Dia de Todos os Santos e dia de finados

A fé cristã não se baseia em garantias racionais para cultivar sua esperança na vida eterna

Caindo de domingo o dia primeiro de novembro, o calendário religioso acerta o passo com uma antiga tradição. Neste ano será possível celebrar em sequência o dia de todos os santos, e logo em seguida, o dia dos finados.

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Santos e finados fazem parte do quadro de referências que compõem uma cosmovisão que procura integrar os diversos aspectos da realidade e da vida humana, numa tentativa de harmonizar todas as coisas num universo que tenha sentido. É o que todas as religiões procuram fazer: buscar o sentido último de todas as coisas.
Independente do mérito objetivo destas duas celebrações, elas fazem parte da visão de conjunto que a fé cristã apresenta, e que é explicitada ao longo de cada ano pelas celebrações tradicionais que compõem o calendário litúrgico da Igreja.

A questão de fundo, em ambas, é a esperança na vida além da morte, interrogação que acompanha fatalmente nossa condição humana de seres mortais, mas capazes de se perguntar pelo sentido de sua existência.
A este respeito, todos têm o direito de expressar suas convicções, e de formular também suas projeções além dos limites de nossa compreensão humana. Mesmo sem lançar mão dos dados oferecidos pela fé, é legítimo o esforço de encontrar suporte racional para a esperança de uma sobrevida. Pois na verdade, o fato de sermos capazes de interrogar a eternidade, já é sinal de que somos feitos para ela.

Mas é interessante observar que a fé cristã não se baseia em garantias racionais para cultivar sua esperança na vida eterna. Ela parte de outro princípio. Ela funda sua esperança na maneira como Deus se revelou. Assim, a vida eterna é uma dedução, uma conseqüência, um corolário, uma derivação de como Deus manifestou o mistério de sua própria existência.

No tempo Jesus havia dois grupos que se opunham frontalmente a respeito da ressurreição. Os fariseus afirmavam convictos que havia. Os saduceus desdenhavam esta fé e se diziam abertamente contrários à ressurreição. Foi a propósito deles que Jesus precisou tomar posição, com a surpreendente resposta dada aos zombadores da vida futura. Jesus não se posicionou diretamente a favor da ressurreição. Jesus encontra o fundamento da ressurreição nas palavras ditas por Deus a Moisés: “eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”. Daí ele tira a surpreendente conclusão, que serve de fundamento para a fé cristã: “ora, Deus não é um deus de mortos, mas Deus de vivos!”.

Para os cristãos, a vida eterna não é entendida como consequência de uma suposta imortalidade de nossa alma. Isto pode servir de suporte. Mas não mora aí a razão de nossa esperança, como São Pedro nos aconselha a buscar sempre. Nossa fé na ressurreição é muito mais consistente do que um simples raciocínio filosófico.
Colocados os fundamentos da fé, é claro que a razão pode perceber neles a coerência interna, que a teologia procura encontrar, como “fides quaerens intellectum”, no dizer de Santo Anselmo.

Se já o Antigo Testamento oferecia base sólida para a fé na ressurreição, muito mais o Novo Testamento, que se constrói todo ele em torno da fé na Ressurreição de Jesus. Depois de citar os fatos que servem de fundamento para o Evangelho, escrevendo aos coríntios, São Paulo tira a conclusão certeira e definitiva: “Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dizer que não há ressurreição dos mortos?” A fé na ressurreição de Cristo, e em consequência, da nossa ressurreição, é o núcleo aglutinador que harmoniza todo o conjunto da vida humana, com suas certezas presentes, e com sua esperança no futuro.

Celebrando santos e finados, rendemos homenagem ao Deus dos vivos, “pois para Ele todos vivem”.

Dom Luiz Demétrio Valentine
Bispo Diocesano de Jales (SP)