São Lucas: o triunfo da saúde sobre a enfermidade e a defesa da vida
São Lucas, autor do terceiro Evangelho e dos Atos dos Apóstolos, dedicou-se à prática da medicina, e é venerado como padroeiro dos médicos. Tendo vivido os desafios e as lutas de um médico de sua época e sem os recursos dos quais dispõe a medicina hodierna, São Lucas cumpriu o doce dever de cuidar de gente. Médico, sua vocação era combater contra as enfermidades dos corpos e trabalhar para o triunfo da saúde sobre a enfermidade e a defesa da vida.

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Nesse aspecto, a medicina pode merecidamente ser considerada uma profissão de esperança. O médico é portador de esperança. Na medicina, esperamos encontrar alívio, cura e conforto para as nossas dores.
O Evangelho de Lucas elevou a missão de portador de esperança
São Lucas, ao redigir o Evangelho, elevou sua missão de portador de esperança, pois apontou uma esperança que ultrapassa os recursos da medicina dos corpos, suas promessas e seu alcance. São Lucas conhecia feridas que a sua medicina não alcançava.
Após colher os testemunhos dos que conviveram com Cristo e, inspirado pelo Espírito, São Lucas escreveu o terceiro Evangelho no qual deixou as marcas de um conhecedor das misérias e feridas do mundo, do corpo e da alma. As dores do corpo se tornaram as metáforas das dores da alma. O Evangelho segundo São Lucas é, na verdade, uma obra cheia de miseráveis à procura de misericórdia, doentes que procuram médico.
O Evangelho segundo São Lucas é o Evangelho da Misericórdia
O Evangelho segundo São Lucas é conhecido como o Evangelho da Misericórdia. Nele, Cristo é narrado como o Deus Misericordioso, que veio para os pecadores, o médico que veio curar. Mas como São Lucas descreve os pecadores, isto é, os miseráveis? Como os miseráveis alcançaram a Misericórdia Divina na obra de São Lucas? Vejamos alguns personagens:
1 – A Cura do paralítico pela fé e o perdão de Deus
O episódio da absolvição do paralítico que fora apresentado a Jesus para ser curado (Lc. 5, 17-26) mostra que o perdão dos pecados tem precedência sobre a cura física. O perdão de Deus é mais importante que o milagre. O episódio mostra que Jesus veio para perdoar, isto é, dar o que somente Deus pode dar: o perdão dos pecados. A cura física é deslocada para um segundo plano, pois a medicina da alma se revela necessária. Agora, a necessidade do perdão de Deus mostra ser mais urgente que a necessidade da cura física.
E o que o paralítico fez para alcançar o perdão? Nada além de ter fé, pois o perdão divino não é mérito humano, mas é graça de Deus. Paralítico, o homem não tinha obras para oferecer a Deus. O episódio revela que as obras não condicionam o perdão de Deus. A fé era a condição para ser perdoado. Na narração de São Lucas, o paralítico anônimo não diz sequer uma palavra, mas recebe mais do que poderia esperar.
2 – A mulher pecadora: pelo amor, o perdão; pela fé, a salvação
Uma mulher, portando um vaso de alabastro cheio de bálsamo, um caro produto da época, invade a ceia para se jogar aos pés de Jesus, lavar seus pés com suas lágrimas, enxugar com seus cabelos, beijá-los e ungi-los com o bálsamo (Lc 7, 36-59). De que mais precisava uma mulher que possuía um perfume tão precioso? Quando todos pensavam que o que aquela mulher mais tinha de precioso era o perfume que ela ali derramara, Jesus revela que, em seu interior, havia algo mais precioso. Pelo amor, a mulher alcança o perdão; pela fé, a salvação. Nada poderia comprar o perdão de Deus, nem o perfume, nem a prostração.
O perdão é concedido a quem ama, a quem o procura com humildade. A pecadora anônima precede o fariseu orgulhoso na fila dos perdoados. O fariseu oferece a Jesus um banquete, mas a pecadora oferece amor. No chão, a pecadora arrependida recebe a sentença de perdão e salvação. No chão, a pecadora toca o Céu. O gesto mais humilde tornou-se uma oferta agradável, pois foi feito com mais amor. De novo, São Lucas, ao descrever um personagem pecador, ressalta a sua disposição interior. A fé vista por Cristo se sobressai.
