NOVIDADE

Surpresas de Deus

A força do Ressuscitado nos faz nascer de novo, começa sempre de novo, com as surpresas de Deus 

A vida cristã passa de novidade em novidade, já que Deus não se repete e tem a oferecer a infinita criatividade do amor, com a qual aponta a bússola de nossa existência para a plenitude da eternidade. Tudo isso se encontra presente na grande virada de página da história, quando a escuridão, a morte e o pecado foram definitivamente vencidos pela Ressurreição de Jesus Cristo. Daí para frente, trata-se de anunciar a todos esta realidade e tirar todas as consequências para a vida das pessoas. Esta convicção faz com que o zelo missionário da Igreja busque os métodos adequados a cada tempo, a fim de que todas as pessoas acolham a Boa Notícia do senhorio de Jesus Cristo.

Cristo ressuscitou! Ressuscitou de verdade! É a experiência feita pelos cristãos de todos os tempos, no rastro da recomendação feita por São Paulo ao seu amigo Timóteo, “Diante de Deus e do Cristo Jesus que vai julgar os vivos e os mortos, eu te peço com insistência, pela manifestação de Cristo e por seu reinado: proclama a Palavra, insiste oportuna ou inoportunamente, convence, repreende, exorta, com toda a paciência e com a preocupação de ensinar. Pois vai chegar um tempo em que muitos não suportarão a sã doutrina, mas conforme seu gosto se cercarão de uma série de mestres que só atiçam o ouvido. E assim, deixando de ouvir a verdade, eles se desviarão para as fábulas. Tu, porém, vigia em tudo, suporta as provações, faze o trabalho de um evangelizador, desempenha bem o teu ministério” (2 Tm 4, 1-5).

Já no “primeiro dia da semana”, tudo começou a ficar diferente, pois o Ressuscitado se manifestou de várias formas. Uma verdadeira revolução aconteceu na vida das pessoas que o encontraram, bastando verificar suas reações. Se para alguns pareceu um jardineiro (Cf. Jo 20, 11-18), para outros um andarilho (Cf. Lc 24, 13-35) um pescador desconhecido, capaz de preparar pão e peixe para acolher amigos (Cf. Jo 21, 1-14), ou até um fantasma (Cf. Lc 24, 35-48), uma das narrativas oferecidas por São João (Cf. 20, 19-31) descreve de forma magnífica as surpresas e descobertas daquele grupo temeroso, destinado pela Providência Divina a assumir a imensa tarefa do anúncio do nome de Jesus Cristo.

O ambiente era de medo! Medo dos que haviam conduzido Jesus à morte, medo das ameaças que pairavam sobre eles mesmos, insegurança total. A surpresa inicial foi que Jesus se mostrou vivo e passou pelas portas fechadas. É que todas as portas são escancaradas a partir da Ressurreição do Senhor. Não há mais problemas sem solução, nem barreiras intransponíveis. Quem se abriga debaixo dos braços da Cruz e depois faz o caminho dali para o Cenáculo das aparições do Cristo ressuscitado, vence a escuridão, o pavor da vida e dos desafios que possa oferecer.

A seguir, para aqueles homens e com eles as sucessivas gerações de cristãos vem o anúncio da paz! A humanidade desde sempre e até hoje se acostumou a enfrentar seus eventuais conflitos com violência, negociação trabalhosa, acordos muitas vezes frágeis, preparação para a guerra, ameaças e riscos para todas as partes envolvidas. E vem alguém que repetidamente diz “A paz esteja convosco”. Parece fácil! No entanto, a paz é anunciada e tornada presente, diante de olhos atônitos, através das chagas gloriosas abertas e mostradas com clareza. A surpresa é que justamente quando alguém entra lá dentro das chagas existentes na vida e na humanidade, e o faz com o mesmo amor que jorra da Cruz de Cristo, brota também em sua vida e no mundo a paz (Cf. Jo 7, 38-39). Andaremos inquietos e infelizes enquanto não tivermos a coragem de olhar o mundo e as pessoas do lado de dentro das chagas de Cristo, e isso quer dizer olhar com amor. Nele se encontra nossa paz e a paz para o mundo.

Surpresa! Como na criação do mundo Deus soprou sobre a matéria inerte seu hálito de vida, a nova criação realizada na morte e ressurreição de Cristo só pode vir com o sopro do Espírito Santo! Vem de fora, do alto, como dom de Deus! E todas as pretensões humanas de vencer por própria conta, dar mil palpites sobre tudo, caem por terra e se abre o tempo do Espírito Santo, dom do Cristo Ressuscitado. Quem se deixa “soprar” com o hálito do Ressuscitado (Cf. Jo 3, 1-8) nasce de novo, começa sempre de novo, com a inesgotável coragem nascida da Páscoa de Cristo.

E ao soprar sobre seus discípulos, Jesus lhes entrega um poder que sara todas as feridas do mundo, o do perdão: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos” (Jo 20, 22-23). Justiceiros de plantão ficam desempregados, ardores de vingança se apagam, contas a pagar são canceladas e nasce o abraço da reconciliação! Tudo com um sopro! Perdão quer dizer superar julgamentos e não desistir dos outros nem de nós mesmos. Perdão é considerar mais importante a pessoa que caiu do que suas eventuais falhas e pecados. Perdão é acolher com um novo olhar as fragilidades uns dos outros. Numa palavra, perdão é misericórdia, coração apaixonado pela miséria das pessoas e do mundo! Neste final de semana, a Igreja celebra justamente a Festa da Divina Misericórdia! E o Papa Francisco publica a convocação do Ano Santo da Misericórdia, Jubileu especial para espalhar o perdão, a ser celebrado a partir da Solenidade da Imaculada Conceição de 2015!

Os detalhes da experiência feita pelos apóstolos não se esgotam, pois um deles, Tomé, homem ao mesmo tempo da dúvida e da fé, entrou em cena em nosso nome e conosco, para garantir o nosso assento na festa da misericórdia e do perdão. Nosso convite e o “bilhete” gratuito de entrada tem escrito assim: “Bem-aventurados os que não viram, e creram!” (Jo 20, 29). Sintamo-nos acolhidos, com todas as nossas cargas pessoais sobre os ombros. Venham conosco as situações sociais nas quais nos envolvemos, os pesos de uma sociedade marcada pelas cobranças recíprocas, para a qual perdão e misericórdia significam fraqueza. Se tivermos a coragem de fazer a experiência da presença do Cristo Ressuscitado, seremos uns para os outros e para o mundo as surpresas de Deus.


Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.