✝️ Jubileu Missionário

Passado e presente na evangelização do Brasil - III

Os jesuítas e o seu lugar naquela sociedade

Esse sonho, gestado no coração da Companhia de Jesus, foi motivo de muitas tensões e nem poucas incompreensões. Entrar na cultura indígena obrigou os jesuítas à tarefa de descobrir qual seria o seu lugar naquela sociedade. Deslocar a estrutura ancestral das populações indígenas constituiu ameaça para a autonomia simbólica, religiosa e territorial.

Por outro lado, as tensões com os portugueses ou espanhóis que avançavam nas aldeias e missões buscando a mão de obra indígena, escalou temas diversos.

Pintura de São José de Anchieta. Ele veste uma batina preta, usa um crucifixo no peito e segura um livro.

Crédito: Domínio público

Em alguns momentos, a posição da Companhia de Jesus parecia ingênua, ao perceber que as populações autóctones (filho da terra) fossem como “papel em branco” onde se pode escrever o que quiser. Essa ingenuidade favoreceu o contato e oportunizou inúmeras enfermidades que dizimaram grande número de nações. O deslocamento forçado, a submissão dos líderes à autoridade do Governador Geral, a supressão das práticas ancestrais e a necessidade de propor uma nova criação às populações locais deixaram marcas profundas.

Reconhecimento do potencial organizacional das aldeias

Aquilo que se compreendia como defesa do direito indígena contra a “guerra justa” foi o calcanhar de Aquiles da Companhia. Além de tentar convencer os indígenas para ir às aldeias de missão, a Companhia precisou defender seu programa, garantir terras para os indígenas (Sesmarias) e aplicar uma organização colegiada ao modelo de cabildo. Essas novidades reconheciam o potencial organizacional dessas aldeias, mas fazia a coroa encontrar nelas um recurso defensivo nas disputas estrangeiras pelo território.

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Compreender os povos indígenas

É difícil aceitar que ainda hoje a questão indígena siga sendo pensada como recurso para a preservação da floresta, para o cultivo extrativista ou defesa do território. É escandaloso pensar que a relação com o Brasil legal, em muitos momentos, parece tão conflituosa como em tempos coloniais. O Padre José de Anchieta (1534-1597), no final da sua vida, lamentava, porque não se conseguiu compreender os povos indígenas. Os conflitos irresolutos, as desconfianças constantes com o diferente e a ignorância completa de seu estilo de vida levariam inevitavelmente ao fim dessas populações.

A percepção da missão jesuíta

As polarizações no contexto colonial também afetavam diretamente a percepção da missão. A pouca mobilidade entre os jesuítas que atuavam nas aldeias de missão, nos colégios e centros urbanos comprometia a estratégia de serem ponte. A Companhia teve que se decidir publicamente em voltar às fronteiras e propor, como condição para as ordens sagradas, o aprendizado de línguas indígenas.

José de Anchieta foi quem melhor compreendeu a necessidade de método, propondo um novo itinerário linguístico. O teatro catequético será sua proposta, pois, no palco, o colono e o indígena, que nunca é retratado como escravo, desenhavam seu futuro. Seu maior desejo, como vemos nas suas peças de teatro, era ver o País pacificado.

As missões jesuíticas sempre foram uma experiência de fronteira, primeiro, por ultrapassar os limites de línguas, culturas e povos e, segundo, por se construírem de forma original às margens dos interesses políticos das coroas ibéricas. A fronteira sempre exerceu nos jesuítas um duplo fascínio, primeiro como lugar onde há espaço para o novo e, segundo, como lugar onde se exerce sua máxima confiança em Deus.

De fato, aquilo que se construiu nas fronteiras com o tempo se mostrou nossa máxima expressão de entrega e serviço. Não é por acaso que o Papa Francisco nos chamou para as fronteiras espirituais e geográficas do nosso tempo.

Pe. Felipe de Assunção Soriano, S.J.