagem para as segundas moradas.
Nas segundas moradas, têm início a via iluminativa, onde o Cristo, Luz do mundo (Jo 1,9), atua fortemente sobre a alma, iluminando-a para as verdades de fé mais profundas. Essa via iluminativa se estende nas segundas e terceiras moradas, preparando-nos para ingressar, mais tarde, na vida mística, também conhecida como “via unitiva”. A sequência é bem clara, reproduzindo na alma de cada cristão o mesmo processo que aconteceu na história: o Pai prepara a vinda do Filho, e o Filho vem para instaurar o Reino do Céus, que é a vida de acordo com o Espírito Santo.
As primeiras moradas ou via purgativa (de purgar, pagar, purificar) também são conhecidas por “dia do temor”. É tempo de viver os mandamentos, sabendo que um Deus forte e justo vai avaliar nossas atitudes sem desculpas nem truques. As segundas e terceiras, ou via iluminativa, também são conhecidas por “dia da verdade”. É tempo de se tornar um verdadeiro e fiel discípulo de Cristo, vivendo não só os mandamentos do pai, mas os conselhos do filho, que mostra uma obediência sem medo, mas cheia de amor. Se, nas primeiras moradas, aprendemos o amor servil (de servo fiel), agora é hora de transformá-lo em amor filial, reconhecendo, na prática, que somos irmãos de Cristo e filhos do Pai.
O que caracteriza as segundas moradas?
Esse é um dos traços que marcam a passagem para as segundas moradas e ajuda a achar a “passagem” para elas: o desejo de ser mais, de ter uma espiritualidade mais firme, de amar mais a Deus. O desejo de desenvolver um amor e uma proximidade mais terna com Deus. Também a percepção de que se pode melhorar e de que compensa deixar de lado todos os outros sonhos e projetos, que não deixam de ser ilusões do mundo, para entregar-se totalmente e seguir Cristo.
O cristão das segundas moradas já ouve, constantemente, o chamado de Deus para entregar-se mais e ser mais íntimo. Esses chamados vêm por meio de sermões ou pregações que ouve, de textos ou livros que lê, de verdades reveladas em momentos de oração e, até mesmo, em doenças e dificuldades que enfrenta. Tudo diz sobre Deus e tudo ecoa o chamado. O triste, nessas moradas, é que se percebe que não há forças suficientes para responder prontamente, e que ainda há grandes dificuldades em perseverar no estudo e na oração.
Ainda muito movido por sentimentos, o cristão acaba acreditando que, se sente a presença e o chamado de Deus, está em “estado de graça”. Se por um momento enfrenta uma aridez na oração ou no estudo, uma dificuldade ou falta de prazer em prosseguir, acha que “Deus o abandonou”, e, frequentemente, acaba se desleixando em sua vida espiritual. Um risco imenso de perder tudo que construiu a duras penas até aqui. É preciso saber que, mais do que nunca, nas segundas moradas “sabemos que a lei é espiritual, mas eu sou carnal, vendido ao pecado” (Rom 7,14).
Como não cair no pecado?
Por isso, Santa Teresa alerta: os que vivem nas segundas moradas já fogem dos pecados graves, mas ainda caem com frequência nos leves. Os pecados veniais acabam acontecendo, principalmente, porque as pessoas não fogem das ocasiões perigosas, e não o fazem, porque acreditam, erroneamente, que estão preparados para suportar a pressão dos perigos sem cair, ou, mais comumente, porque ainda estão muitos impregnados com as coisas do mundo e não veem isso como um grande risco. Esse discípulo do Cristo, mas que ainda é iniciante, volta e meia se esquece de que não se pode servir a dois senhores (Mt 6,24).
Se ainda há muito o que progredir, isso não quer dizer que já não andou bastante. Nas segundas moradas, começa-se a sentir também que o jugo do Senhor não é pesado (Mt 11,30), e que os prêmios para uma vida de proximidade a Deus já são sentidos aqui nessa vida. Hugo de São Vítor esclarece esse ponto utilizando-se do exemplo dos mandamentos: parecem impossíveis para os pecadores, são pesados para os principiantes, mas se tornam leves para os que amam (Sermo LVI). Invista, portanto, com força no amor a Deus.
Também para fortalecer a alma, Santa Teresa de Jesus insiste que é necessário meditar com frequência a Paixão de Cristo e perceber os males que causam a tibieza espiritual. Devemos procurar servir a Deus com cada vez mais prontidão, fervor e fidelidade. Trata-se de, realmente, colocar-se a serviço de forma desinteressada e fiel, e também suplicar a graça de Deus para jamais recuar na vida espiritual. Também, nesses dois pontos, Cristo é nosso modelo: veio para fazer a vontade do Pai, não a Sua (cf. Jo 6,38), e, frequentemente, retirava-se em oração para ter forças para cumprir Sua missão (cf. Mc 1,35).