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3 – A Parábola do Filho Pródigo: o arrependimento e a Misericórdia Divina
O episódio mais conhecido do Evangelho segundo São Lucas é, porém, a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32). O comovente episódio nos mostra que, para ser perdoado, basta voltar, basta o arrependimento. O filho declamou um discurso de culpa diante do pai e pediu o castigo de ser tratado como empregado, mas o pai ignorou tudo isso, abraçou-o, beijou-o e convocou uma festa.
O pai perdoará o filho desde o início do pecado. Mais uma vez, o perdoado não paga pelo seu perdão, não o merece, mas o recebe por misericórdia. Não era preciso falar, não era preciso restituir os bens ao pai, era preciso apenas confiar e voltar. O centro da parábola não é o filho que volta, mas o pai que perdoa. É o perdão do pai quem dá o desfecho feliz ao episódio. Mais uma vez, o pecador é surpreendido pela misericórdia.
4 – A conversão de Zaqueu: o amor de Deus precede o arrependimento
A conversão de Zaqueu (Lc 19,1-10) é também um episódio muito conhecido. Novamente, um personagem adjetivado como pecador se encontra com Jesus. Zaqueu queria apenas ver Jesus. Em nenhum momento, narra-se que Zaqueu esperasse mais de Jesus, porém, é surpreendido. De novo, a misericórdia do Filho de Deus surpreende os habitantes deste mundo. Deus feito carne escolhe se hospedar na casa de um pecador. O que Zaqueu teria a oferecer? Nada, além do desejo de vê-lo.
Em casa de Zaqueu, Jesus não o acusa de seus pecados, mas o próprio Zaqueu, tendo sido amado, expõe suas culpas, faz uma confissão pública e, arrependido, promete corrigir suas injustiças.
Cristo amou Zaqueu antes que Zaqueu se arrependesse, pois o amor de Deus precede o arrependimento humano. Zaqueu foi visto, amado e escolhido sem que nada fizesse para tal. No Evangelho segundo São Lucas, Zaqueu é mais um miserável que encontra misericórdia.
Os personagens do Evangelho segundo São Lucas
Muitos outros personagens do Evangelho segundo São Lucas poderiam ser analisados neste brevíssimo artigo, mas nosso escopo é apenas mostrar que os personagens narrados por São Lucas não praticaram grandes feitos diante de Jesus e jamais foram protagonistas do próprio perdão. Os personagens do Evangelho segundo São Lucas demonstram poucas ações e, muitas vezes, são silenciosos e sem nome. São, em suma, agentes passivos da Misericórdia de Deus, manifestada em Jesus Cristo.
O Evangelho de Lucas: esperança, perdão e confiança na Misericórdia Divina
O Evangelho segundo São Lucas é inegavelmente inspirado pela força do Céu, mas escrito por um médico que conhecia as fraquezas da terra. São Lucas diagnosticou as doenças das almas, mas não as deixou sem esperança. Por isso, o Evangelho segundo São Lucas não é uma saga de doenças sem cura, de pecados sem perdão ou de pecadores condenados, mas é esperança narrada. Diversos pecados podem ser deduzidos e imaginados nos personagens narrados por São Lucas. Avareza, luxúria, soberba… Todos, porém, encontram perdão em Jesus. O Evangelho de São Lucas é o Evangelho da esperança do perdão de Deus, da confiança na Misericórdia.
No Evangelho de São Lucas, a esperança narrada é o perdão
A esperança narrada no Evangelho segundo São Lucas é o perdão. A mesma esperança que deve mover os milhares de peregrinos que acorrem para Roma neste ano jubilar. A mesma esperança que deve nos mover todas as vezes que recorremos ao Sacramento da Confissão, no qual somos perdoados sem mérito algum de nossa parte, como Zaqueu, como a pecadora aos pés de Jesus, como o filho pródigo. São Lucas, no Evangelho, contou-nos que Cristo é o médico que veio para os doentes, é o Deus que veio buscar quem estava perdido e chamar, pelo nome, os pecadores.
Pe Gerson Aristovio Fernandes Carvalho
Arquidiocesana de Diamantina, Mestrando em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma.