✨ Propósito divino

A Natividade de São João Batista segundo São Lucas

A  sua vocação profética precede o seu nascimento

Todos os evangelistas falam de São João Batista, mas São Lucas é o único a narrar o seu nascimento. Enquanto os outros evangelistas apresentam João Batista já no deserto, pregando e testemunhando o Cristo, Lucas conta ao seu leitor a origem de São João Batista. Por meio do Evangelho narrado por São Lucas, sabemos o nome dos pais de São João Batista e as circunstâncias de seu nascimento. 

Créditos: Imagem gerada por Inteligência Artificial / CHAT GPT

Ao narrar o nascimento de São João Batista, São Lucas mostra mais nitidamente que a relação com o Cristo e a sua vocação profética precede o seu nascimento, pois os planos de Deus para São João Batista são desde o princípio.

A origem de São João Batista

Evidentemente, no Evangelho segundo São Lucas, Jesus é o personagem principal. Ele é a figura em torno da qual toda a narração se desenvolve, mas o primeiro acontecimento narrado pelo Evangelista é o nascimento de João Batista. 

São Lucas poderia ter iniciado o seu Evangelho de vários modos, por exemplo, narrar os eventos recentes que explicassem o passado, mas escolhe começar narrando, em primeiro lugar, a origem de São João Batista, cujo nascimento precede o nascimento do protagonista do Evangelho. A escolha de São Lucas não é por acaso, é uma estratégia para conduzir seu leitor a um olhar especial para a intervenção de Deus no mundo. A  sua intenção inicial é clara: apresentar um paralelismo entre João Batista e Jesus. Trata-se de um recurso do autor para sublinhar a identidade dos dois. 

São Lucas apresenta o paralelismo entre João Batista e Jesus num tecido harmonioso de diferenças e semelhanças no qual a superioridade de Jesus é oportunamente realçada. O nascimento de São João Batista e de Jesus são apresentados a partir de uma estrutura narrativa semelhante. Primeiramente, os pais de João Batista, Zacarias e Isabel, e, posteriormente, também os pais de Jesus. Ambos os nascimentos foram anunciados pelo Anjo Gabriel, primeiro a Zacarias e, depois, a Maria. Zacarias e Maria são tomados, segundo São Lucas, por uma inquietação, e a ambos o Anjo fala sobre a criança que irá nascer. 

O paralelismo entre São João Batista e Jesus

Os dois, porém, respondem ao Anjo com uma pergunta. A reação final de Maria (Lc 1,38) e Isabel (Lc 1,24-25) são igualmente destacadas pelo evangelista. Poder-se-ia indicar ainda outros pontos de correspondência entre a narração dos dois nascimentos, porém os pontos elencados já são suficientes para demonstrar o paralelismo entre as duas personagens na narrativa de São Lucas através da semelhança. 

Por outro lado, conforme já foi indicado, o paralelismo construído pelo evangelista Lucas entre São João Batista e Jesus deixa transparecer a superioridade de Jesus em relação a São João Batista por meio das diferenças. Por exemplo, o Anjo Gabriel revela a Zacarias que São João Batista será grande diante do Senhor (Lc 1,15), mas revela a Maria que Jesus será grande de modo absoluto (Lc 1,32). Além disso, enquanto São João Batista é concebido por um milagre, visto ser fruto de um casal de idade avançada cuja mulher era estéril, Jesus nasce de uma virgem, por obra do Espírito Santo, superando ainda mais a lei natural. Os amigos e parentes de Zacarias ficam sabendo do nascimento de São João Batista de modo comum, ordinário; enquanto os humildes pastores, os primeiros a saudar Jesus, são avisados de seu nascimento de modo extraordinário, por mensageiros celestes.

Por fim, enquanto Zacarias eleva um hino de louvor em sua casa por ocasião do nascimento de seu filho, Jesus é louvado no templo por Simeão e proclamado “luz para iluminar os povos e glória de Israel” (Lc 2, 32). A superioridade de Jesus aparece, neste caso, no conteúdo do louvor elevado a Deus e no local onde é entoado. 

São João Batista, um homem em  grandeza e humildade 

Notamos, dessa forma, que o paralelo dos dois nascimentos no Evangelho narrado por São Lucas tem o escopo de mostrar a superioridade de Jesus. São João Batista precede Jesus no nascer, mas não o precede em importância. A grandeza de São João Batista consiste em preparar o caminho, pregar a conversão, anunciar o Cristo, e também a sua humildade de ocupar bem o seu lugar no projeto de Deus e de reconhecer que Cristo é mais. 

De fato, a vida de São João Batista não se explica sem a vida de Cristo. Depois de sua infância, ele não aparece muitas vezes na narrativa de São Lucas, mas aparece o suficiente para mostrar a que veio. São João Batista não desaparece do Evangelho sem ter sido descrito por Lucas como um homem que viveu fielmente a sua vocação. Ao final de sua participação no Evangelho de São Lucas,  São João Batista é descrito por Jesus como o maior de todos os profetas (Lc 7, 28). São Lucas se ocupa em incluir o elogio de Jesus a São João Batista na sua narrativa, de modo a deixar claro para nós, os leitores, que João é verdadeiramente grande diante do Senhor. São João Batista é descrito como um homem em quem a grandeza e a humildade se combinam. 

A nossa existência tem um propósito divino

Ao narrar o nascimento de São João Batista, o evangelista Lucas focaliza a iniciativa divina do início ao fim. O profeta é apresentado como uma amorosa intervenção de Deus na história. O seu nascimento narrado por São Lucas evidencia a ação de Deus e, ao mesmo tempo, o consentimento humano. A ação de Deus é respondida pela louvação de um povo que reconhece, no nascimento de São João Batista, uma obra de Deus (Lc 1,68). Ao narrar a ação de Deus no início do Evangelho, Lucas nos recorda que a nossa existência tem um propósito divino, pois, como São João Batista, não nascemos em função de nós mesmos, mas em função de Cristo, sem o qual nossa vida não se explica.

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João é o seu nome

A identidade e a missão de São João Batista é ainda ressaltada por São Lucas por sua insistência em destacar o nome do grande profeta. De fato, no mundo bíblico, o nome revela a identidade e a missão das personagens. Isso explica por que São Lucas sublinha a vontade divina e o consentimento humano de que o filho de Zacarias e Isabel se chamasse João. Primeiramente, o Anjo Gabriel, ao anunciar o nascimento de São João Batista a Zacarias, ordena que o menino seja chamado “João” (Lc 1, 13). Posteriormente, Isabel expressa o desejo de chamar seu filho de “João” (Lc 1,60). Também Zacarias, ainda sem poder falar, insiste neste nome para o seu filho e escreve: “o seu nome é João” (Lc 1,63). Zacarias e Isabel aparecem, mais uma vez, como cumpridores da vontade de Deus. 

O significado mais comum atribuído ao nome João é “o Senhor é benigno, misericordioso”, ou seja, trata-se de um nome que anuncia a bondade do Senhor. Desse modo, o nascimento de João Batista testemunha a misericórdia de Deus, que visitou o seu povo e o libertou. Sim, “João é o seu nome”, pois ele é uma prova de que Deus se compadeceu de nós e de que seu amor supera toda a expectativa humana. 

Pe Gerson Aristóvio Fernandes Carvalho
Arquidiocese de Diamantina (MG). Mestrando em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.