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A importância da oração
Outro esclarecimento sobre as segundas moradas: é essencial desenvolver a oração mental ou de meditação de uma nova forma. Esse segundo grau de oração, nas primeiras moradas, revelava onde se estava errando e o que era preciso melhorar, atuando como um termômetro para a boa vivência das virtudes e dos mandamentos, e sendo um maravilhoso auxílio na preparação para a confissão. Aqui, essa oração meditativa precisa nos revelar quem é Cristo, ajudar a conhecê-Lo e imitá-Lo cada vez mais, tornar-se um verdadeiro João, o discípulo querido e amado.
Esse tipo de oração meditativa, unida à recepção regular do Sacramento da Eucaristia e à adoração ao Santíssimo Sacramento, com constância e frequência, irá, naturalmente, desembocar no terceiro grau de oração: a oração afetiva. Perceba que, se a oração vocal é falar com Deus, se a oração mental (ou meditativa) é pensar em Deus, a oração afetiva é amar Deus. Toda vez que amamos Deus, estamos realizando essa oração, que é superior às outras.
Amemos, pois, este Deus que se fez Homem e ganhou um nome: Jesus Cristo. Acredite, esta é, realmente, uma oração mais alta que as anteriores. Se Deus é amor, quanto mais o amarmos, mais permaneceremos em contato com Ele.
Como Jesus é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6), fica claro por que essas moradas compõem o “dia da verdade”. Como não se pode amar o que (ou quem) não se conhece, estudar é um passo fundamental nesse processo. Será o estudo que nos revelará mais sobre Deus, tornando-nos mais íntimos e iluminados por Suas luzes. Ou, como já dissemos, vivendo a via iluminativa.
Não se engane! Se o objetivo dessas moradas é desenvolver a oração afetiva, o estudo dos Evangelhos, das palavras e atos de Cristo é somente um pretexto para um encontro mais íntimo com Ele. Buscamos uma iluminação que acenda o amor em nós, como os discípulos de Emaús, que sentiam o coração arder enquanto o Senhor lhes explicava as escrituras (Lc 24,32).
O estudo, então, não é para adquirir conhecimentos, mas para ter acesso a uma forma muito superior de inteligência, que só pode ser desenvolvida pelo amor a Deus. Esse processo também pode ser descrito como a “vivência da fé”, já que se trata de conhecimentos e verdades reveladas. Essa prática constante da fé promove a existência de Cristo em nós ou, como bem diz São Paulo, ela faz “que Cristo habite pela fé em vossos corações!” (Ef 3,16).
O caminho das moradas
O resumo do ciclo “de estudos” que deve acompanhar toda a via iluminativa, seja nas segundas ou terceiras moradas, pode ser definido assim:
Estudar as Sagradas Escrituras, em espírito de oração, para encontrar o Cristo pela fé e, assim, encontrando uma verdade de fé que ecoe no coração, meditá-la, procurar entender todas as suas implicações e amá-la profundamente. Com o amor adquirido por ela, praticar essa verdade na própria vida, transformá-la em modo de vida concreto. Repetir o processo, procurando e encontrando outra verdade. Com o tempo, elas constroem uma grande rede, construindo a vida espiritual e a vivência do Cristo em nós. Começa-se, então, a impregnar-se do Evangelho e suas verdades. E tem-se a companhia constante de Cristo como tiveram seus primeiros discípulos.
Podemos dizer, a partir disso, que “a fé opera através da caridade” (Gl 5,6). A verdade de fé inflama, assim, o coração, e acende a vontade e a disposição de vivê-la profundamente na nossa vida. Essa vivência, por sua vez, acende novas luzes que iluminam a fé. Instaura-se um ciclo que se alimenta e fortalece. Assim, nessas segundas moradas, começamos a vencer o desejo do mal (pecados veniais) e a acabar com nossa ignorância do bem (sendo instruídos pelo próprio Cristo).
No próximo artigo, veremos algumas dicas preciosas de São Pedro de Alcântara, para que consigamos fazer a transição da oração mental para a oração afetiva com sucesso e as atitudes que precisamos desenvolver para que as virtudes teologais atinjam um novo nível nas segundas moradas. São as virtudes teologais e a influência do dom de entendimento (ou inteligência) que irão desenvolver completamente essas moradas.