Antes de entrar no assunto indulgência, vamos falar sobre pecado, culpa e pena
Caro internauta, inicio este artigo com um trecho do Evangelho de Mateus, que nos apresenta um princípio de importância capital no campo eclesiológico e com implicações diretas na nossa vida de Igreja enquanto discípulos e missionários de Cristo: “Jesus, aproximando-se deles, falou: ‘Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra'” (cf. Mt 28,18).
A Igreja, portanto, em vista do poder de governar a ela concedido pelos méritos de Cristo, possui o múnus de “ligar e desligar”: “E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (cf. Mt 16,19). Diante dessa afirmação, surge, não raras vezes, um questionamento: “Afinal, o que significa ‘ligar e desligar’ do qual narra o Evangelho?”.
O Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 1445, apresenta-nos, de maneira bastante clara, o significado para essa expressão nos seguintes termos: “As palavras ligar e desligar” referem-se ao restabelecimento, ou não, da comunhão do homem com Deus por intermédio da Igreja. Cabe ressaltar que “Igreja”, neste sentido, refere-se a Pedro e ao seu colégio apostólico.
Assim, a Igreja Apostólica intervém a favor do cristão abrindo-lhe o tesouro dos méritos de Cristo e dos santos; e, para ele, obtém, do Pai das Misericórdias, o perdão das penas temporais devidas pelos pecados por ele cometidos. Um segundo questionamento pode, então, surgir: “O que são, afinal, ‘penas temporais’?”.
O sentido de culpa
Antes de responder essa pergunta, é preciso afirmar que o pecado é gerador de duas consequências distintas, porém, tangenciáveis: a culpa e a pena. Embora o pecado, a culpa e a pena sejam independentes entre si, todo pecado supõe sempre uma responsabilidade. Assim, para que exista o pecado, é necessária uma ação praticada de maneira consciente e livre. Consequentemente, uma vez que a pessoa age de forma consciente e livre, recai sobre ela a responsabilidade pelo ato cometido.
Segundo o dicionário de teologia moral, a culpa é a “vivência do pecado, quando do pecado se está disposto a assumir sua responsabilidade”. A responsabilidade, portanto, é o elemento que unifica o sentido de culpa com o sentido de pecado “e define uma situação real do homem por motivo da qual este é e se chama pecador”. Quando o homem comete o pecado, sua vontade permanece determinada na ordem do mal, ou seja, em estado de aversão a Deus, até que ele se retrate diante de Deus por meio de seu arrependimento, da sua conversão.
O peso da pena
A pena, em sua essência, relaciona-se com a culpa, ou seja, a pena não apenas acompanha a culpa, mas é gerada por ela. Para exemplificar essa diferença, tomemos como exemplo a figura de uma filha que se utiliza do vaso de barro de sua mãe para retirar água potável em uma fonte próxima à sua casa para matar sua sede. Sabemos que ninguém sobrevive por muito tempo sem a ingestão de água, de maneira que, aquele vaso, torna-se um elemento importante para a sobrevivência daquela pessoa.
Certo dia, descontente por ter que buscar água no poço, diariamente, a filha lança ao chão o vaso de barro de sua mãe, e esse se parte em infinitos miúdos cacos, de modo que não é possível encontrar, entre os fragmentos, nenhum caco com o qual ela possa armazenar, mesmo que a quantidade de um gole de água para matar a sua sede.
Na cena acima, a pessoa possuía o livre arbítrio para escolher entre lançar ou não lançar o vaso de barro no chão. Ela tinha, ainda, plena consciência de que se optasse por lançar o vaso ao chão, poderia ficar impossibilitada de retirar água do poço, mesmo assim decidiu fazê-lo.
Ao fazê-lo, recai sobre ela a culpa pelo ato praticado, uma vez que a pessoa tinha consciência da consequência do possível ato e decidiu praticá-lo livremente. Diante dessa mesma cena, qual seria a pena? Justamente no fato de ela não poder mais retirar água do poço pelo fato de o vaso ter se tornado apenas pequenos cacos. Não conseguir mais retirar água do poço, portanto, é a pena que ela terá que pagar por tal atitude.
Mesmo que sua mãe, a verdadeira proprietária do vaso, perdoasse a atitude de sua filha, a pena que ela teria que “pagar” por aquele ato não poderia ser reparada por aquela mãe. O perdão da culpa, por parte da mãe, não seria suficiente para que os cacos do vaso se regenerassem e formassem um vaso novo. Eis, portanto, a diferença entre a culpa e a pena.
Conceituando a expressão “pena” de maneira mais precisa
De maneira um pouco mais técnica, pena é toda a desordem causada no pecador e nos outros tendo em vista o pecado cometido. Essa desordem precisa ser reparada, e o é pela indulgência concedida pela Igreja que pode ser de maneira plenária (total) ou parcial.
Antes de entrar mais precisamente no assunto “indulgência”, ainda sobre as penas, é preciso dizer que o magno Doutor Angélico, São Tomás de Aquino, afirma a existência de uma “pena eterna” contraída pelo cometimento de um pecado mortal não remido antes da morte, e de uma “pena temporal”, contraída no cometimento de um pecado venial. Convém dizer que essa segunda é expiável na terra ou no Purgatório.
Uma vez abordada a distinção entre esses três elementos, o pecado, a culpa e a pena, podemos tratar com um pouco mais profundidade a questão da indulgência. Assunto este que será tratado muito em breve no próximo artigo. Caso você não queira esperar pelo próximo artigo, estude os parágrafos 1471 ao 1498 do Catecismo da Igreja Católica. Sempre que puder, recorra ao Catecismo da nossa Igreja, uma fonte inestimável de conhecimento e graça.
Deus abençoe você! Até a próxima!